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Ordem "de olho" na ligação entre nutricionistas e marcas

Nunca se falou tanto em nutrição como nos dias de hoje, mas aquilo que poderia ser uma boa forma de fazer chegar a mensagem está a transformar-se numa tendência preocupante. Ao Notícias ao Minuto, a Bastonária da Ordem dos Nutricionistas fala dos perigos dos falsos entendidos, das novas modas alimentares e da mudança da forma como olhamos para a alimentação.

Ordem "de olho" na ligação entre nutricionistas e marcas
Notícias ao Minuto

15/08/17 por Daniela Costa Teixeira

País Alexandra Bento

Se pudéssemos escolher aquela que é área da saúde com mais mitos, falsos entendidos e teorias tendenciosas, certamente que todos os dedos estariam apontados à nutrição.

Nunca se falou tanto em alimentação como nos dias de hoje, mas a Ordem dos Nutricionistas não está totalmente à vontade com esta tendência.

A quantidade elevada de informação (nem sempre fidedigna) e a facilidade com que esta é divulgada por pessoas sem formação na área preocupa Alexandra Bento, que se diz atenta a este fenómeno e deixa o apelo: "para quem lê esta informação, tem de estar atento. E para estes bloguers, pedimos que tenham mais sentido de responsabilidade na passagem de informação".

Mas não é apenas nos falsos entendidos que a Ordem está "de olho". Ao Notícias ao Minuto, a Bastonária da Ordem dos Nutricionistas garante que o organismo está atento aos comportamentos duvidosos que alguns nutricionistas têm online, mais concretamente no que diz respeito à associação e promoção de marcas.

Neste momento temos a ciência muito centrada em temas de nutrição e são vários os estudos que apontam o dedo a dois ingredientes específicos: o açúcar e o sal. Há um que seja pior do que o outro?

Se o consumo dos dois for excessivo em relação às recomendações para a saúde, então são maus. O que, de facto, nos é dito é que o sal não deve exceder os cinco gramas por dia, ao passo que o açúcar não deve constituir mais do que 10% do valor energético diário da ração alimentar. Ou seja, um indivíduo que consuma 2000 kcal, não deve consumir mais do que 200 kcal em açúcares simples, ora, contas feitas, são 50 gramas diárias. É muito açúcar convenhamos.

Mas a Organização Mundial da Saúde vem recentemente dizer que deve haver o esforço dos Estados para que esta percentagem passe de 10% para 5%, o que dá 25 gramas de açúcar por dia.

O açúcar que adicionamos devia ser das primeiras atitudes a pôr de lado. Um verdadeiro apreciador de café gosta do café sem açúcarIsso equivale mais ou menos a três cafés adoçados com açúcar. É uma meta muito fácil de ultrapassar.

É mais ou menos isso e, sim, é muito fácil de ultrapassar. Por isso é que o açúcar que adicionamos devia ser das primeiras atitudes a pôr de lado. Teríamos um ganho imenso na nossa saúde se aprendêssemos a gostar do sabor dos alimentos. Um verdadeiro apreciador de café gosta do café sem açúcar, um verdadeiro apreciador de chá gosta do chá sem açúcar, o verdadeiro apreciador de uma meia-de-leite gosta do sabor do leite com o café. Este é o primeiro desafio que devemos ter em relação ao açúcar, é o gostar do sabor dos alimentos e não mascarar o sabor com o açúcar.

Um bom bife com batatas fritas e uma folha de alface é sinal de pujança e a sopa lembrava imagens de pobreza. Felizmente, estamos a conseguir mudar essa ideiaE a carne, que papel tem na alimentação? Temos assistido a um aumento da ligação do consumo a doenças cardiovasculares, mas as pessoas agarram-se à velha máxima do 'toda a vida comi carne e nunca fez mal'.

A carne faz hoje o mesmo mal que fazia no passado, agora sabemos é mais sobre a sua relação com a saúde, temos mais conhecimento dos malefícios. Mas repare, nós hoje consumimos de uma forma mais exagerada carne do que no passado, porque, no passado, a carne, principalmente a carne vermelha, era guardada para períodos mais festivos, agora nós habituamo-nos a ter um modelo alimentar em que achamos que para comer bem temos de ter uma grande porção de carne e depois uma folhinha de alface. Isto está configurado na cabeça de muitos como um modelo de bem-estar social e de riqueza.

Um bom bife com batatas fritas e uma folha de alface é sinal de pujança e a sopa lembrava imagens de pobreza. Felizmente, estamos a conseguir mudar essa ideia e a sopa, hoje em dia, já não está relacionada com imagem de pobreza. Portanto, se trabalharmos as questões, chegamos lá.

