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E se o seu filho tivesse autismo? Ser autista em Portugal

Em 2001, um estudo realizado em Coimbra indicava que uma criança em 10 mil nascimentos era autista. Hoje, as estatísticas são um pouco diferentes. Em mil crianças, uma nasce com autismo. Mas como vivem as pessoas com autismo em Portugal? O que foi feito até ao momento para melhorar a inclusão destas pessoas na sociedade? Fomos tentar perceber.

E se o seu filho tivesse autismo? Ser autista em Portugal
Notícias ao Minuto

08:30 - 12/06/16 por Inês Esparteiro Araújo

País APPDA

Ninguém sabe o que é realmente o autismo. Há uma definição científica que é consensual, que é o facto de o autismo decorrer de uma perturbação no desenvolvimento do sistema nervoso central (…) O que sabemos é que há um défice persistente na comunicação e na relação e depois também há alterações comportamentais que têm muito a ver com a rigidez de comportamentos (…). Acreditamos que já está presente desde bebé, mas ainda não está manifesto. Portanto, alguém que consiga diagnosticar uma criança com seis meses é charlatão”.

A explicação é da Dra. Rita Serpa Soares, Diretora Pedagógica da APPDA – Associação Portuguesa Para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo, situada na Ajuda. É no CAO – centro de atividades ocupacionais e localizado na APPDA – que podemos encontrar uma sala dedicada apenas aos mais jovens ou outra que se dedica a fazer peças de arte. “Não podemos dizer que o CAO funciona como uma escola: eles são adultos e, portanto, toda a abordagem é de inclusão. (…) A ideia é funcionar tudo como um trampolim para a sociedade aberta”, elucida Rita em conversa com o Notícias ao Minuto.

"Eles são meninos normais. Acho que não os tenho de colocar numa redoma"

Os alunos começam a chegar à escola EB1 Sarah Afonso, nos Olivais, em Lisboa, pouco depois das 9h15, mas a professora Gabriela Carrilho e as duas auxiliares (Isabel e Inês) já lá estão há algum tempo a preparar tudo para receber as crianças. Aos poucos vão chegando e 'todos pagam portagem' à entrada da sala: um beijinho de bom dia.

“Aqui existe uma estruturação do tempo, do espaço, das atividades, dos materiais. Temos aqui imensas pistas visuais que servem para ajudar o desempenho, temos os horários visualmente estruturados desta maneira [podemos ver em primeiro lugar a reunião, depois o lanche e assim sucessivamente]. Antecipamos tudo o que vai acontecer aqui”, explica Gabriela.

“Além do espaço organizado por nós, estes meninos também têm outras terapias: terapia da fala, psicomotricidade, psicologia, em que vão andar de cavalo, têm piscina (…) Todos têm o seu próprio horário e vão sempre à sua sala de aula. Uns em vários momentos do dia, outros noutros”.

Pouco depois de a reunião ter acabado, chegou a hora de ir comprar o pão à mercearia, “que serve como treino de competências. O ouvir, o saber estar, o saber pegar na lista das compras, não fazer birra porque quer isto ou aquilo. (…) Eles estão muito trabalhados nisto, são anos de trabalho”.

Alguns dos alunos que a professora Gabriela tem, já estão consigo há pelo menos três anos. Quando chegaram pela primeira vez à sua mão, alguns não falavam, outros nem conseguiam ler. Mas apesar de todas as suas dificuldades, a professora Gabriela insiste: “Eles são meninos normais, não são deficientes. É assim que penso, respeitando obviamente os problemas que cada um tem. Nunca fui muito bem entendida porque acho que não os tenho de colocar numa redoma”.

Mas quando estas crianças começam a chegar à puberdade, o panorama muda. “Há muitos problemas na puberdade, muitas vezes manifestados por agressividade (…). Se juntarmos ao facto de que numa escola de 2.º e 3.º ciclos é um mundo muito grande e têm muitos professores… as coisas não são fáceis. Depois há professores que aceitam melhor estes alunos e outros pior”.

Incluir é a palavra de ordem. "Eles não são da unidade"

Implementado em 2008 pelo decreto de lei N.º3 – que protege as crianças com necessidades educativas especiais - as escolas públicas passaram a ter uma “unidade de ensino estruturado”. “O número que foi protocolado [de crianças aceites nas escolas] é seis. É óbvio que se vier mais um ou dois, é absorvido por esta estrutura. Mas, por exemplo em Lisboa, temos uma unidade que tem 10 miúdos onde devia ter seis... (…) Nestas unidades está presente um docente especializado e pelo menos um auxiliar”, explica Rita Serpa Soares.

Contudo, apesar de haver uma unidade dedicada a estas crianças, parece haver uma ideia que estes meninos pertencem à unidade e não à escola - o que é errado. “Um aluno com perturbação do espetro do autismo, não é da unidade, é da escola. E, às vezes, quando há uma unidade com uma grande resposta, essa criança acaba por estar lá o tempo inteiro e não é isso que é suposto acontecer. E, quando isso acontece, isso não é inclusão. (…) O que é que faria com que todas as unidades funcionassem da mesma maneira? Maior fiscalização por parte da tutela (…) e uma política mais efetiva” disse a diretora da APPDA.

E, tal como Rita, Gabriela também reforça: “Estes meninos não são da unidade, não são nossos, eles são das turmas. A unidade serve de apoio à integração deles (…). Há docentes que só os recebem, outros não.” Na perspetiva de Gabriela, no 2.º e 3.º ciclos, deviam existir “oficinas”. “Devia-se encaminhar os mais crescidos para uma coisa oficinal. Uma atividade do ponto de vista ocupacional… apostar muito nos currículos funcionais. E o que é isto? Aquilo que nós fazemos em pequena escala. Saberem estar nos diferentes contextos da vida”, remata.

Apesar de Portugal ter este modelo, a ONU defende um método diferente, em que existe um ‘homem sombra’ para cada criança com autismo nas escolas. Então seria bom mudar o esquema português? “Eu gosto do modelo que temos. O que é preciso é o governo regulamentar: ir lá abaixo ao terreno e ver como é que isto está a ser aplicado e perceber… Com mais organização, podíamos poupar mais na educação especial. Temos é de saber aplicar este modelo (…)”.

"A carta dos direitos de uma pessoa autista (…) é para os 5% que têm uma vida independente"

Mas existe de facto inclusão dos autistas na sociedade? “Esta é uma questão muito importante. 70% das pessoas com autismo são dependentes, outras 20%/25% são semidependentes e só 5% é que são independentes e, mesmo assim, precisam de acompanhamento, porque são pessoas naïves e não lhes faz sentido nenhum a conversa do ‘small talk’ (…) Se nós lermos a carta dos direitos de uma pessoa autista (…) eu acho que os que estão ali expressos, estão de facto indicados para os tais 5% que têm uma vida independente”, remata Rita Serpa Soares.

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