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"Não escrevo polémicas. Toco em verdades que não querem que se saibam"

José Rodrigues dos Santos lançou, no passado sábado, a sua 18.ª obra de ficção. Na sequência do lançamento de 'Sinal de Vida', o jornalista concedeu uma entrevista ao Vozes ao Minuto.

"Não escrevo polémicas. Toco em verdades que não querem que se saibam"

'Sinal de Vida’ é a mais recente – a 18.ª – obra de ficção publicada por José Rodrigues dos Santos e em que fala sobre a vida e o objetivo da mesma. Em entrevista ao Noticias ao Minuto, o jornalista, escritor e professor mostra não ter dúvidas quanto àquele que é o seu atual objetivo de vida: “informar as pessoas através do meu trabalho enquanto jornalista mas também enquanto romancista”. Mostra-se firme na convicção de que o jornalista não pode ter medo em cumprir aquela que é a sua principal função: escrutinar.

Foi na casa que o acolheu, há 27 anos, que José Rodrigues dos Santos nos recebeu e nos falou sobre a paixão pela escrita e o processo através do qual cria os seus enredos. Nesta conversa, não se inibiu, também, de abordar algumas das polémicas que marcaram a sua carreira.

Se por um lado, tem a certeza de que a dado momento houve forças políticas a tentar fazer-lhe o mesmo que aconteceu com Manuela Moura Guedes, por outro lado orgulha-se de  pertencer a uma casa que acredita partilhar os mesmos valores que os seus.

E se escrever é uma das suas grandes paixões, escrever sobre si próprio é algo que não pondera fazer. Até porque para mediatismos já lhe chega aquele que lhe é proporcionado pelo jornalismo.

‘Sinal de Vida’ é o seu décimo oitavo romance. De onde vem a motivação e o tempo para tantas obras?

A minha vida é escrever. Escrevo profissionalmente desde os meus 17 anos, de modo que gosto de escrever. Quando acabo um livro, começo logo outro. É um pouco assim.

O que traz esta obra de novo face ao que já havia escrito?

Este romance é um romance de Tomás de Noronha em que eu faço uma mistura entre a ficção e a não ficção e em que o tema é a questão da vida. É um romance que vem um pouco na sequência da ‘Fórmula de Deus’ e da ‘Chave de Salomão’. Há aqui uma parte ficcional em que há um sinal extraterrestre que é captado pelas parabólicas, pelas antenas do Projeto Sétimo, que é uma nave que vem a aproximar-se da Terra, e esse sinal leva a NASA a concluir que é necessário lançar uma expedição e que tem 15 dias para colocar uma nave no Espaço e ir ao encontro dessa nave que vem em aproximação. A nossa personagem, o Tomás Noronha, é inserido nessa missão. Essa é a história ficcional e que vai remeter-nos para um mistério muito importante no universo, que é o mistério da vida: o que é a vida? como é possível manter-se inerte se se transforma em matéria viva e consciente, para depois voltar a tornar-se inerte para mais tarde voltar a transformar-se em vida, sendo que os átomos presentes numa pedra são iguais aos átomos que qualquer um de nós tem? Como é que é possível que se tornem vivos?

E depois o grande mistério, que é saber se a vida é um mero acaso ou se ela é comum no universo, porque se for comum significa que está prevista nas próprias leis da natureza e isso inicia um universo intencional em que se tem de integrar as consequências. Se nós formos os únicos a existirmos então é tudo um acaso, um acidente, e nesse caso a vida não tem sentido. Se houver muita vida no universo, então esta tem um sentido qualquer, que nós até podemos nunca saber qual é. Mas tem um propósito nesse universo. É uma matéria científica que tem consequências filosóficas profundas sobre o sentido da nossa existência.

Não concebo a ficção sem ter uma relação com a verdade. A ficção só se compreende enquanto instrumento da realidade Como referiu, esta é uma obra sobre a vida, o seu objetivo e o nosso lugar no universo. Qual é o seu objetivo de vida?

Neste momento, o meu objetivo é informar as pessoas através do meu trabalho enquanto jornalista mas também enquanto romancista, porque não concebo a ficção sem ter uma relação com a verdade. Para mim, a ficção é uma forma de contar a verdade, embora de maneira diferente, muitas vezes explicando a verdade, por um lado, de uma maneira mais interessante, por outro lado, dando uma compreensão emocional.

