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Adeus ao "príncipe da Medicina" realiza-se este sábado

Neurocirurgião perdeu, aos 72 anos, uma batalha contra o cancro de pele.

Adeus ao "príncipe da Medicina" realiza-se este sábado
Notícias ao Minuto

07:12 - 28/10/16 por Goreti Pera

País Óbito

O país soube ontem, ao início da tarde, da morte de João Lobo Antunes, o neurocirurgião e antigo professor que ocupava atualmente o cargo de presidente da Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

Aos 72 anos, o irmão do escritor António Lobo Antunes e pai da atriz Paula Lobo Antunes, perdeu uma batalha contra o cancro de pele, que o afastou do bloco operatório no ano passado, depois de em junho de 2014 ter dito, na sua última aula como professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que: "Enquanto as mãos me obedecerem e o cérebro souber mandar, vou continuar".

O velório realiza-se pelas 18h00 desta sexta-feira na Capelas Exequiais da Basílica da Estrela, em Lisboa. No sábado, a partir das 9h00, terão início as exéquias fúnebres, com celebração de missa de corpo presente.

Muitas foram as personalidades que reagiram à morte do neurocirurgião com palavras de pesar e em tom elogioso. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi um dos primeiros a recordar o neurocirurgião como “um grande português” e “figura ímpar”.

Também o primeiro-ministro, António Costa, lamentou aquela que considera ser "uma grande perda para a ciência portuguesa". Consternado mostrou-se também o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, que pediu e viu ser aprovado no Parlamento um voto de pesar por um médico “brilhante”, um “humanista”.

Homenagens e palavras de louvor foram proferidas, ainda, por personalidades do mundo da Medicina, como é exemplo o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, e o presidente da José de Mello Saúde, Salvador de Mello. No Centro Académico de Medicina de Lisboa impera também o sentimento de perda de um “príncipe da Medicina”, como vários companheiros e amigos lhe chamaram.

Partiu um dos grandes nomes da Medicina portuguesa

Nascido em Lisboa em 4 de junho de 1944, estudou no Liceu Camões, depois na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e no princípio dos anos 70 foi para Nova Iorque seguir a sua formação em neurocirurgia.

Uma formação que herdou do pai, neurologista e professor universitário que chegou a colaborar com o Nobel da Medicina português Egas Moniz. O tio-avô de João Lobo Antunes foi ainda considerado o pai da neurocirurgia portuguesa.

A medicina parece ter sido um assunto de família, com dois dos seus irmãos a seguirem o mesmo ramo: o escritor António Lobo Antunes seguiu psiquiatria e Nuno Lobo Antunes a neurologia pediátrica.

"De seis filhos rapazes, três foram para Medicina, três para a área das neurociências. Vivia-se o cérebro naquela casa", referiu Lobo Antunes numa entrevista recente.

Também a escrita e os livros acabaram por ter um peso nesta família e em João Lobo Antunes, que no ano passado lançou a obra 'Ouvir com Outros Olhos', um conjunto de textos, escritos nos últimos anos, alguns inéditos, outros dispersos por várias publicações.

Numa entrevista no ano passado ao Jornal de Letras, a propósito dessa obra, João Lobo Antunes disse estar a escrever as suas memórias com "vertigem", até "pela ameaça de mortalidade" que a sua vida atravessava já na altura. Nessa mesma entrevista, voltou a insistir que foi o trabalho que o levou ao sucesso:

"Foi graças a uma total dedicação ao trabalho e a um programa muito austero ao serviço das pessoas e das ideias."

O neurocirurgião assumiu sempre que já em jovem era obsessivo com o estudo e a escrita. Foi o primeiro aluno de sempre a ter 20 na cadeira de Fisiologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, a que se seguiram outros tantos 20.

"Perdi, perdi muito, e nunca recuperei. Não sabia fazer mais nada. Gostaria de tocar piano. Dava uma dúzia dos meus vintes para ter dez em piano", escreveu num artigo publicado em 2015 no Diário de Notícias a propósito da sua infância.

Passou os seus primeiros anos de vida em Benfica, onde frequentou a escola, confessando que aprendeu a ler sem saber como, ao contrário dos irmãos que foram ensinados pela mãe. A primeira experiência na comunidade escolar, onde entrou aos 4 anos, não correu de feição, com João Lobo Antunes a ter chegado a admitir que "sujava regularmente as calças por uma incontinência nervosa".

A passagem para a primária também não lhe deixou boas memórias, mas foi na quarta classe que encontrou o primeiro mestre que o marcou, nomeadamente ao nível da escrita.

Assumia-se como um amante de música e de literatura e, nos livros, era considerado um leitor ávido, com uma memória prodigiosa, fixando tudo o que lia.

Em termos de escrita, além das memórias que se encontrava a escrever, compôs uma espécie de ciclo ensaístico ao longo dos anos, iniciado com 'Um Modo de Ser' (1996), a que se seguiram outras obras, incluindo a biografia do Nobel português Egas Moniz, de 2010.

Apesar do peso da herança familiar, foi fundamental a sua vivência e trabalho em Nova Iorque, onde entre 1971 e 1984, esteve no Instituto Neurológico da Universidade de Colômbia. A experiência foi tão decisiva no seu aperfeiçoamento médico e formação pessoal, que muitos amigos chegavam a brincar com a sua devoção à América.

Era atualmente presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e foi professor catedrático de neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa e diretor de serviço de neurocirurgia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde trabalhou mais de 30 anos.

Ficou para a história como o primeiro médico a implantar um olho eletrónico num cego, um implante que desde então já foi feito em 15 invisuais, permitindo-lhes ver algumas formas e distinguir certas cores. Enquanto neurocirurgião dedicou-se principalmente ao estudo do hipotálamo e da hipófise.

No ano passado, foi-lhe atribuído o Prémio Nacional de Saúde 2015, mas antes tinha sido já agraciado, em 2003, com a Medalha de Ouro de Mérito do Ministério da Saúde. Em 2013 tinha recebido o Prémio da Universidade de Lisboa e em 1996 era galardoado com o Prémio Pessoa.

No último dia de 25 de abril recebeu das mãos do Presidente da República a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Já antes tinha recebido a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e a Grã Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago de Espada.

Em termos políticos sempre se disse independente, mas viveu na política um dos momentos mais contraditórios em termos públicos, quando em 2005 apoia a primeira candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República, cinco anos depois de ter sido mandatário de Jorge Sampaio. Com Cavaco Silva, Lobo Antunes fez depois parte do Conselho de Estado.

João Lobo Antunes tinha outros três irmãos que fugiram à tradição da Medicina na família: Miguel Lobo Antunes, jurista e atual gestor da Culturgest; Manuel Lobo Antunes, jurista e diplomata; e Pedro Lobo Antunes, já falecido, antigo vereador da Câmara de Torres Vedras, arquiteto de profissão.

O neurocirurgião era casado com a médica Maria do Céu Machado e tinha quatro filhas e oito netos.

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