Docentes de vários pontos do país foram até à capital para assinalar o Dia Mundial do Professor, que se celebra a 05 de outubro, e para exigir uma valorização urgente da carreira docente, erguendo cartazes por uma "carreira atrativa", "aposentação justa", "horários adequados", "apoios para todos", "gestão democrática", "concursos por graduação".
Do palco montado em frente à nova sede do Governo, na zona do Campo Pequeno, Francisco Gonçalves, um dos dois secretários-gerais da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), fez eco de algumas das preocupações levantadas nos cartazes e nos cânticos ecoados durante o desfile que percorreu a ligação entre o Jardim do Arco do Cego e a Presidência do Conselho de Ministros.
Virado para os professores, Francisco Gonçalves deixou a garantia de que "a Fenprof não assinará nenhum acordo que empurre a conclusão deste processo de revisão do ECD para lá de 2027, nem aceitará que a estrutura de carreira, os índices, a valorização de salários e a avaliação de desempenho docente não sejam matérias prioritárias".
Em tom de crítica, o secretário-geral fez um contraponto entre a vontade do Governo em aprovar alterações à legislação de forma célere e o que diz ser a ausência de vontade em resolver a revisão do ECD rapidamente. "Para este governo, a alteração da legislação laboral -- mais de 100 artigos -- pode ser feita em dois meses. O ECD nunca em menos de dois anos. Nós percebemos: até 2027, é para adormecer o professorado", apontou, recebendo palmas dos docentes em protesto.
No discurso, o dirigente desfiou as reivindicações que a Fenprof quer ver atendidas: "Exigimos uma carreira mais curta, com 26 anos de duração para chegar ao topo, a recuperação integral do tempo de serviço, corrigindo todas as ultrapassagens, compensando os que não recuperaram todo ou parte do tempo de serviço, estejam ainda no ativo ou não".
O secretário-geral pediu ainda "uma valorização dos dez escalões da carreira, com particular atenção nos escalões iniciais, a eliminação das vagas de acesso ao 5.º e ao 7.º escalão, e [das] quotas da avaliação do desempenho docente". Para o dirigente, se estas matérias fossem "tratadas à cabeça, estaria a ser dado um importante sinal e a conferir atratividade" à profissão, "contribuindo para manter os que nela estão, para recuperar os que a abandonaram e para atrair os mais jovens".
Entre os manifestantes, o discurso segue o mesmo sentido.
André Crespo, 49 anos, professor de Educação Física no Alentejo, afirma à Lusa que a desvalorização da carreira "não aconteceu agora, vem a acontecer há muitos anos" e entende serem precisas "políticas estruturais de valorização da escola pública, que passem pela valorização da carreira, mas também pelo investimento nas infraestruturas" nas escolas, incluindo nas creches.
Durante 20 anos, foi professor contratado, correu o país "todo", teve muitas vezes horários incompletos. "Em Santiago do Cacém, onde estive em 2013-2014 eventualmente, estive com 13 horas e dava aulas em seis escolas diferentes", conta André Crespo, dizendo que chegava a deslocar-se cinco, 13 e 20 quilómetros para se dividir entre os estabelecimentos de ensino.
Isabel Braga, professora de Português e História do segundo ciclo no Cercal do Alentejo, também em Santiago do Cacém, conta que os docentes estão hoje "completamente sobrecarregados com tarefas" administrativas.
Ser professor, hoje, diz, é uma profissão "completamente diferente" do que quando começou, em 1986. "Temos reduções por idade que não correspondem a redução nenhuma. Põe-nos mais cargos, mais tarefas, mais responsabilidades, mais burocracias. Estamos atulhados em trabalho", lamenta-se, sublinhando haver "imensa gente com 'burnout'" ou de "baixa psiquiátrica".
A docente afirma que as tarefas administrativas tiram tempo aos professores para se dedicarem aos projetos pedagógicos. "Estamos constantemente a ter de prestar contas, sempre a pensar no que é que os pais vão pensar", nota, exemplificando que é preciso dizer "como é que se fez a avaliação" ou como é que "vai fazer o teste", como se os professores estivessem "constantemente sob suspeita".
Conceição Vasques, 57 anos, professora de Educação Especial em Reguengos de Monsaraz, concorda que um docente, se tiver de se ocupar a cumprir tarefas administrativas, tem menos horas para a preparação pedagógica. Por isso, quer chamar a atenção para a importância da "relação professor-aluno", que, lembra "existe desde que há memória, mesmo sem escola"".
Não por acaso segura na mão um pequeno cartaz que alude a uma proposta da Internacional da Educação junto da UNESCO para reconhecer a relação "professor-aluno" como património da humanidade. A manifestação de hoje, refere, também serve para isso, para "dar valor a uma cultura de classe, para que todos percebam a importância do papel do professor na sociedade".
Na ação estiveram presentes o candidato presidencial António Filipe, o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, e a líder parlamentar Paula Sá, bem como o ex-deputado Fabian Figueiredo, membro da Comissão Política do Bloco de Esquerda.
Aos jornalistas, o secretário-geral do PCP lembrou que há "milhares de crianças ainda sem professor nas escolas" e defendeu ser preciso valorizar a carreira, para que "aqueles que amam a profissão, que amam a educação, se entreguem de corpo e alma".
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