Por exemplo, imagine o Holocauto. Durante muitos anos se soube que os alemães mataram seis milhões de judeus na II Guerra Mundial, mas soubemos de uma forma abstrata. O Estaline dizia que a morte de uma pessoa era uma tragédia e que a morte de um milhão de pessoas era uma estatística. Quando dizemos que morreram 6 milhões de judeus, isso é uma estatística. E muita gente só compreendeu o que foi o Holocausto quando na América se fez uma série de ficção chamada, precisamente, ‘Holocausto’, onde surgiu a Meryl Streep, e em que há uma série de personagens, incluindo o pequeno Aaron, a entrar nas câmaras da morte e a serem gaseados. Portanto, nós estabelecemos uma relação emocional com aquela personagem e percebemos melhor o que foi o Holocausto, mais do que dando-nos uma mera estatística. E essa é a força da ficção. É a sua capacidade de, através de uma coisa que não é verdadeira, que é uma história ficcional, contar coisas verdadeiras sobre nós, sobre a história, e o universo. Para mim a ficção só se compreende enquanto instrumento da realidade.

Notícias ao MinutoO escritor lançou, este mês, a sua 18.ª obra de ficção© Blas Manuel

E como é que realiza esse processo de escrita, de misturar ficção com realidade? É um trabalho complexo?

Primeiro tem de ser um tema que me interesse porque não sou capaz de pegar num tema pelo qual não esteja interessado. Mas depois faço a pesquisa e essa pode levar-me à conclusão de que as questões fundamentais já são todas conhecidas ou, noutros casos, começo a perceber que há matéria que está a ser descoberta e discutida por académicos mas de que o grande público não tem conhecimento.

Na ‘Fórmula de Deus’, por exemplo, falo de descobertas científicas que indiciam a existência de Deus, e no fundo este ‘Sinal de Vida’ também toca um pouco nessas questões, de certas descobertas, nomeadamente as descobertas que a NASA fez que demonstram que existe vida extraterrestre e que não são conhecidas de grande parte das pessoas. E isso interessa. Ou seja, quando os pesquisadores estão em áreas mais avançadas e têm uma matéria definida o que eu faço é mais um trabalho de divulgação ou popularização de um tema que está fechado na academia e que estou a transportá-lo para o grande público através de uma história ficcional, que, espero eu, faça com que o leitor tenha vontade de mudar de página e saber o que vai acontecer a seguir na história.

Mas é um processo que lhe rouba mais tempo na construção da história.

Claro, quando temos muita pesquisa temos de dedicar muito tempo a isso. Sobretudo porque imponho a mim mesmo que não altero a verdade em função da história, altero a história em função da verdade e isso tem consequências e implica também um conhecimento muito aprofundado do tema. Quando tocamos em verdades proibidas vamos ser contestados pelos guardiães da mentira estabelecida e que não querem que se revele a verdade. E, portanto, tem de estar muito bem documentado e muito bem preparado para fazer frente a essas resistências que surgem quando nós começamos a desmontar as verdades mentirosas.

As suas obras já o colocaram em situações complicadas?

Sim, no sentido em que muitas vezes toco em áreas proibidas e que questionam interesses. Quando há uma mentira estabelecida é porque há um interesse em que essa mentira se estabeleça. Por isso, ao desmontá-la e ao mostrar o que está por trás dela, da fachada, há um trabalho que provoca resistências. Mas esse é o trabalho do romancista. O Eça de Queirós, por exemplo, quando escreveu ‘O Crime de Padre Amaro’ colocou em questão interesses estabelecidos. Não se podia dizer que os padres tinham ‘afilhadas’ que eram na verdade as filhas deles mas que eles não podiam assumir. E o Eça de Queirós coloca essa mentira em questão e através de uma obra de ficção - O Crime de Padre Amaro - mostra que existe toda uma verdade que está escondida.

O [Gustave] Flaubert é outro exemplo, com a ‘Madame Bovary’. No século XIX era proibido falar de mulheres que tinham relações extraconjugais e essa obra fala disso e foi um livro muito polémico. O trabalho do escritor é mostrar a verdade que se esconde atrás de uma mentira estabelecida e que é contada ao público como sendo a verdade. A história do fascismo, por exemplo, foi apresentada como sendo anti-socialismo e quando começámos a desmontar isso mostrámos que o fascismo é um socialismo com origens marxistas e com um raciocínio perfeitamente socialista. Isto vai mexer em interesses dos que não querem que a verdade se saiba. Nesse sentido dá trabalho.

