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"Serão os enfermeiros que sustêm o SNS os irresponsáveis gananciosos?"

Inconformado com as opiniões daqueles que consideram os enfermeiros em protesto “irresponsáveis e gananciosos”, Luís Miguel Martins transmite por escrito um ponto de vista de quem vive o drama dos enfermeiros na primeira pessoa.

"Serão os enfermeiros que sustêm o SNS os irresponsáveis gananciosos?"
Notícias ao Minuto

14:15 - 07/09/17 por Notícias Ao Minuto

País Cartas

Luís Miguel Martins é enfermeiro há 20 anos, trabalha no Unidade de Queimados do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e escreveu uma carta aberta - enviada ao Notícias ao Minuto e que abaixo reproduzimos - a todos os portugueses, referindo-se às mais recentes declarações a que tem assistido sobre a classe.

"Enfermeiros, os irresponsáveis gananciosos

Tenho lido, visto e ouvido, na comunicação social, várias opiniões sobre as reivindicações dos enfermeiros. Se as visse como mero cidadão iria concordar com o título, “os enfermeiros são uns irresponsáveis gananciosos”.

Mas antes de avançar e como vem sendo moda, deixo aqui duas declarações de interesse:

1ª Sou enfermeiro há 20 anos;

2ª Concordo com o movimento independente dos enfermeiros especialistas de saúde materna e obstetrícia e com a greve decretada pelos sindicatos.

Tenho portanto uma visão diferente, uma visão de dentro do problema, visão essa que vos irei tentar transmitir. Não pretendendo com isto manipular a vossa opinião, como me parece que seja a intenção de alguns. Apenas pretendo expressar as minhas ideias baseando-me no conhecimento que detenho sobre o assunto. Conhecimento, esse que não li, vi ou ouvi, em alguns que foram opinando.

Posto isto, vamos lá falar destes “irresponsáveis gananciosos”.

Sem querer maçar-vos com relatos históricos importa referir alguns pontos fundamentais, para perceberem como os enfermeiros chegaram a este nível de “irresponsabilidade”. Até 1999 o curso de enfermagem, tinha a duração de três anos atribuindo o grau académico de bacharel a quem o frequentava. Posteriormente, passou a ter quatro anos e a atribuir o grau de licenciado, sendo dada a possibilidade aos enfermeiros com grau de bacharel, de voltarem à escola, fazerem um ano de formação complementar e obterem o grau de licenciados. Em 1998 tinha sido criada a ordem dos enfermeiros. Nessa altura perspetivavam-se atualizações e mudanças na carreira de enfermagem.

A carreira de enfermagem, na área de prestação de cuidados, era composta por três categorias, enfermeiro, enfermeiro graduado e enfermeiro especialista. A transição de enfermeiro para enfermeiro graduado era feita de forma automática, desde que as avaliações de desempenho fossem positivas, ao final de seis anos na categoria de enfermeiro. A categoria de enfermeiro especialista obriga a que o enfermeiro faça formação de especialização em determinada área (reabilitação, saúde comunitária, pediatria, médico-cirurgica, saúde mental ou saúde materna e obstetrícia). Após a conclusão da formação de especialidade e após concurso, eram contratados, e sublinho, contratados, para exercerem a sua área de especialidade, passando para a categoria de enfermeiro especialista. Se eventualmente não entrassem no concurso, continuavam a ser enfermeiros ou enfermeiros graduados e a exercer funções de generalista, para as quais tinham sido contratados.

Após muitos anos de espera e de promessas não cumpridas, em 2009 esta carreira foi substituída por uma “mais plana”, onde na área da prestação de cuidados, existem as categorias de enfermeiro e enfermeiro principal. Enfermeiro principal não existe nenhum, pois nunca existiram concursos para esta categoria, somos portanto todos ”enfermeiros de categoria”.

As escolas de Enfermagem continuaram a formar especialistas e a ordem dos enfermeiros continua a reconhecer essa formação e a atribuir títulos de especialistas. No entanto, os concursos para especialista acabaram já que não existem na carreira. Porém, o SNS continua a precisar das competências especializadas dos enfermeiros e coloca-os a exercê-las. Os enfermeiros aceitam a situação, perspetivando uma resolução para este impasse. Esperaram, ouviram promessas, viram falhar as promessas e, ainda assim, continuaram de forma digna a desempenhar as funções de especialista, mesmo mantendo o contrato e vencimento de enfermeiro generalista. E agora, pasme-se, resolveram, ao fim de 10 anos, numa atitude “irresponsável e gananciosa”, dizer: BASTA!

Todos os outros, os graduados, os bacharéis e depois licenciados, os outros mais novos, mas não tão novos assim, que já chegaram licenciados, continuam a ser enfermeiros de categoria. Estão presos, grande parte deles, no primeiro escalão dessa categórica, tenham eles um ano de profissão ou 20, todos no mesmo índice remuneratório, cerca de 1.200 euros brutos/mês. Uns com horários de 35horas/semanais outros com 40. Estes, também com brio, desempenham as suas funções, perspetivam, alguns desde 1999, pelo justo reconhecimento profissional. As promessas chegam e vão e também estes, ”irresponsáveis e gananciosos”, dizem: BASTA!

Estes enfermeiros que sustêm o podre SNS são os guardiões dos doentes, estão com eles nas 24 horas do dia. Nascemos nas mãos deles e nas mãos deles morremos. São estes os irresponsáveis gananciosos?

Isto não dá que pensar?"

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