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"Dizer que temos falta de médicos é um absurdo. Temos médicos a mais"

João França Gouveia é um dos quatro candidatos à Ordem dos Médicos. Dos objetivos a que se propõe se chegar ao cargo, a criação da especialidade Medicina de Emergência e a alteração do modelo de gestão das unidades de saúde são os principais.

"Dizer que temos falta de médicos é um absurdo. Temos médicos a mais"
Notícias ao Minuto

08:30 - 17/01/17 por Inês André de Figueiredo

País João França Gouveia

Com as eleições à Ordem dos Médicos à porta - o escrutínio de classe tem lugar já na próxima quinta-feira - o Notícias ao Minuto entrevistou os quatro candidatos a bastonário. Depois de Miguel Guimarães, hoje é a vez de conversar com João França Gouveia.

A criação da especialidade Medicina de Emergência e a alteração do modelo de gestão das unidades de saúde são duas das suas principais bandeiras e, com o intuito de melhorar o serviço de urgência hospitalar, o médico quer ainda chegar a consensos perduráveis com o Ministério da Saúde, independentemente do responsável pela tutela.

O que o motivou a candidatar-se ao cargo de bastonário das Ordem dos Médicos?

Contribuir para resolver os dois maiores problemas do Serviço Nacional de Saúde. O primeiro é a situação dramática e caótica que se vive nos serviços de urgência dos hospitais. O segundo é o modelo de gestão das unidades de saúde, hospitais e centros de saúde, que está muito marcado pelo amadorismo, pelo voluntarismo e por uma forte dependência político-partidária.

Na primeira [medida] - o modelo dos serviços de urgência -, a Ordem dos Médicos tem um papel decisivo. Reconhecer em Portugal a especialidade de Medicina de Emergência, que já existe noutros países da Europa e do mundo, é uma medida que está exclusivamente nas mãos da Ordem dos Médicos.

É preciso que os serviços de urgência tenham especialistas que só trabalhem aliReconhecer esta especialidade e tomar mais duas medidas que são importantíssimas para resolver os serviços de urgência, que são estabelecer equipas fixas enquanto não há especialistas em medicina de emergência e dar-lhes formação progressiva e impedir qualquer tipo de internamento de doentes nos serviços de urgência. Estas medidas para o serviço de urgência dependem mais da Ordem do que de qualquer ministro.

Já na segunda questão, que é o modelo de gestão das unidades de saúde, que eu defendo que devem ser contratualizadas, o Estado define as regras a que deve obedecer o seu funcionamento, estabelece um caderno de encargos, põe a concurso e controla a sua execução.

A não existência da especialidade de Medicina de Emergência é o grande problema do SNS?

São os dois maiores problemas, o dos serviços de urgência. É preciso que os serviços de urgência tenham especialistas que só trabalhem ali. Quando isso acontecer deixam de ser a terra de ninguém que hoje são. Ninguém trata dos serviços de emergência. Há uma equipa que vai fazer banco uma vez por semana e depois vai-se embora e vem outra. Portando, não há ninguém que tome conta dos serviços de urgência a sério, aliás, os diretores dos serviços de urgência e os chefes de equipa de banco passam a vida a demitir-se.

Não havendo ninguém que trate da organização dos serviços de urgência, ninguém trata também da acessibilidade aos serviços de urgência.

O modelo que proponho para os hospitais do SNS é o da sua contratualizaçãoUm serviço de urgência bem organizado e com pessoal próprio vai tratar de a jusante e a montante resolver os problemas dos serviços de urgência, devolvendo aos serviços de saúde os doentes que não precisam de cuidados hospitalares e internando devidamente.

Por outro lado, ao estabelecer-se este modelo libertam-se os médicos especialistas hospitalares para as suas funções próprias. É que neste momento os especialistas dos hospitais perdem dois dias da semana por causa do banco, um pelo banco e outro pela folga, e então só trabalham na especialidade três dias por semana.

O facto de os doentes virem todos para os hospitais, mesmo os que não precisam de tratamento hospitalar, desprestigia os centros de saúde.

Crê que esses problemas de que fala são a principal causa do caos que tantas vezes existe nas urgências?

Absolutamente. São estas três razões que acabei de referir que são o grande problema dos serviços de urgência.

O que o difere dos restantes candidatos e das respetivas campanhas?

Não me candidato contra ninguém, candidato-me apenas para ver concretizadas as 10 medidas que estão no meu programa eleitoral.

Concorda com as opiniões que muitas vezes apontam os hospitais privados como melhores soluções do que os públicos?

O modelo que proponho para os hospitais do SNS é o da sua contratualização. O problema da gestão das unidades do SNS é que têm gente que do ponto de vista da gestão não têm as habilitações necessárias.

Para que sejam bem geridas é preciso que estejam à sua frente nos conselhos de administração pessoas que tenham formação superior em gestão, uma especialidade em gestão da saúde e ainda uma subespecialidade no tipo de unidade de saúde que vão gerir.

Qualquer um de nós entra num hospital público e depois entra num privado e vê a diferença. É o dia para a noiteNós, médicos, devemos guardar as nossas competências em gestão clínica para nos dedicarmos às direções clínicas dos hospitais para promovermos uma prática médica adequada, eticamente correta e isenta de qualquer favor em relação aos fornecedores de medicamentos e material de uso clínico, não recebendo deles qualquer bem ou benefício.