Não escrevo polémicas. O que se passa é que, muitas vezes, toco em interesses estabelecidos que não querem que a verdade se saibaSignifica isso que escrever sobre polémicas é uma chave para o sucesso de uma obra?

Não escrevo polémicas, o que eu procuro é contar a verdade às pessoas porque pesquiso muito os temas e procuro mostrar aquilo que está escondido. Não o faço por ser polémico. Faço-o porque não é conhecido. O que se passa é que quando faço isso, muitas vezes, toco em interesses estabelecidos que não querem que a verdade se saiba. E aí há uma maior resistência. Existe uma frase de [Arthur] Schopenhauer, que diz ‘Quando expomos uma verdade que estava proibida, primeiro ela é ridicularizada, depois é combatida furiosamente e, no final, é aceite como se fosse uma evidência’.

O processo do conhecimento avança por aqui. Hoje em dia não há problema em fazer romances sobre as relações do clero com as paroquianas ou sobre as mulheres que têm relações extraconjugais, mas no século XIX era proibido fazê-lo. Nós estamos sempre em conquista de terrenos proibidos. Eu lembro-me quando o Herman José fez entrevistas históricas em que ridicularizou a rainha Santa Isabel, foi um escândalo em Portugal. O Herman foi suspenso da RTP. Hoje em dia, fazer sketches a ridicularizar é o pão nosso de cada dia. Esse espaço foi conquistado, custou, houve que pagar um preço por tê-lo feito, por dizer o indizível, por tocar no proibido. Mas as coisas só avançam se houver quem o faça e quem melhor que o escritor para o fazer?

A paixão pela escrita surge porque esta permite-lhe libertar a imaginação que enquanto jornalista não pode ter?

Pode haver um bocado disso. Mas também há a compreensão de que pela ficção consigo obter efeitos de verdade muito mais poderosos do que pelo discurso não ficcional. E em vários sentidos, porque no discurso como o jornalístico, o histórico, o jurídico, está-se preso a regras. Muitas vezes há coisas que são verdadeiras e que não é possível dizê-las porque é preciso prová-las. Mas, enquanto romancista, posso dizê-las. E se me perguntarem se tenho provas não preciso porque é ficção, mas na verdade não o é porque tenho uma fonte que me disse determinada coisa. Se fosse num jornal não o poderia publicar mas num romance posso, sob a máscara da ficção.

Por outro lado, tem um segundo efeito que é a capacidade de ter uma compreensão emocional dos temas. Através de histórias de personagens consigo explicar melhor uma determinada situação do que com a mera descrição factual do tema. 

Se o político tiver confiança em mim é mau sinal, porque significa que há relações de cumplicidade que não são aceitáveis na minha profissãoE como é que se concilia essa liberdade de escrita de ficção sem que isso afete a credibilidade do profissional enquanto jornalista?

Acho que o facto de estar muito mais bem informado e conhecer com maior profundidade os temas credibiliza-me. Claro que a classe política não gosta de uma pessoa mais bem informada. Numa entrevista posso desmontar as coisas com muito mais facilidade porque estou informado sobre determinado tema. Nesse sentido, o que um político quer é um jornalista que não faça perguntas demasiado chatas. Mas não trabalho para os políticos, trabalho para o público e quem tem de ter confiança em mim é o público. Aliás, se o político tiver confiança em mim é mau sinal, porque significa que há relações de cumplicidade que não são aceitáveis na minha profissão.

Acho que é uma falta de inteligência. Como posso criticar uma obra que não li?E como é que tem lidado com a crítica? Chegou a ver obras suas criticadas por pessoas que admitiram nunca ter lido nada seu. Sente-se atacado pessoalmente?

Acho que é uma falta de inteligência. Como posso criticar uma obra que não li? Isso é um bocado absurdo. Significa que estou a assumir que parti de um preconceito. Quando comecei na profissão tive um professor, o Dino Gomes, que nas aulas muitas vezes trazia exemplos de notícias do Correio da Manhã e dizia ‘Aqui está um jornal de que todos falam mal mas leiam como está bem escrita esta reportagem’. Isso para mim foi uma lição porque mostrava que o que o que interessa não é se o artigo foi publicado no Correio da Manhã, no Público ou no Expresso, o que interessa é a qualidade da escrita. O nosso preconceito em relação a um jornal não nos deve fazer obscurecer em relação à qualidade.

