No Dia Mundial da Saúde Mental, João Marques, enfermeiro especialista de saúde mental psiquiátrica, chamou atenção para as dificuldades de integração e a sensação de não pertencimento destes jovens.
"[Os jovens imigrantes] estão num contexto de maior vulnerabilidade porque estão desenraizados. Aquilo que antes era real e que eram as suas raízes, de repente está muito mais afastado e, portanto, a população imigrante tem maior risco, principalmente a segunda geração", disse à agência Lusa o enfermeiro da Clínica da Juventude, serviço de pedopsiquiatria do Hospital de Dona Estefânia, da ULS São José, em Lisboa.
João Marques citou um estudo que mostra que os primeiros imigrantes ainda mantêm uma ligação à cultura de origem, enquanto os filhos enfrentam uma dificuldade acrescida: "Nem estão ligados à cultura de origem, nem à cultura do país de chegada".
O especialista frisou que não se deve generalizar, mas reconheceu que "o risco é mais elevado e a probabilidade de adoecer mentalmente é maior".
Destacou ainda o papel central da escola na identificação de alunos em sofrimento emocional.
"É importante perceber quem está mais à margem do grupo e dar o primeiro passo para falar sobre isso", afirmou o enfermeiro da ULS São José, que está a assinalar a data de hoje com um programa que inclui a conferência "Escola e Saúde Mental", organizada pelo Hospital Dona Estefânia.
O enfermeiro alertou também para as barreiras linguísticas e preconceitos que dificultam a integração, inclusive entre comunidades próximas, como a brasileira: "Há muitos adolescentes que referem as dificuldades de integração e o preconceito que existe relativamente à comunidade".
"Às vezes, fico com a sensação de que o discurso de ódio ou de rejeição do outro, só porque ele vem de outro país, se acentua ainda mais [na escola]", desabafou.
"Parece existir na escola neste momento maior tensão, maior agressividade, coisas que antes se calhar não se falava de determinada forma e agora parece que as pessoas se sentem legitimadas para falar sobre isso. É algo que me preocupa bastante", acrescentou.
Para o especialista, é essencial incentivar os jovens a pedir ajuda e a perceberem que não estão sozinhos: "Pedir ajuda não é sinal de fraqueza, é um ato de coragem. Às vezes só precisam de uma ajuda extra, porque os recursos que têm no momento não são suficientes para lidar com tudo o que está a acontecer".
João Marques alertou ainda para a necessidade da comunidade estar atenta a sinais de sofrimento psicológico, lembrando um estudo recente, segundo o qual 25% dos adolescentes em Portugal já tiveram comportamentos autolesivos.
"Às vezes, há um mito associado a estes comportamentos que são chamadas de atenção, quase como se estivéssemos a desvalorizar os comportamentos em si", mas é preciso levá-los a sério, realçou.
Entre os sinais de alerta estão mudanças repentinas de comportamento, isolamento social, queixas físicas frequentes e alterações no desempenho escolar, que devem merecer a atenção dos pais, professores e profissionais de saúde, já que muitos jovens só procuram ajuda quando o sofrimento se agravou.
O enfermeiro alertou também para as "listas de espera muito significativas" nos serviços de saúde mental que podem agravar a situação: "Enquanto o adolescente está à espera, o sintoma vai-se instalando e agravando".
Nestes casos é preciso ter um cuidado acrescido e "uma maior resposta" da comunidade para evitar um agravamento da sintomatologia e do quadro clínico.
O especialista reforçou a importância da literacia em saúde mental e da intervenção precoce, principalmente através de equipas multidisciplinares nas escolas e centros de saúde.
Psicólogos, enfermeiros de saúde mental, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais podem, segundo o especialista, identificar e apoiar jovens em risco antes que os sintomas se transformem em quadros mais graves.
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Se estiver a sofrer com alguma doença mental, tiver pensamentos autodestrutivos ou simplesmente necessitar de falar com alguém, deverá consultar um psiquiatra, psicólogo ou clínico geral. Poderá ainda contactar uma destas entidades (todos estes contactos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende):
Atendimento psicossocial da Câmara Municipal de Lisboa
800 916 800 (24h/dia)
SOS Voz Amiga - Linha de apoio emocional e prevenção ao suicídio
800 100 441 (entre as 15h30 e 00h30, número gratuito)
213 544 545 - 912 802 669 - 963 524 660 (entre as 16h e as 00h00)
Conversa Amiga (entre as 15h e as 22h)
808 237 327 (entre as 15h e as 22h, número gratuito) | 210 027 159
SOS Estudante - Linha de apoio emocional e prevenção ao suicídio
239 484 020 - 915246060 - 969554545 (entre as 20h e a 1h)
Telefone da Esperança
222 080 707 (entre as 20h e as 23h)
Telefone da Amizade
228 323 535 | 222 080 707 (entre as 16h e as 23h)
Aconselhamento Psicológico do SNS 24 - No SNS24, o contacto é assumido por profissionais de saúde
808 24 24 24 selecionar depois opção 4 (24h/dia)
Linha Nacional de Prevenção do Suicídio e Apoio Psicológico (24h/dia)
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