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"Se um dia há um acidente grave em Almaraz, Portugal fica na bancarrota"

João Branco, presidente da direção nacional da associação ambientalista Quercus, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Se um dia há um acidente grave em Almaraz, Portugal fica na bancarrota"
Notícias ao Minuto

08:30 - 05/06/17 por Carolina Rico

País João Branco

Em entrevista ao Notícias ao Minuto no Dia Mundial do Ambiente, João Branco faz um diagnóstico das atuais ameaças ao planeta terra. A central de Almaraz, mas também as barragens do Alto Tâmega e a poluição do Tejo são os temas que mais preocupam o direção nacional da associação ambientalista.

Qual é atualmente a maior ameaça ambiental em Portugal?

Há várias situações preocupantes em termos de ambiente em Portugal. Há uma que não podemos deixar passar em branco. Vem de trás e está mais ou menos esquecida, mas continua a ser o principal atentado que atualmente temos contra a natureza: As barragens do Alto Tâmega.

O Governo prometeu rever o plano nacional das barragens quando tomou posse, fazia parte do acordo entre os partidos que suportam o Governo na Assembleia da República e na prática não foi feita nenhuma revisão porque se previa cancelar a construção destas três barragens.

Houve uma operação de cosmética: o Governo cancelou duas barragens – Alvito e Girabolhos, mas os promotores das barragens já tinham desistido, não foi nenhum cancelamento.

Governo retirou queixa porque politicamente não é favorável queimar-se com este assunto

A nível internacional preocupa-nos muito a central nuclear de Almaraz. Na União Europeia já houve vários países a decidirem o encerramento de centrais nucleares, como a Alemanha, a Suíça e a França, após um acidente. A Europa está ciclo de encerramento de centrais e em Espanha a central não está a encerrar. Além disso houve a aprovação de um armazém de resíduos nucleares que vai permitir o funcionamento da central por mais 20 anos. Não estamos satisfeitos com essa decisão, a central está obsoleta, e achamos que o Governo não está a questionar o que devia para encerrar a central. 

A central de Almaraz já devia ter fechado em 2010. As coisas velhas tendem a ter acidentesEm suma, a queixa feita à Comissão Europeia foi retirada após uma "resolução amigável" que prevê não o encerramento da central ou do armazém, mas apenas maior controlo das autoridades portuguesas.

Foi uma cedência de Portugal a Espanha, não se sabe bem porquê mas com certeza houve contrapartidas, trocas por outras coisas, políticas comerciais ou algo do género. Até porque também esteve presente o ministro dos Negócios Estrangeiros. Não é do conhecimento geral mas com certeza que isso ocorreu.

O Governo português retirou a queixa porque quis e agora está a dar o assunto por encerrado porque politicamente não é favorável estar a queimar-se muito com este assunto.

A central de Almaraz já devia ter fechado em 2010. As coisas velhas tendem a ter acidentes. É como os carros, novos são uma máquina, com 30 anos são sucata. Prolongar a vida da central por mais 20 anos é um risco inaceitável porque o país não tem nada a ganhar, mas tem muito a perder.

Uma simulação feita pelo Elemento de Defesa Biológico, Químico e Radiológico do Comando das Forças Terrestres estima que cerca de 800 mil portugueses podem vir a ser afetados pela radioatividade caso aconteça um acidente nuclear.

O problema das centrais nucleares é que está tudo bem até deixar de estar tudo bem, até um acidente como em Fukushima e Chernobyl. Foram milhares de milhões de euros de prejuízos. Não tenha a menor duvida, se um dia há um acidente grave na central de Almaraz, os prejuízos levam Portugal à bancarrota, não há hipótese.

Os efeitos na economia de um acidente nuclear podem ser de tal maneira graves que as pessoas podem perder os depósitos bancários, podem perder as casas porque o país vai à bancarrota passado pouco tempo.

Não temos quaisquer condições para suportar financeiramente um acidente, já para não falar das questões ambientais, sociais e de saúde pública.

A suspensão dos contratos para prospeção de petróleo no Algarve e Costa Alentejana motivou grande debate na Assembleia da República. Como olha a Quercus para esta discussão?