Muito se tem falado numa possível adaptação das suas obras ao cinema. Chegou a dizer-se que poderia acontecer em 2018 com ‘A Fórmula de Deus’. Isso está mais próximo da realidade ou ainda não?

Quem anunciou isso foi a Belga Films, que disse que em 2018 já poderiam estar a trabalhar nisso, mas sinceramente terá de lhes perguntar que eu não sei. O meu trabalho é escrever livros não é fazer filmes.

Dan Brown esteve recentemente em Portugal e teve a oportunidade de estar com ele. Trocaram dicas?

Conversámos sobre literatura, sobre a arte, o mundo. O normal. Antes de sermos escritores somos seres humanos portanto falámos das mais diversas coisas. Não lhe pedi nenhum conselho, cada um tem o seu estilo e a sua forma de contar as histórias, portanto não faz muito sentido pedir-lhe conselhos.

Falando da RTP, entrou aqui em 1990 e aqui se manteve até aos dias de hoje. Tantos anos depois, o que o prende aqui?

Primeiro, o facto de estar aqui há muitos anos. Sou jornalista da RTP desde 1990 e faço o Telejornal desde 1991, de modo que é a minha casa e liga-me a toda uma história. É metade da minha vida em que aqui estou.

Notícias ao MinutoJornalista defende que a estação pública partilha os seus valores© Blas Manuel

No entanto, nem tudo tem sido pacífico, tendo em 2007 sido alvo de um processo disciplinar que visava o seu despedimento. Mantém algum mal estar com por causa desse incidente?

Não. Aquilo não foi a RTP. Foram pessoas que cometeram atos de corrupção que eu denunciei e que me quiseram despedir por eu ter denunciado a corrupção. E tenho dificuldades em perceber como é que uma pessoa pode pensar despedir outra por ter denunciado corrupção quando essa pessoa devia era ser premiada. Na altura, um poder político chegou aí, nessa altura era o PSD e o CDS, e eu opus-me a ele porque tinha de ser sempre contra a corrupção e ao fazê-lo estava a defender a RTP. E quem estava a fazê-lo estava a atacar a RTP e o interesse público e nacional.

Teve mais tarde outro momento polémico, um conflito em direto com José Sócrates, em 2014, durante um comentário semanal. Acusou o PS, na altura, de o estar a tentar calar. Mantém essa convicção?

Isso foi uma entrevista com o José Sócrates, ou seja, com um político que introduziu a austeridade em Portugal quando estava no Governo, e quando foi para a oposição foi criticar a austeridade. Um político que quando estava no Governo decretou o corte de salários e pensões, que decretou ainda cortes de subsídios, aumentos de impostos, e disse que era contra a reestruturação da dívida e depois vai para a o posição e aí já era contra tudo aquilo que ele tinha feito.

Não podia, em rigor, deixar que um político dissesse o contrário do que fazia,  tinha de o confrontar. Um dos princípios muito importantes da classe de jornalistas é o escrutínio da classe política. Admito que nas ditaduras um jornalista que faça escrutínio da classe política seja condenado, mas nas democracias não devia sê-lo. Portanto, acho muito estranho que haja políticos que achem que um jornalista não pode fazer escrutínio e que os políticos podem fazer tudo o que querem e que ninguém lhes pode fazer perguntas. Não partilho dessa opinião e creio que a RTP também não.

Os políticos devem ser o principal alvo dos jornalistas na busca pela verdade?

Não, o jornalista tem de dar notícias sobre o que se passa. Mas uma das suas funções é fazer o escrutínio da arte governativa e da política em geral. É algo que existe em democracia. Alguns políticos que são defensores, às escondidas, de práticas totalitárias e ditatoriais defendem que os jornalistas não podem escrutinar os políticos. É claro que eles nunca o dizem assim. Em alguns países por exemplo, há quem nas eleições diga ‘eu aceito o resultado eleitoral, desde que seja eu a ganhar’. Eu aceito que os jornalistas façam escrutínio desde que não me escrutinem a mim, nem ao partido.

