"Vivi desde pequenina numa casa igual a esta, mas para aqui só vim quando me casei. Tinha 35 anos e aqui criei o meu casalinho de filhos. Agora, estou quase com 80", contou à agência Lusa Isabel Carvalho, à porta da pequena casa triangular, com o teto de colmo, rodeada de canteiros e vasos floridos.
Das oito casas "que já recuperámos, esta foi aquela onde gastámos mais dinheiro", revelou, por outro lado, o vereador Dinarte Fernandes, enumerando as despesas: 4.000 mil euros em madeira, 700 euros em maranhos (molhos) de palha e 150 euros em mão-de-obra.
"Nós decidimos apostar mais nesta casa porque está bem localizada. A colmatação foi feita há cerca um mês e é uma das casas mais visitadas por turistas", explicou Dinarte Fernandes, realçando que, embora fique afastada da estrada principal, no sítio da Achada de Simão Alves, é muito recomendada pelos operadores turísticos, quando encaminham clientes para Santana, no norte da ilha.
A casa tem cerca de 60 anos e a recuperação deixou-a perfeitamente habitável. Tem três quartos e sótão. O frontal é de pedra e cal. As casas mais antigas, porém, têm frontal de madeira e eram móveis. Os proprietários eram agricultores pobres e quando mudavam de senhorio, carregavam a casa às costas para outra banda, servindo-se de varas e da força de dezenas de homens.
Isabel Carvalho mantém as portas abertas e habituou-se à presença de estranhos no quintal, empunhando máquinas de fotografar e filmar, atraídos pela autenticidade da casinha de colmo, que é uma das 108 referenciadas pela Câmara Municipal nas freguesias de Santana e São Jorge. As casas de São Jorge, porém, representam apenas 10% do total, são maiores, retangulares e o colmo assenta em quatro águas.
O investimento da autarquia na recuperação destas casas tem dois objetivos: por um lado, representa uma ajuda social, pois a maior parte pertence a pessoas carenciadas, e, por outro, traduz uma aposta turístico-cultural, visando preservar uma das estruturas mais famosas da Madeira.
Regra geral, o apoio é de 900 euros por casa, verba destinada ao colmo e à mão-de-obra, que é cada vez mais rara.
"Neste momento, temos apenas três mestres em Santana, mas há quatro funcionários da Câmara Municipal que os acompanham e já se vão ajeitando", disse Dinarte Fernandes, realçando, por outro lado, que a produção de trigo na freguesia tem aumentado à conta do interesse cada vez maior pelas casas de colmo.
Um maranho de palha custa atualmente dez euros, sendo que, para cobrir uma casa, são necessários 60 a 100 maranhos. Como a cultura do trigo não é muito dispendiosa nem trabalhosa, os agricultores sentem-se compensados, ainda que o número de casas tradicionais não tenha nada a ver com o de há 50 anos, quando a paisagem estava coberta delas.
O colmo deve ser substituído de quatro em quatro anos, sendo que a operação mais complicada consiste na elaboração das empenas (bordos junto ao frontal) e cumeeira (topo da cobertura), após o que a casa fica confortável e resistente aos invernos. O grande perigo é o de incêndio, situação que ocorria bastante no passado, quando a comida era preparada a lenha.
Santana já não é uma aldeia de casas de colmo e, aparte as que se encontram no centro e vendem 'souvenirs' aos turistas, é necessário "aventurar-se" no interior da freguesia para encontrar as autênticas, onde ainda vivem pessoas. Mesmo assim, em muitos casos, já não se trata da residência principal, como é o caso de Isabel Carvalho.
"Minto muitas vezes que sim, que ainda moro aqui, mas é só para agradar os turistas", confessou com uma piscadela de olho.