Há 10, 20 anos, qualquer um que dissesse que o jantar era uma boa sopa passaria por pobre, porque não teria no seu frigorífico um bom naco de carne para dar à família e hoje em dia já se percebe que saber fazer uma boa sopa e comê-la já está relacionado com algum prestígio social e cultural. Estas questões também têm de ser trabalhadas.

Tem-se verificado um certo 'boom' de vegetarianos e até de procura de restaurantes vegetarianos. Este tipo de alimentação é uma boa escolha?

Eu diria assim, que uma alimentação que tenha como grande base os produtos vegetais é uma excelente aposta em termos de saúde, agora uma alimentação vegetariana restrita é uma aposta que pode ser perigosa para a saúde.

Quem pretende alterar os seus hábitos alimentares para bem da saúde, que não seja uma aposta numa vida vegetariana, que seja uma aposta na vida mediterrânica

Em que medida?

Porque não providencia todos os nutrientes necessários. Podemos não ter dificuldades em termos proteicos, mas poderemos ter dificuldades em termos de algumas vitaminas, como as do complexo B. É preciso haver alguma cautela. Quem pretende alterar os seus hábitos alimentares para bem da saúde, que não seja uma aposta numa vida vegetariana, que seja uma aposta na vida mediterrânica, que acaba por ser muito parecida com a alimentação vegetariana, mas as pequeninas diferenças são fundamentais.

Na dieta mediterrânica, nada é proibido e nós quando proibimos qualquer alimento estamos a prejudicar a nossa alimentação. O proibir não é uma boa medida, tudo é permitido, até mesmo aqueles que são mais perigosos não são proibidos. Um bolo é um motivo de festa e temos festa na nossa vida. Nada deve ser proibido e nada deve ser excluído de forma definitiva. Se não vou excluir nada de forma definitiva, então por que razão vou excluir os produtos de origem animal? Devo comer carne, devo comer ovos, devo beber leite, que também está aí tanto na miragem de quem fala destas questões. Leite sim ou não? Sim, claro, para quem não tem nenhum tipo de alergia ou intolerância nem mal-estar, porque não? Esses mitos alimentares também não nos ajudam em nada. 

E no que diz respeito aos restaurantes vegetarianos?

Acho interessantíssimo ou para quem é vegetariano ou para quem não sendo quer ir comer uma refeição vegetariana, parece-me muito bem. Se as pessoas mudam para uma alimentação vegetariana por alguma crença ou convicção, então cada um é que sabe de si. A liberdade individual a cada um assiste.

Mas se a exclusão não é uma boa alternativa, em que medida é que a inclusão o é? E aqui refiro-me aos superalimentos que estão em voga e que muitas vezes são comercializados em pó.

Se tiver a possibilidade de dizer se é benéfico ou prejudicial, diria que é prejudicial. Pode em algumas situações ou circunstâncias ser necessário recorrer a qualquer tipo de suplemento, agora de uma forma irrefletida e a pensar que estou a fazer um bem imenso à minha saúde por estar a comer esses superalimentos - que em bom rigor nem sei o que seja, porque ouvimos cada disparate que até levamos as mãos à cabeça - ou estar a suplementar a minha alimentação não é de bom senso.

De facto, assistimos a um conjunto de indivíduos que se lembram de ter gosto por esta área. Muitas vezes incutem falsas questões, falsos conceitos e isso é muito perigosoNos dias de hoje tem-se falado cada vez mais em nutrição, mas nem sempre pela voz de um nutricionista. Temos agora uma série de entendidos e utilizadores de redes sociais com milhares de seguidores que dão conselhos e dicas nutricionais. Isto é uma preocupação para a Ordem dos Nutricionistas?

Imensa, imensa. Aliás, no livro que escrevi recentemente dedico um dos capítulos a essas questões, naquilo em que devemos confiar ou não confiar. No mundo global, em que a passagem de informação está muito facilitada, tenho muita dificuldade de descortinar o que é verdade e o que é mentira, o que é informação credível e aquela que não é.

De facto, assistimos a um conjunto de indivíduos que se lembram de ter gosto por esta área - e ainda bem -, mas lembram-se de fazer desta área a sua área profissional, o que é um grande disparate, porque muitas vezes incutem falsas questões, falsos conceitos e isso é muito perigoso. Temos bloguers que, de repente, se lembram que são chefs de cozinha sem o serem e bloguers que se lembram de ser pseudo-nutricionistas sem serem nutricionistas. Esta passagem de informação é perigosa, porque muitas vezes colocam-se no desempenho de funções que são da esfera exclusiva dos nutricionistas e aqui falamos mesmo de um crime público. A Ordem dos Nutricionistas trabalha esta questão e tem denunciado essas questões ao Ministério Público, mas este mundo virtual é um mundo difícil de controlar.

