Meteorologia

  • 24 ABRIL 2024
Tempo
13º
MIN 13º MÁX 24º

O ‘jota’ que quer ser secretário de Estado e que (des)espera pela bolsa

Daniel Sixto, de 25 anos, sofre de paralisia cerebral, mas não é isso que o impede de frequentar o Ensino Superior e de querer chegar a secretário de Estado.

O ‘jota’ que quer ser secretário de Estado e que (des)espera pela bolsa
Notícias ao Minuto

08:18 - 02/12/17 por Melissa Lopes e Filipa Matias Pereira

País Reportagem

Daniel Sixto tem ambições. Como qualquer comum dos mortais. Como qualquer jovem de 25 anos. Todavia, ao contrário da grande maioria, o Daniel tem mais batalhas pela frente. A paralisia cerebral que lhe afeta a parte motora – “e não mental”, como o próprio faz questão de realçar – ditam 72 % de incapacidade. Tal não o impede, porém, de perseguir os seus sonhos. Frequenta o primeiro ano do curso de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Políticas e Sociais da Universidade de Lisboa.

E quando lhe perguntamos quais os seus objetivos, não tem dúvidas, o caminho está escolhido. Daniel, que pertence à Juventude Socialista, quer ser secretário de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, cargo atualmente ocupado por Ana Sofia Antunes.

Encontrámo-nos com Daniel no Jardim do Alto de Santo Amaro, ao final do dia. A sugestão do encontro foi do próprio, por acreditar que se não o víssemos pessoalmente, não iríamos perceber “bem” a sua história. Provavelmente tinha razão. O pretexto para a nossa conversa podia ser as dificuldades que uma pessoa como Daniel derruba todos os dias, a todas as horas, nas mais simples tarefas como vestir-se ou mexer no telemóvel, ou andar, ou – talvez a mais flagrante – falar. Imaginemos só querer comunicar, o cérebro agir consoante esse desejo e o corpo não corresponder. Apesar dessa barreira, a da comunicação, Daniel quis que o conhecêssemos. Não pelas graves dificuldades motoras, mas por contestar aquilo que sabe ser um direito seu: a bolsa de estudo, cujo desfecho ainda não conheceu e que o está a fazer desesperar.

Neste momento, Daniel diz que não tem dinheiro para continuar os estudos. Sem possibilidade de ser ajudado por familiares, vive apenas com 346 euros por mês (da pensão de sobrevivência devido à morte do pai e o subsídio vitalício), sendo que 200 euros servem para pagar a uma empregada que ajuda Daniel em tarefas diárias (higiene pessoal, idas ao supermercado, confeção das refeições, etc). O que sobra, queixa-se, é praticamente nada, como é fácil perceber pelas contas. Além disso, devido ao facto de a calçada molhada ser um perigo, especialmente para si - “calçada escorregadia faz com que caia a todo o tempo” - , em dias de chuva, Daniel é obrigado a utilizar táxi. São, por estas razões, elevadas as suas despesas de deslocação.

Esperar e desesperar pela bolsa de estudo

Daniel Sixto, natural de Caldas da Rainha, ingressou no Ensino Superior em 2014, no curso de Ciências da Comunicação, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). Como conta, não se adaptou ao programa de escrita através do olhar. Pedira mais tempo para a realização dos exames (passando para 3 horas).

Contudo, explica num e-mail que nos enviou, “fui percebendo que não era por ter mais horas que conseguiria desenvolver os objetivos pedidos”. Não por incapacidade de análise, deixa claro, mas por ser “extremamente desgastante escrever um texto” quando dá por si “concentrado em acertar numa determinada tecla e não na resposta total” à questão colocada.

“Não consegui adaptar-me ao software, pois não consigo parar a minha cabeça devido à minha espasticidade dos movimentos e o software (recomendado pelo Centro de Paralisia Cerebral de Lisboa e comparticipado pelos serviços da acção social) não lê correctamente a intenção dos meus olhos”, acrescenta. Além disso, começou a sentir “inúmeras dificuldades nas cadeiras práticas, tais como, técnicas de Imprensa, de Rádio e Multimédia, agenda pública, entre outras, onde é necessário grande rapidez no manuseamento de dispositivos, tais como, microfones, câmaras, computadores.

