"Agora estou a dormir na rua por causa do meu documento, desde ontem", disse à Lusa, Ivania Cabral, uma das imigrantes que vai passar a noite junto das instalações da AIMA.
Ivania Cabral nasceu na Guiné-Bissau e veio para Portugal há quase três anos porque a filha de nove anos sofre de comunicação interauricular (caracterizada por um 'buraco no coração') e precisa de receber tratamento médico que não é possível no seu país de origem.
Na quarta-feira, Ivania passou a noite junto às instalações da AIMA. Chegou às 21h00 e não conseguiu receber uma senha na manhã seguinte e por isso vai passar a noite no local outra vez.
A Lusa teve oportunidade de falar com outros imigrantes que vão passar a noite junto ao edifício, como Abubacar Seidi, que veio da Guiné-Bissau e está em Portugal há quase um ano.
Abubacar Seidi disse que veio para Portugal com o irmão para estudar tecnologia e informática na universidade, mas não conseguiram porque muitas instituições exigiam o título de residência que não possuíam.
"Foi-nos pedido o cartão de residência. Sem ele, não podemos estudar", disse Abubacar.
Abubacar disse que fizeram o pedido de residência desde de fevereiro, destacando que seguiram as todas instruções para obter o documento e que enviaram emails, mas não obterão resposta e por isso vão passar a noite junto às instalações da AIMA.
Na fila para fazer o pedido de residência estava também Jaqueline Resende que veio do Brasil e está em Portugal há seis anos.
Jaqueline disse que a partir de hoje está ilegal em Portugal porque o pedido de residência caducou e para resolver a situação foi reencaminhada para diferentes serviços, a AIMA e o Instituto de Registos e Notariado (IRN), que emite documentos como o cartão de cidadão.
"Só recebi um e-mail a dizer que iam enviar-me um recibo de pagamento para fazer o agendamento, mas não consegui concluir. Antes disso, já tinha tentado enviar um e-mail e recebi a resposta de que precisava de ir ao IRN. Cheguei ao IRN e disseram-me que tinha de enviar um e-mail para a AIMA, por isso a situação nunca se resolveu", explicou Jaqueline.
De acordo com os relatos de outros imigrantes presentes, a primeira pessoa a chegar às instalações da AIMA cria uma lista referente à ordem de chegada.
Algumas pessoas disseram que nem podem dormir, porque durante a madrugada são feitas chamadas para ver quem está na lista para ser atendido, e se não houver resposta, o nome é riscado da lista.
Por volta das 23h30, a lista tinha 120 nomes, mas estavam presentes cerca de 80 pessoas junto ao edifício, sendo que alguns imigrantes disseram que há pessoas que colocam o nome na lista e depois vão-se embora, regressando apenas de manhã.
Hoje à noite, estavam junto às instalações da AIMA pessoas a dormir e outras acordadas, sendo que algumas estavam deitadas ou sentadas com cobertores em cima de pedaços de cartão.
Na quarta-feira terminou a última prorrogação administrativa do decreto-lei 10-A/2020, que reconhece como válidos os documentos de residência vencidos, o que levou a uma maior procura aos espaços da AIMA, sendo que nesse dia mais de 100 pessoas passaram a noite em frente às instalações da AIMA.
Uma fonte do Governo disse à Lusa desde que tenham feito o agendamento e pago a renovação, os imigrantes têm o título válido por 180 dias, mesmo após a data de quarta-feira.
O ministro da Presidência afirmou hoje que as filas para atendimento na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) "não se justificariam", alegando que os imigrantes tiveram a possibilidade de tratar dos seus documentos `online´ e referiu que cerca de 90 mil pessoas trataram da documentação.
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