"A ausência (de informação) é uma constatação. Isso, de resto, sempre foi uma coisa que me intrigou, desde há muito tempo, havendo uma língua comum, havendo outros elementos de integração, fluxos, pessoas, história, porque é que não tínhamos mais informações sobre os outros", questiona.
Antigo jornalista das agências ANOP e LUSA e do diário Público, João Manuel Rocha, atualmente professor na Universidade Católica Portuguesa, salienta que à exceção dos meios vocacionados para a temática, que tenham isso na sua missão, designadamente a Lusa e a RTP, "é uma constatação de que há pouca informação".
"Só a agência noticiosa (Lusa) e a RTP, com os seus canais internacionais vocacionados para audiências exteriores, sobretudo africanas, contrariam, pois, o deserto informativo sobre países lusófonos", destaca.
"O seu trabalho não será menosprezável como contributo para os fluxos noticiosos e o desenvolvimento de esferas públicas locais de debate, quando não como um estímulo a um possível espaço público alargado de falantes da mesma língua. É também um elemento de construção do que talvez possa chamar-se 'lusofonia', na medida em que desenvolve parcerias com estações de outros países", adianta.
"Mas, sem ser complementado por outros 'media' noticiosos nacionais, o trabalho desenvolvido pelos jornalistas dos operadores públicos acaba por se confinar a círculos relativamente limitados, dando origem a uma indesejada 'guetização' da informação jornalística sobre o outro que também fala português", lamenta.
João Manuel Rocha, que escreveu o capítulo "Jornalismo da Lusofonia: entre a 'guetização' e a controvérsia sobre o conceito", no volume I de Jornalismo de Especialidade, publicado pela Livros Horizonte em 2024, apresenta as respostas recebidas a um inquérito feito por escrito a responsáveis editoriais de órgãos de comunicação social portugueses no verão de 2023, que "revelam um entendimento predominante de que há uma escassez de informação jornalística nesta área".
Daí considerar que "a limitada atenção aos países onde se fala português não pode deixar de ser vista como um dos sintomas das dificuldades do jornalismo português causadas pela 'redução de efetivos, os cortes de despesas, o sedentarismo forçado, a queda de leitores, ouvintes e telespetadores'".
Para João Manuel Rocha, em Portugal dá-se "maior atenção aos países com maior importância económica, com maior dimensão, com maior peso".
"Damos mais notícias, considerando eu que não são suficientes e que não há uma cobertura que poderia esperar-se, damos mais notícias sobre Angola, Moçambique, Brasil, se quisermos, do que sobre Guiné, Cabo Verde, São Tomé. Portanto, acho que é uma hierarquização editorial que, por um lado, se compreende, mas que também reproduz a hierarquização estatal, ao fim e ao cabo, das relações", acentua.
Trata-se, adianta, de um reflexo da "prioridade das relações externas, dos Estados, dos agentes económicos (...) é mais uma informação sobre as instituições e os agentes económicos, e do relacionamento entre eles, e talvez menos sobre as vivências das pessoas de um e de outro lado".
Questionado sobre se a escassez de informação daqueles países, à exceção de conflitos, casos de corrupção e desastres naturais, traduz um viés paternalista, João Manuel Rocha considera que a opção assenta na "força da ocorrência".
"É a força do evento que se impõe. É menos a atenção que é dada à atualidade dos países de língua portuguesa, nesses casos. É menos uma opção editorial, e mais uma resposta à força da atualidade", considera.
Todavia, Joao Manuel Rocha reconhece o risco de se considerar que exista um viés paternalista.
"Há esse risco, mas depende muito da forma como a informação é abordada, da perspetiva, do ângulo, do enquadramento que se dá às coisas. O viés ou o paternalismo poderá perceber-se mais na forma como os assuntos são trazidos. Porque não há só más práticas de governação em África. Não há só desastres em África. Há em toda a parte. Portanto, eu não digo que se vá só à procura nesse sentido, não acho que haja esse propósito", frisa.
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