Já tive problemas com quatro dos cinco partidos que têm representação parlamentar, porque entendo que o meu trabalho é fazer perguntas incómodasÉ da opinião, então, que os partidos políticos tentam exercer o seu poder sobre a comunicação social?

Com certeza, eu já tive problemas com o CDS, o PSD, o PS, Bloco de Esquerda, ou seja, quatro dos cinco partidos que têm representação parlamentar, porque entendo que o meu trabalho é escrutinar os políticos, fazer perguntas incómodas.

De que forma é que tentam exercer essa influência? 

Através das redes sociais. Criam perfis falsos e colocam pessoas das agências de comunicação a fazer barragens contra uma determinada pessoa. Por exemplo, contra um jornalista que fez perguntas incómodas. Isto não acontece só comigo mas com muitos jornalistas que são objeto de ações que do meu ponto de vista deveriam merecer a atenção do Ministério Público.

A Manuela Moura Guedes é, claramente, um exemplo de um caso que deveria ter merecido a atenção do Ministério Público. É evidente que houve interferência do processo político na atividade jornalísticFoi isso que aconteceu com Manuela Moura Guedes, que se envolveu também num conflito com o ex-primeiro-ministro?

Sim, a Manuela Moura Guedes é, claramente, um exemplo de um caso que deveria ter merecido a atenção do Ministério Público, não tenho a menor dúvida sobre isso. Porque é evidente que houve interferência do processo político na atividade jornalística. Podemos concordar ou discordar do jornalismo da Manuela Moura Guedes, não podemos é pressionar o direito que ela tem de o fazer. E não podemos pôr em dúvida que a classe política não pode interferir. Se os políticos não estão contentes coloquem um processo em tribunal, que é o sítio onde estas questões podem ser dirigidas.

O desentendimento que teve com o José Sócrates aconteceu depois de Manuela Moura Guedes ter sido afastada, ambos os casos tendo o mesmo comentador como protagonista. Em algum momento receou que lhe acontecesse o mesmo?

Não tenho a menor dúvida de que a intenção era que acontecesse a mesma coisa. Mas não posso deixar de fazer as perguntas porque tenho medo que haja pessoas com ideias totalitárias e ditatoriais escondidas, que me vão calar porque eu fiz o meu trabalho.

E o que aconteceu de diferente no seu caso para não ter tido o mesmo final do que o da Manuela?

Acho que a RTP partilha os valores que eu tenho e percebeu claramente que não era possível punir jornalistas porque fazem o seu trabalho. Não faz sentido.

Os políticos usam a verdade quando lhes convém. Quando não convém, tentam calá-la e suprimir os jornalistas que a expõemE como é que analisa, atualmente, o caso ‘Operação Marquês’, onde está envolvido o ex-primeiro-ministro?

Essa é uma matéria que está no foro judicial e que eu apenas tenho de noticiar. Esta não é uma questão de opiniões é uma questão de factos. E a prova far-se-á em tribunal e logo se verá.

Mas acha que Sócrates está a conseguir manipular a opinião pública para não vir a ser acusado?

Quando um político diz determinada coisa ele não diz aquilo porque tem grande amor à verdade. Os políticos encaram a verdade como um instrumento para conseguir os seus fins, que é a luta pelo poder. Para nós, jornalistas, a verdade é um fim em si mesmo, não é um instrumento. É por isso que [os políticos] quando estão no Governo dizem uma coisa e quando estão na oposição dizem outra e não têm vergonha nenhuma de o fazer. Porque eles usam a verdade quando lhes convém. Quando não convém, tentam calá-la e suprimir os jornalistas que a expõem. Isso é o dia a dia dos políticos: procurar usar a verdade em função das suas conveniências.

Aquilo que digo é que é um embuste fingir que o político é um comentador quando nunca o é, nem quer ser Chegou a dizer que o modelo de “políticos a comentar sempre foi um embuste”. Como é que vê a situação inversa dos comentadores que se candidatam a cargos políticos, como aconteceu no caso de Marcelo Rebelo de Sousa e Santana Lopes. Acha ético?

Santana e Marcelo nunca deixaram de ser políticos, tal como José Sócrates. Nunca foram pessoas que fizeram comentário e depois saltaram para a política. Eram políticos que se disfarçaram de comentadores mas, para mim, tenho de dizê-lo, não são eles que têm culpa, mas sim a entidade que criou esse equívoco. Um comentador é uma função editorial de uma pessoa que é independente. Por exemplo, temos um comentador da área militar que nos vai explicar a Operação Raposa no Deserto dos americanos no Iraque. Isto é que são comentadores, são peritos na área.

