Coordenador do 'Caderno de Políticas Autárquicas' - que hoje servirá de mote ao debate sobre políticas culturais agendado para os Jardins do Bombarda, em Lisboa, a propósito das autárquicas de 12 de outubro -, o docente na Escola Superior de Artes e Design defende, em entrevista à Lusa, que "a governança municipal, os executivos municipais devem retirar-se desse lugar de protagonismo de programador e produtor cultural".
Porém, essa prática "tem persistido", sobretudo nos municípios mais pequenos, "que são mais facilmente dominados", destaca.
Os casos são "vários, óbvios e evidentes", contabiliza Rui Matoso, dando como exemplo a arte no espaço público: "normalmente, são diretamente os presidentes de câmara que fazem essa escolha e exercem o seu gosto".
Outro problema com "vários anos e que demora a resolver" é a inexistência, em muitos teatros municipais, de um diretor artístico "com autonomia e independência do executivo", aponta, recordando que isso "é um critério da credenciação pela rede de teatros e cineteatros portugueses" e aquilo que assegura "uma programação plural".
Os diretores e programadores de equipamentos municipais "não podem ter um vínculo à administração pública", sustenta, mencionando que continua a haver "vereadores ou mesmo presidentes de câmara ou então técnicos do departamento da cultura que assumem" essa função.
Neste contexto, Matoso apela ao cumprimento do artigo 43.º da Constituição, que proíbe ao Estado programar a cultura e impõe mecanismos de participação e apoios à criação cultural e à liberdade cultural.
O investigador reconhece que "há lacunas muito graves, com várias tensões, no âmbito das políticas públicas de cultura ao nível local", desde logo decorrentes da "dificuldade em implementar" a democracia participativa.
"Há ainda (...) bastante necessidade (...) de implementar estratégias participativas", realça, lembrando que o que tem acontecido muitas vezes é que esses mecanismos de participação são formalizados, mas na prática "os cidadãos não são ouvidos, não são escutados, não são convidados a participar e as suas ideias, as suas propostas acabam por não contribuir para o desenvolvimento do setor cultural e criativo das cidades".
Rui Matoso defende que o desinteresse das pessoas em participar na cultura é um "mito" e identifica como prioridades os jovens, que considera ameaçados na sua existência pelas alterações climáticas, e as minorias e as comunidades subrepresentadas.
"Essa participação tem que ser sistemática regular e criativa", defende, sugerindo, por exemplo, que as entidades culturais utilizem as capacidades dos jovens na comunicação digital.
"Não existe uma cidade sem cultura, uma cidade sem cultura é só um conjunto de prédios e de cimento e de asfalto", assinala, recordando que a cultura precisa de ser nutrida como "qualquer ecossistema".
A democracia cultural, enquanto orientação de políticas públicas, "também tem um atraso bastante grave na sua implementação, na sua eficácia, na sua plenitude", constata, observando que mesmo o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR, fundos europeus) tem "apenas algumas linhas de financiamento para a transição digital" e sobretudo dirigidas às empresas.
"A pedra de toque (...) do poder local (...) é, de facto, (...) a participação esclarecida e sistemática, não é só uma simulação da participação, como muitas vezes tem acontecido", distingue, destacando o modelo do orçamento participativo, que "tem que ser melhorado".
A participação "tem que começar nas instituições, nos equipamentos de proximidade, nas bibliotecas, nos teatros, tem que haver este envolvimento dos cidadãos na produção, na programação, na definição de linhas estratégicas das políticas culturais e até na comunicação", elenca.
Representantes das candidaturas autárquicas das coligações "Por ti, Lisboa (PSD, CDS/PP e IL), "Viver Lisboa" (PS, Livre, BE e PAN) e CDU (PCP e PEV) vão debater o tema das políticas culturais autárquicas hoje, às 18:00, no centro cultural e comunitário Jardins do Bombarda, num debate co-organizado pela cooperativa Largo Residências e pela convenção MIL - Next Music, Culture and Ideas.
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