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"Causa principal dos incêndios não é a espécie florestal. Há um equívoco"

O antigo ministro da Agricultura António Serrano afirmou hoje que há falta de reconhecimento da importância da floresta e realçou o "equívoco brutal" que é apontar uma espécie como causa dos incêndios, defendendo ser antes o abandono do território.

"Causa principal dos incêndios não é a espécie florestal. Há um equívoco"
Notícias ao Minuto

10:07 - 27/08/17 por Lusa

País Ex-ministro

"Não tem havido uma mobilização da sociedade portuguesa em torno da importância da floresta, reconhecendo-a como um grande ativo", nomeadamente no Produto Interno Bruto (PIB), e "pode ter muito mais" peso, salientou o professor catedrático da Universidade de Évora que foi ministro entre outubro de 2009 e junho de 2011.

Para o antigo governante, "a causa principal dos incêndios não é a espécie florestal - há um equívoco brutal. As causas são o abandono do território e o envelhecimento da população rural, associados às alterações climáticas".

A velocidade dos ventos e a intensidade do calor "queimam tudo o que estiver à volta, independentemente da espécie", realçou.

"A decisão de recuar [na plantação de eucaliptos] vai ter um impacto (económico) negativo no PIB porque a indústria do papel vai ter de encontrar fontes de fornecimento em outros locais, e não resolve o problema", disse à agência Lusa o professor universitário, acrescentando que "toda a gente reconhece que um país não pode ter só uma espécie florestal, tem de haver um equilíbrio".

A reforma florestal aprovada em julho cria limites à plantação de eucaliptos.

"Toda a gente se preocupa com a floresta, toda a gente é doutorado em floresta, mas é [só] na altura dos incêndios", disse António Serrano, especificando que "ninguém fala da floresta fora da época dos incêndios e não é só a imprensa, é toda a sociedade, os políticos - é uma vergonha".

Para António Serrano, quando estão a decorrer incêndios, "é a altura menos apropriada para falar de florestas". O assunto devia ser objeto de um "debate sério, não demagógico, sem hipocrisia política", a partir de outubro, permitindo "pensar e fazer coisas concretas".

Referindo a "baixa participação" na consulta pública de diplomas, o ex-ministro criticou a classe política que lhe parece ter "muita culpa do que se passa [porque], da esquerda à direita, passando por todos, tratam isto de forma muito demagógica".

O ministro da Agricultura no último Governo de José Sócrates insiste que, "se todos estiverem mobilizados para esta causa", será possível mudar a situação.

"Todos têm de fazer o que lhes compete, os privados serem responsabilizados por limpar o seu espaço, as casas não podem estar rodeadas por mato e floresta, os municípios já têm uma responsabilidade enorme, hoje a lei já prevê obrigações sérias na organização do território", descreve.

Além disso, deve haver intervenção de "forma coerciva", com mecanismos de penalização dos privados que não limpam as terras, apontou, recordando que a lei permite a aplicação de multas aos incumpridores.

Encontrar mecanismos para intervir de forma administrativa no terreno que está abandonado e não cuidado, sendo conhecido o dono ou não, é outra preocupação.

"Não tem a ver com mexida na propriedade, é apenas a intervenção na gestão do espaço", esclarece.

Para António Serrano, o Estado deve dotar o país de possibilidades de incentivo à organização das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), um conceito que "precisa ser dinamizado", e ter meios para proteger a floresta, ou seja, "ter pessoas a vigiar", como sapadores e guardas florestais.

O antigo ministro reconhece que este é um trabalho "complexo, mas é possível fazer melhor. Isto não se resolve com muita legislação, mas sim com organização, e os mecanismos de planeamento e ordenamento existem", faltando questões relacionadas com a propriedade e o cadastro, mas "mais do que legislar é preciso fazer".

Questionado acerca do trabalho que desenvolveu no Ministério da Agricultura, relata que, em 2009, ano de contestação dos agricultores, "as florestas não eram os problemas principais", as preocupações estavam relacionadas com os fundos comunitários. "O ProDer [programa de desenvolvimento rural] não estava a funcionar".

No entanto, a floresta fazia parte da agenda do Governo e que foram apresentadas propostas, algumas das quais concretizadas, "embora fosse difícil, num Governo minoritário", recordou.

Entre as iniciativas da altura, destacou o reconhecimento da certificação da floresta, que exige uma gestão profissional e intervenção na manutenção e limpeza: "temos uma percentagem de floresta certificada muito reduzida", disse.

O reconhecimento da importância das ZIF, a intervenção administrativa nas terras abandonadas, a tentativa de "dotar o país de mais equipas de sapadores florestais" e um "trabalho muito forte" de sensibilização na área da limpeza da floresta, que "foi difícil", foram outras medidas que apontou.

O professor universitário referiu a iniciativa, "que nem sequer foi discutida e votada no parlamento", relacionada com a "alteração da unidade da dimensão mínima da propriedade, que é muito baixa", e defendeu a necessidade de alterar a "divisão da propriedade quase ao metro quadrado".

"Isso tem de se alterar e impedir de alguma forma, forçando a que um dos herdeiros seja obrigado a ficar com a propriedade", evitando a sua divisão, a partir de determinada área, especificou.

No ano em que entrou para o Governo, a área afetada por incêndios foi de 87,4 mil hectares, segundo dados do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF). Em 2010, atingiu 133 mil hectares e no ano seguinte 73,8 mil, números mais baixos que os 160,5 mil de 2016 ou mesmo dos 141 registados até meados de agosto.

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