Neste caso estamos a falar de políticos que estão a fazer política, porque o que eles dizem não são coisas inocentes. O que eles dizem é com o intuito de que as pessoas acreditem em determinada coisa. Estão a fazer política. Aquilo que digo é que é um embuste fingir que o político é um comentador quando nunca o é, nem quer ser. Aliás, muitos dos problemas que houve com as entrevistas do José Sócrates resultaram precisamente desse equívoco, de alguém que lhe prometeu que ele seria um comentador. Esqueceram-se foi de perguntar o jornalista. A função do jornalista não é estar ali a dar-lhe deixas para ele estar a fazer propaganda. Se quiser tempo de antena tem uma configuração própria na antena para o tema. Dentro do espaço editorial da RTP não pode haver tempo de antena. Aliás, nem da RTP nem de qualquer outro canal. Na RTP isso já acabou.

Notícias ao Minuto"Os políticos encaram a verdade como um instrumento para conseguir os seus fins", acusa© Blas Manuel

Não me parece que a guerra parva entre e a Coreia e o Estados Unidos vá degenerar num conflito militar. Posso estar enganado mas não vejo condições para isso

Focando-nos agora nos temas que são do seu interesse, nomeadamente a guerra. Dados os conflitos que se vivem atualmente (Coreia do Norte – EUA) acha que estamos cada vez mais perto de reviver um cenário desses?

Tudo é possível. Mas não me parece que a guerra parva entre e a Coreia e o Estados Unidos vá degenerar num conflito militar. Posso estar enganado mas não vejo condições para isso. O que eu acho é que é a Coreia do Norte que está a tentar fazer chantagem para lhes darem dinheiro. É um país que não produz riqueza, que tem um sistema totalitário montado, o Partido Comunista tem dinheiro e usa as armas nucleares para fazer chantagem e ver se alguém lhes paga. Táctica que no passado funcionou mais do que agora, porque o Sr. Trump tem umas ideias um pouco diferentes sobre o assunto.

Mas não correm o risco de se estarem a meter com a pessoa errada, dado que esse ‘Sr. Trump’ é também um homem imprevisível?

Esse risco existe sempre mas as pessoas não tomam decisões unilaterais sobre situações de guerra. Têm de ter conselheiros mas neste caso não é mau que os coreanos estejam à frente de uma pessoa que é imprevisível e que não vá no jogo deles à primeira. Não é necessariamente mau, embora possa vir a ser. Mas vamos esperar pelo resultado final.

Fazer um atentado em Paris não é o mesmo do que fazer um atentado em Freixo de Espada à CintaO islamismo também tem sido um tema recorrente nas suas obras. Portugal continuará a escapar ao radar do terrorismo jihadista?

Não diria que é um local óbvio porque acho que falta a Portugal um terminal de alto perfil, isto é, fazer um atentado em Paris não é o mesmo do que fazer um atentado em Freixo de Espada à Cinta. Mesmo Lisboa estando na moda, e o Porto, não estão assim tanto quanto isso do ponto de vista de estes atentados e de quem os perpetra, que está à procura de visibilidade. Mas embora não estejamos na rota, não estamos livres de que isso aconteça porque não é só uma questão do alto perfil mas também de oportunidade. Se não conseguirem fazer noutro sítio, mas virem que conseguem fazer em Portugal , fa-lo-ão, porque mais vale fazer um pequeno atentado do que nenhum, do ponto de vista deles.

Para terminar, se um dia ponderasse escrever um livro sobre si e a sua vida, qual seria a realidade da sua história que gostaria de contar?

Não sei, nunca pensei nisso. Sobre ficção não era preciso muito porque sei muito sobre mim próprio e da minha vida e poderia fazer uma biografia, mas isso não está nos meus planos. Acho que tenho direito a uma certa intimidade e não gosto de estar a expor tudo até porque já exponho a minha parte profissional. Ela é pública e também tem de ser escrutinada pelo público de quem eu dependo e a quem tenho de prestar contas. Mas na minha esfera pessoal acho que tenho direito a ela como qualquer pessoa que leia esta entrevista.

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