Há três licenças de exploração a sul do Algarve que aparentemente foram canceladas, ainda não é totalmente claro, porque houve muita pressão e contestação por parte das populações, ambientalistas e municípios.

Porque é que a Quercus está contra a exploração de petróleo no país? Por uma questão de risco de acidente. A nossa atividade económica depende do turismo e da pesca, analisando o risco não há justificação para se fazer exploração de petróleo no mar português. Seria um contra-senso, um disparate completo, avançar com a exploração de petróleo.

Por outro lado, o Estado português compromete-se, no Acordo de Paris, a reduzir a queima de petróleo. É claro que esta extração vai contra o que foi dito. Uma vez extraído, o petróleo vai ser queimado, mesmo que não em Portugal. É incongruente e não é honesto.

A lei favorece os poluidores. Intensificou-se fiscalização, mas isso não é suficiente

Há outro assunto que nos tem preocupado, a questão da poluição das águas, em particular no rio Tejo, mas também no Lis, Visela ou Ave. Tem que haver vontade política para mudar a lei de fiscalização e punição aos poluidores. A lei favorece os poluidores.

O Governo intensificou a fiscalização, mas isso não é suficiente. Na maior parte dos casos as provas recolhidas pela GNR quando vai ao local não são admissíveis em tribunal. Enquanto isso continuar a acontecer as pessoas vão continuar a poluir.

Outro problema que vai estar na berlinda daqui a uns tempos - os incêndios florestais - ainda não foi resolvido.

Já apontados os grandes problemas, alguma coisa a destacar pela positiva nas políticas ambientais do atual Governo?

Não tenho a menor dúvida de que tem havido um esforço do Governo em melhorar algumas situações, nomeadamente a questão da água, mas face à dimensão dos problemas ainda há muito para fazer.

O Governo tem manifestado um compromisso com a descarbonização da economia e tem feito algum investimento na eletrificação de certos setores. Não podemos acusar o Governo de não ter feito nada mas precisávamos de mais investimento na área do ambiente.

Talvez essa seja a questão, não se fazem omeletas sem ovos, um ministério com um orçamento baixo não pode fazer muita coisa.

No caso de Donald Trump não sei se não acredita nas alterações climáticas ou se finge que não acreditaHá países acusados de maior desinvestimento no ambiente. Como é que explica que existam líderes mundiais que não acreditam nas alterações climáticas?

Infelizmente isso acontece. No caso de Donald Trump não sei se não acredita ou se finge que não acredita. Os Estados Unidos estão muito ligados ao setor do petróleo. Estar a descarbonizar a economia é má notícia, são interesses económicos que estão por trás desta situação.

Não acredito que os milhares de políticos dos EUA sejam todos lunáticos, há interesses reais que encontraram um instrumento, um fantoche, que faz o trabalho por eles.

O corte das florestas não pode ser a solução 

A nível internacional, assistimos a uma perda de biodiversidade. Em África a destruição de habitats e a diminuição da população de elefantes, girafas, etc., estão a acontecer a um ritmo galopante.

Na América do Sul também continua a haver um grande ataque às florestas e na Ásia, já alvo de grande desflorestação na Malásia e Indonésia, a Sibéria está a ser invadida por empresas de celulose.

Um outro problema, que mais cedo ou mais tarde vai chegar a Portugal é a queima de pellets, considerada uma energia renovável [...] Anda-se a cortar floresta em todo o mundo para alimentar as centrais. Como a atividade é subsidiada compensa inclusive importar [...] O corte das florestas não pode ser a solução para as alterações climáticas.

Há alguma fábrica portuguesa a investir neste tipo de produção?

Há. Em Portugal produz-se pellets, mas o grande problema no futuro próximo vai ser a construção de centrais que queimam pellets. O Governo português já licenciou dias centrais de biomassa em Portugal. Teoricamente seriam usadas para queimar resíduos florestais, mas sabemos que na prática vão ser alteradas para poderem queimar pellets, é o que tem acontecido na Europa.

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