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Como evitar a tragédia: O que fazer à floresta e à gestão dos incêndios?

Especialistas ouvidos pelo Notícias ao Minuto apontam a inexistência de serviços florestais e de uma estrutura central que una IPMA, Proteção Civil, Bombeiros, GNR e ICNF como as principais lacunas. Sem isto, é elevada a probabilidade de incêndios de grandes dimensões voltarem a assolar Portugal.

Como evitar a tragédia: O que fazer à floresta e à gestão dos incêndios?
Notícias ao Minuto

08:25 - 25/10/17 por Goreti Pera

País Especialista

Viveu-se um ano fatídico no combate aos fogos. Mais de uma centena de pessoas morreram nos incêndios que deflagraram em Pedrógão Grande, a 17 de junho, e um pouco por todo o Norte e Centro do país, a 15 de outubro.

Depois da segunda tragédia do ano – e no seguimento daquele que foi o pior dia em matéria de incêndios – o Governo reuniu-se em Conselho de Ministros extraordinário para delinear algumas medidas de reforço.

O Estado entra na rede SIRESP, a Proteção Civil passa por uma reforma, abrem-se contratações para sapadores e as Forças Armadas ficam com a gestão dos meios aéreos. São estas algumas das decisões anunciadas pelo primeiro-ministro, António Costa. Mas serão suficientes para evitar que cataclismos deste tipo se repitam?

Paulo Fernandes, membro da comissão técnica independente da análise aos incêndios de Pedrógão Grande, acredita que não. Tratam-se de “medidas de curto prazo” que, para surtirem o efeito desejado, terão de “ser acompanhadas por alguma alteração estrutural no sistema nacional de defesa da floresta contra incêndios. Senão, são apenas uns reforços com poucos resultados na prática”.

“Hoje em dia, é tudo muito desarticulado. IPMA, Proteção Civil, bombeiros, GNR e Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) funcionam cada qual para seu lado, há passa-culpas de uns para os outros e há pouco conhecimento integrado no sistema. Não há coordenação nem um orçamento conjunto. É preciso enfrentar o problema com uma estrutura diferente. O ideal seria ter só uma entidade, como muitos outros países têm”, explica ao Notícias ao Minuto o professor do departamento de Ciências Florestais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

Segundo o engenheiro florestal, “é particularmente notório que, em Portugal, há pouca capacidade para prever o que vai acontecer e onde”. Porém, garante o especialista, “hoje em dia, há conhecimento suficiente para identificar regiões problemáticas pela conjugação da meteorologia com as características do território e a quantidade de ignições que normalmente ocorrem”.

Fernando Santos Pessoa, por sua vez, faz uma analise mais focada no ordenamento do território e atira culpa aos recentes governos pelo fim dos serviços florestais. “Não se percebe que um país florestal não tenha serviços florestais. Mudaram os guardas florestais para a GNR no governo de José Sócrates e Assunção Cristas, no outro governo, acabou de vez com estes serviços. Criou o ICNF, o que é outra asneira grossa”, avalia o arquiteto paisagista.

Ligado há décadas aos incêndios e às florestas, o antigo docente da Universidade do Algarve considera que “a contratação de vigilantes da floresta não substitui os guardas florestais, porque os guardas não eram apenas vigilantes. Eram também técnicos que sabiam entrar nos terrenos e que sabiam o que era preciso fazer, por exemplo, a nível de limpeza. O que falta é uma autoridade central que coordene isso tudo”.

“Os administradores florestais, e eu fui também um deles, conheciam o terreno como as palmas das suas mãos. Não há justificação nenhuma para esta estrutura ter sido extinta. É um problema de base.

Se as matas estiverem limpas e ordenadas como deve ser, mesmo em eucaliptos, que são altamente combustíveis, ardem pouco”, explica o especialista ao Notícias ao Minuto.

A título ilustrativo, Fernando Santos Pessoa afirma que “deixar arder o Pinhal de Leiria é um crime” e aponta responsabilidades: “No anterior governo, tiraram os guardas florestais e há vários anos que o bosque não era limpo. Ardeu um barril de pólvora”.

E porque falamos em responsabilidade, como fica Constança Urbano de Sousa? Na opinião do docente, “o azar da ministra foi isto ter acontecido este verão. Porque, se tivesse acontecido em 2015, tinha havido o mesmo desastre ou ainda maior”. “A ministra apanhou por tabela, o mal era a desorganização dos serviços. Assumir responsabilidades era ter ficado e ser capaz de reformular os serviços. Virar a cara é o mais fácil”, argumenta.

Fernando Santos Pessoa estabelece um paralelismo com a tragédia que o país viveu em 2001, aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios: “Jorge Coelho [então ministro do Equipamento Social] não tinha de se demitir, tinha de ter ficado e investigado o que aconteceu. Foi muito mais fácil ir embora. Chegou alguém que teve de começar tudo de novo”.

A rematar, o arquiteto paisagista olha de relance para o futuro e vaticina: “Isto foi de tal maneira grave que espero que se comece rapidamente [a trabalhar na prevenção]. Eu tenho muita confiança no atual secretário de Estado das Florestas, Miguel Freitas, que conheço bastante bem. Não sei se lhe vão dar liberdade para fazer o que deve ser feito”.

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