"Continuamos a ter as zonas urbanas sensíveis como um dos fatores de intervenção [policial], sem se perceber bem qual é a justificação", diz o assistente social, em entrevista à agência Lusa, a propósito do primeiro aniversário da morte de Odair Moniz na Cova da Moura, a 21 de outubro de 2024, baleado por um polícia que começa a ser julgado na quarta-feira.
António Brito Guterres lamenta ainda que, em relação ao racismo, que acredita estar associado ao homicídio de Odair Moniz, não tenha existido desde então "nenhum movimento de política pública relevante para melhorar a situação".
O ativista social identifica uma diferença consequente do homicídio de Odair: "Fez crescer, de algum modo, o número de pessoas da sociedade civil desses territórios que se passaram a posicionar e a participar publicamente em ações".
"Na semana e nas semanas seguintes ao homicídio do Odair Moniz, foi talvez o momento em que eu vi nos media mais pessoas que vivem nesses territórios a terem algum protagonismo", observa.
Mas lamenta que isso se tenha "apagado imediatamente a seguir" e que os órgãos de comunicação social "não tenham mantido isso como algo regular".
Para António Brito Guterres, "as pessoas que moram nesses territórios não são vistas pelos atores de política pública e de política no geral como atores do seu destino e estão excluídos dos processos de decisão sobre os territórios ou sobre os temas que os afetam".
"Se, por um lado, isso permitiu cativar mais atores para participar nos seus territórios, também denuncia ainda mais o afastamento das forças políticas na capacidade de ouvir estas pessoas e de elas fazerem parte do jogo de atores que tomam decisões sobre estes territórios", adianta.
Brito Guterres afirma que neste último ano também "se aprendeu muito com a alteração eleitoral", caracterizada pelo crescimento da extrema-direita no Parlamento português.
"As pessoas mais vulneráveis neste momento - sejam imigrantes, pessoas negras ou pessoas que moram nestes territórios vulneráveis - são neste momento um bode expiatório para alcançar votos", acusa.
António Brito Guterres considera que esta situação "não é algo que fica apenas retido na extrema-direita e na direita. Também se viu o caso de a esquerda usar estas pessoas como uma espécie de alvo".
"Neste momento, e ao contrário de outros períodos da nossa democracia, violentar os mais vulneráveis, dá votos", frisa.
O investigador denuncia ainda a tentativa de responsabilizar as pessoas mais pobres pela pobreza das restantes.
"Nós sabemos que em Portugal isso é mentira", diz, acrescentando: "O dinheiro que é dado às pessoas mais ricas, no que respeita a isenções de impostos, por exemplo, é que de facto tem tirado riqueza a distribuir por todos e não as pessoas mais pobres", avança.
Odair Moniz, um cabo-verdiano de 43 anos residente no Bairro do Zambujal, morreu na Cova da Moura a 21 de outubro de 2024, vítima de dois tiros disparados por um agente da PSP que está acusado do crime de homicídio. O início do seu julgamento está marcado para quarta-feira, no tribunal de Sintra.
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