Parque esqueceu o arquiteto de Montesinho, o Homem rural

O Parque Natural de Montesinho foi criado há quase 40 anos e os seus fundadores lamentam o atual conflito entre gestão e populações, que dizem ter nascido do esquecimento do arquiteto da área protegida: o Homem rural.

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Lusa
19/03/2017 10:58 ‧ 19/03/2017 por Lusa

País

Reportagem

 

Dionísio Gonçalves e Manuel Pinheiro estavam ainda em início de carreira no Instituto Politécnico de Vila Real quando aceitaram o desafio de ajudar a criar aquela que já foi apontada como a "joia" da conservação da natureza em Portugal e que integra a rede nacional de parques naturais, desde agosto de 1979.

Os dois percorreram as 92 aldeias do triângulo que deu origem ao parque entre as serras de Montesinho, Coroa e Nogueira (esta última acabou por ficou de fora), nos concelhos de Bragança e Vinhais, e garantiram à Lusa que a ideia era exatamente o contrário daquilo do que se faz hoje, com o que consideram um "exagero de restrições" sem ter em conta as populações.

Dionísio Gonçalves realçou à Lusa que "a filosofia dos parques naturais era efetivamente criar condições para que o Homem continuasse a ser o arquiteto que ao longo dos tempos conseguiu utilizar o espaço onde exercia a sua função com muito equilíbrio".

Segundo disse, em 1979 o parque foi criado "com limitações que as próprias populações já faziam porque, se queriam ter os recursos, tinham de os saber utilizar e foi o que as populações sempre fizeram".

"Precisamente ao contrário" do que, entende, acontece atualmente, em que "algumas das ações que [se] fazem são ao contrário daquelas que deviam ser feitas".

Dionísio Gonçalves seguiu a carreira académica ligado ao Instituto Politécnico de Bragança, que também ajudou a fundar, mas garantiu que continua atento e a ouvir alguns dos residentes mais antigos que veem agora no parque, sobretudo restrições e multas.

Os fundadores fizeram o trabalho de "bater toda a zona" e explicar às pessoas o novo conceito de área protegida, que não era um espaço vedado com arame farpado, mas "era criar condições para que, através do turismo e da valorização dos produtos, se pudesse melhorar as condições de vida para que as pessoas se mantivessem a ser os construtores do parque"

"Não foi preciso fazer quase nada. As pessoas continuavam nas suas funções, não era eu que lhes ia dizer para cortarem, eles têm as suas leis e as suas tradições, algumas milenárias", vincou.

Criaram-se, então os vigilantes da natureza "com o objetivo de facilitar a vida às pessoas que viviam no parque, mas não com a atitude de agora: multa à esquerda, multa à direita".

O problema agravou-se, segundo defendeu, "quando deixou de haver a direção dos parques e começou a direção a ficar muito longe".

Nos últimos anos foi criado o papel de interlocutor, mas o de Montesinho pediu demissão das funções e ainda não foi substituído.

O parque tem hoje menos de metade dos 15 mil habitantes de há 40 anos e Dionísio Gonçalves defende que "havia que rever conscienciosamente o regulamento exageradamente restritivo, tendo em atenção que, se o Homem é o arquiteto do parque, ele precisa de ser ajudado e não precisa de tornar-se um empecilho"

Para Manuel Pinheiro, outro dos fundadores, "não é com a força, nem agora com as leis como estão que se consegue alguma coisa com as populações", e vincou que o que existe "deve-se ao homem rural porque cultiva, mas não estraga".

Neste momento, diz, "querem tratar a área do parque como se isto fosse um território do Estado" e "as leis, conforme estão, é como se não houvesse gente".

Durante os primeiros 15 anos "estava a correr muito bem". Depois, "começou a haver a conservação pela conservação e em territórios como este, que têm cá populações, não pode ser assim: não se faz nada, não se pode fazer nada".

"E as pessoas queixam-se porque, para cortarem uma árvore para fazer lenha para eles, é um drama", apontou.

Manuel Pinheiro lamenta ainda que as pessoas não recebam nenhuma compensação por serem "castigadas" pela conservação.

"Há fundos da Comunidade Europeia para projetos de apoio", mas devia haver "majorações" para os residentes, defendeu.

Manuel Pinheiro acabou por integrar os quadros técnicos do parque durante quase 30 anos.

"Nos últimos três, eu não dei em doido porque não calhou", partilhou, por ver acabar "um casamento" com as populações que se encontra num "divórcio total".

"Andam a desviar os vigilantes para outros serviços quando as populações do parque estão a precisar deles. Não para os multarem, mas para os acompanharem e estarem lado a lado com eles", apontou.

Nos primeiros 15 anos, garantiu, "não era preciso passar multas, as populações eram os próprios vigilantes, eram os próprios que apontavam o dedo ao vizinho se fizesse mal".

 

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