A nossa chamada de atenção será: para quem lê esta informação, tem de estar atento. E para estes bloguers, pedimos que tenham mais sentido de responsabilidade na passagem de informação.

Mas também temos assistido a uma maior aposta em blogues pelos nutricionistas. É uma estratégia para credibilizar a informação que há online?

Acho isso fantástico, acaba por ser uma forma de os colegas mais jovens divulgarem o seu trabalho, de aumentarem a sua notoriedade, divulgarem aquilo que é a sua atividade profissional e passarem informação de uma forma credível e gratuita para a população. Tudo isto é legítimo e fantástico, quer para os nutricionistas, quer para os que não são nutricionistas, mas aos que não são nutricionistas que não avancem para uma área que não é sua, que não passem aquela barreira de dar recomendações, porque podem estar a dar recomendações que são erradas.

Qualquer cidadão que aceda a uma página dessas, cujo autor é um nutricionista, e tenha dúvidas em relação ao que está a ver, que denuncie essa situação

Neste mundo dos blogues e redes sociais, também se tem notado uma ligeira aproximação entre nutricionistas e marcas. O que é que tem a dizer sobre isto?

Poderá ser uma ligação mais direta ou menos direta, mas digo-lhe de uma forma muito simples: qualquer cidadão que aceda a uma página dessas, cujo autor é um nutricionista, e tenha dúvidas em relação ao que está a ver, que denuncie essa situação à Ordem dos Nutricionistas, que logo fará o que lhe compete, que é levantar um processo de averiguações e ver se é legítimo ou não é legítimo aquilo que o nutricionista está a fazer.

As profissões reguladas, que é o mesmo do que dizer as profissões que têm Ordem, são profissões de elevada credibilidade, as pessoas acreditam e bem nos profissionais de saúde. Mas para que estas profissões façam o que têm a fazer, que é o bem às pessoas, não podem cometer imprudências, portanto, as ordens estão aqui para isso mesmo, para terem um olhar atento sobre o desempenho profissional dos seus membros e se eles não forem prudentes no seu desempenho profissional isso dará azo ao poder disciplinar e serão punidos.

A Ordem está de olho neste tipo de casos?

A Ordem está de olho neste tipo de casos, mas a Ordem não tem os olhos abertos para todos os lugares. É impossível, não consegue. A Ordem, neste tipo de situações, o que faz é, tendo conhecimento de uma situação, abrir um processo de averiguações.

O estar em cima da situação é possível, muitas vezes, através de denúncias e é isso que se quer, que a população denuncie, mas não de uma maneira gratuita, se não as Ordens param.

Para terminar, quais são os planos da Ordem dos Nutricionistas para os próximos anos?

A Ordem tem imensos planos. Aquele mais imediato e visível é a ação que vamos ter em novembro, que será, no fundo, o primeiro grande congresso da Ordem dos Nutricionistas, será no Centro Cultural de Belém a 21 e 22 de novembro. Queremos que este seja um evento maior, que seja um momento muito estratégico.

É evidente que queremos mais e melhor saúde e que queremos melhor saúde com a presença de nutricionistas e não ficaremos satisfeitos enquanto os nutricionistas não estiverem naqueles que nós consideramos que são os locais de excelência e nomeio quatro: centros de saúde, que têm pouquíssimos; as escolas, que não têm, o que é impensável; autarquias, que poucas têm; hospitais. E posso nomear um outro para ficar com uma mão cheia: as instituições particulares de solidariedade social.

Se tivermos, daqui por cinco anos, todos os centros de saúde com nutricionistas, ainda que só seja um, se tivermos todos os agrupamentos de escolas com nutricionistas ou a questão alimentar das escolas a ser trabalhada por nutricionistas, se conseguirmos ter todas as autarquias com nutricionistas, se conseguirmos que os serviços de nutrição nos hospitais tenham o número suficiente de nutricionistas prontos a dar resposta, e se conseguirmos que as IPSS tenham a supervisão da alimentação dos nossos idosos feita por nutricionistas - e isto não quer dizer que cada instituição tenha de ter um, basta uma percentagem de horas na sua instituição -, então, certamente vamos ter um melhor estado de saúde da nossa população nas próximas décadas.

*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.

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