Tal contribuiu para o seu desânimo e, consequentemente, para o seu não aproveitamento, obrigando-o a “repensar os objetivos académicos”. Daniel candidatou-se, então, este ano letivo à licenciatura em Ciência Política, através do concurso especial para Mudança de Par Instituição/Curso, tendo sido contemplado com uma vaga em função do processo de seriação, conforme explicou Carlos Dá Mesquita, dos Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa.

Um curso do qual Daniel diz estar a gostar e onde recebe apoio constante dos colegas e dos professores. Não sente qualquer tipo de discriminação. “Muito antes pelo contrário”, diz-nos, com claro entusiasmo.

Até ao corrente ano letivo, Daniel foi sempre beneficiário de bolsa de estudo e de residência universitária dos Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa. Contudo, a mudança de curso, e a consequente falta de informação académica “imprescindível à análise da candidatura”, fez com que o desfecho do resultado da sua bolsa de estudo ainda não tenha conhecido qualquer desfecho.

Contactado pelo Notícias ao Minuto, o administrador dos Serviços de Acção Social da Universidade de Lisboa explicou que, “procurando obter a informação académica”, receberam os seguintes esclarecimentos relativamente ao caso do Daniel:

“a) Na sequência da mudança de curso, o processo de creditação foi concluído a 10 de outubro; b) Porém, o aluno mostrou-se insatisfeito com o desfecho da creditação, tendo a 27 de outubro, instruído novo processo de creditação; c) Decorrente da situação referida na alínea anterior, o ISCSP diz ter alertado o aluno para as consequências que esta ocorrência poderia originar, nomeadamente, o atraso no processo de análise da candidatura a bolsa de estudo, pelo facto de ainda não reunirem a informação académica conclusiva, a fim de ser remetida aos SASULisboa e sequencialmente ser inserida no SICABE; d) Constatando-se que, no ficheiro enviado pelo ISCSP no dia 17 de novembro, o estudante, continuava sem informação académica, foi-nos apresentada a seguinte explicação: “a informação do aluno Daniel Sixto continuará incompleta nesse ficheiro, por o seu pedido de creditação ainda não ter tido desfecho. (...) A candidatura aguardará até que esteja devidamente instruída”.

Esta informação foi, finalmente, dada a Daniel no passado dia 23 de novembro, depois das muitas insistências suas para obter esclarecimentos sobre a demora de uma resposta. Sublinhou ainda o responsável que, “embora não haja decisão final sobre a candidatura, o Daniel Sixto continua alojado numa residência universitária destes serviços”.

No dia em que obteve tais esclarecimentos, no passado dia 23, Daniel deixou vincado, em resposta aos serviços, mas também em conversa com o Notícias ao Minuto, que não podia esperar muito mais. Até porque, naquele dia, tinha apenas 40 euros na carteira. Deu  um prazo de cinco dias úteis para a resolução da sua situação. Caso contrário, e usufruindo da sua “liberdade de expressão e de opinião” e o “direito à informação” não se inibirá – como não se inibiu – de procurar dar voz à sua "indignação" junto dos meios de comunicação social. Mais: Se a resposta não chegar a breve trecho, Daniel avisa que recorrerá ao Provedor de Justiça. 

Contactado pelo Notícias ao Minuto, fonte do ISCSP garantiu que o processo de candidatura à bolsa do Daniel foi fechado esta semana,  por parte do estudante, com a escolha de cadeiras para o segundo semestre e  que podem condicionar as questões de aproveitamento escolar tidas em  conta na atribuição de bolsas". 

Acrescentou ainda que o processo do Daniel "não é linear", uma vez que optou por mudar de licenciatura no terceiro ano de Comunicação. "A qualquer estudante pode  causar atrasos e o Daniel esteve consciente do facto desde o início do  processo", frisou a mesma fonte. Fez sobressair ainda que o aluno "tem sido objecto de atenção acrescida por toda a comunidade  escolar". Informação que o próprio Daniel confirmou ao Notícias ao Minuto junto do próprio. 

"Devo referir que a atenção é a mesma com todos os outros em  condição idêntica  ( perto de vinte). O Instituto dedica-lhes um Gabinete próprio com uma técnica superior licenciada em Serviço Social  como operacional e um Vice Presidente, eu própria , como responsável", acrescentou, destacando, por fim, que a "questão da deficiência e respeito pelos Direitos  Humanos deste grupo de cidadãos é seguida pelo Observatório de  Direitos Humanos e Deficiência, sediado no Instituto". 

Recomendados para si

;
Campo obrigatório