Quando isto acontecer, as unidades públicas de saúde serão prestigiadas e trabalharão bem. Muitas unidades privadas trabalham muito bem e oferecem bons serviços porque respeitam estes princípios. Têm conselhos de administração com competências próprias, direções clínicas que naturalmente empenham-se para que se prestem bons serviços, e têm todos os cuidados que uma boa gestão deve ter para receber condignamente os seus doentes e tratá-los bem.

Qualquer um de nós entra num hospital e depois entra noutro e vê a diferença. Desde a forma como as pessoas estão vestidas, à forma como estão as instalações, à forma como se dirigem às pessoas. É o dia para a noite e realmente isso desprestigia o nosso serviço público.

O ministro da Saúde disse que o que "falta ao SNS é sobretudo a organização" e não a falta de médicos. Concorda?

Absolutamente. Nós temos em Portugal, neste momento, cinco médicos por mil habitantes. Pior do que nós pelo exagero só a Grécia, que tem seis médicos por mil habitantes. Portanto, quando se ouve dizer que temos falta de médicos é um absurdo. Temos médicos a mais, aliás, neste momento começa a haver desemprego nos jovens médicos. É uma coisa inacreditável.

O Estado tem de se retirar da gestão direta das unidades de saúdeFolgo muito em que o atual ministro tenha dito publicamente que o nosso problema é um problema de organização. Ponham a concurso a gestão das unidades de saúde e vão ver a diferença total.

Como vê o trabalho deste ministro da Saúde?

Não comento nada sobre o atual ministro da Saúde nem sobre os outros. Eu não concorro contra ninguém. Isso não é da minha conta. Aquilo que eu tenho no meu programa e que cumprirei é que proporei, se for eleito, uma reunião mensal com o ministro da Saúde, seja ele quem for, para ver se conseguimos – Ordem dos Médicos e ministro da Saúde – obter consensos perduráveis na política de saúde e para que se acabe com esta confusão da mudança constante das políticas de saúde.

Um ministro da Saúde em Portugal tem uma vida média de dois anos. E de dois em dois anos, quando vem um novo ministro da Saúde, mudam os presidentes das administrações regionais de saúde, os conselhos de administração, começam a fazer guerra aos diretores dos hospitais e dos centros de saúde que não são da sua cor política e é uma confusão permanente. O Estado tem de se retirar da gestão direta das unidades de saúde.

Quanto à formação de Medicina, tem alguma medida para combater a saída dos jovens médicos de Portugal?

O ponto principal do meu programa que é reconhecer a especialidade de Medicina de Emergência. Se este ano já houvesse essa especialidade não teriam ficado fora do internato complementar os médicos que quisessem ir para essa especialidade, e há muitos médicos que o querem, mas a Ordem não abre a especialidade, o que é uma coisa inacreditável.

O que acontece para que os médicos jovens terem de emigrar enquanto há médicos estrangeiros nos hospitais?

Estamos no espaço europeu e a circulação entre os profissionais é natural e espontânea. Qualquer médico português pode trabalhar num país da União Europeia e vice-versa. Portanto, não há razões para haver xenofobia, cada um arranja o sítio onde se sente melhor.

Neste momento há espaço para todos. Mas como temos excesso de médicos e há o risco do desemprego, esse problema vai colocar-se mas também é preciso ter em conta que somos um país de turismo e temos mais de 500 mil pessoas estrangeiras que vivem em Portugal e o universo de ‘cliente’ para os nossos médicos está a aumentar.

O ponto principal do meu programa que é reconhecer a especialidade de Medicina de EmergênciaPor outro lado, o facto de sermos a quinta língua mais falada do mundo faz com que muitas pessoas que falam português, sobretudo dos PALOP, venham ter connosco porque sabem que temos qualidade em medicina e que temos um mercado que se tem vindo a abrir nos últimos anos.

Numa perspetiva futura, não me aparece haver dúvidas de que os nossos profissionais de saúde vão ser muito pretendidos nesse espaço da língua portuguesa.

Que tipo de medidas pretende tomar para resolver o problema dos internamentos?

A primeira medida é proibir os internamentos nos serviços de urgência hospitalar, mesmo os de curta duração. Segundo, um dos pontos do meu programa é que haja um programa nacional de apoio aos idosos dependentes precisamente para resolver dois dos maiores problemas dos internamentos hospitalares. Um para prevenir o seu recurso rotineiro aos hospitais e o outro para drenar todos os doentes internados que já tenham alta.

Temos nos nossos hospitais imensos doentes, sobretudo idosos, dependentes e que não podem ir sozinhos para casa porque não têm sítio para onde ir. Esses doentes ficam a ocupar vagas nos hospitais, ainda por cima expostos aos riscos das infeções hospitalares e a outros e, como é evidente, ocupando essas vagas não libertam espaços para os novos doentes que precisam.

Tem de haver um programa nacional em que o Ministério da Saúde e os serviços de ação social e solidariedade arranjem forma de resolver rapidamente esta grave questão que afeta os hospitais, em particular nesta altura do ano [inverno].

Este Governo prometeu reduzir de 1,2 milhões para 500 mil o número de portugueses sem médico de família. É algo possível?

É mais do que possível, temos cinco médicos por mil habitantes. Qual é o problema de haver médicos para a população? É uma questão de organização, ponha as unidades de saúde a concurso e vai ver que não há dificuldade em arranjar médicos para todos os portugueses.

Caso venha a vencer as eleições, qual será a primeira medida implementada?

Reconhecer a especialidade de Medicina de Emergência em Portugal e sentar com o ministro da Saúde para tratar de todos os assuntos que acabei de referir.

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