"Isto só nos está a matar lentamente. Ninguém faz nada, todos ignoram a situação". É assim que Vera denuncia o facto de estar há dois meses sem elevador, num prédio gerido pela Gebalis, a empresa pública responsável pela gestão de imóveis de habitação municipal em Lisboa.
Após várias denúncias à própria empresa, sem resolução ou qualquer resposta, Vera decidiu escrever sobre a situação no Portal da Queixa.
No seu prédio, localizado na Ameixoeira, "a maioria das pessoas são idosas e com problemas de saúde". Dois moradores vivem mesmo "com máquinas de oxigénio" e outra foi "operada ao coração". Contudo, nem isso faz com que a Gebalis envie lá a empresa responsável pela manutenção do elevador.
Mas Vera não é a única a ter problemas com os elevadores nos imóveis que estão à responsabilidade da Gebalis. Basta uma pequena pesquisa no Portal da Queixa para perceber que a queixa é comum a vários bairros da capital. Também em setembro, Carlos, que mora na Alta de Lisboa, garante que não tem elevador "há um ano".
"Ligamos para a Gebalis e dizem que vão arranjar, é mentira", atira, realçando que o seu prédio tem "pessoas acamadas que precisam fazer tratamentos e não podem sair de casa", assim como pessoas em cadeira de rodas que não conseguem utilizar as escadas.
Na mesma zona, mas noutra rua, Fernando, que usa cadeira de rodas, denunciou, no final de agosto, que o elevador do seu prédio "está parado há um mês", o que está a piorar o seu estado de saúde, uma vez que o obrigou a faltar a "várias sessões" de fisioterapia.
Da saga dos elevadores às portas avariadas (abertas a sem-abrigo)
Ao Notícias ao Minuto, Joana, nome fictício, conta que também está há dois meses sem elevador, num imóvel localizado na freguesia dos Olivais, onde vivem vários idosos, crianças e até uma pessoa que necessita de cadeira de rodas para se locomover. Apesar de não ser inquilina da Gebalis, mora num prédio onde a empresa municipal detém uma boa parte das habitações e é responsável pela manutenção do imóvel.
Além dos vários e-mails que já enviou – e a que o Notícias ao Minuto teve acesso – Joana já ligou inúmeras vezes para a Gebalis. A resposta é sempre a mesma: o assunto está em "análise".
Joana está "farta" de ter problemas com a empresa camarária em questão. Desde 2021 que tem queixas e que 'perde tempo' a tentar resolver situações que são da competência da Gebalis, que, "até à data, nunca quis formar um condomínio, porém não assegura as condições mínimas de segurança" aos moradores do prédio.
E o elevador não é o único problema no imóvel em questão. A porta de entrada do prédio tem "novamente" uma "avaria na fechadura", algo que parece também ser um problema comum a outras habitações camarárias.
Segundo a empresária, esta é até uma situação recorrente e que "põe em causa a segurança do prédio e de quem nele habita".
Joana tem as provas. Esta já é a quarta vez que reporta – em anos diferentes – este tipo de ocorrências à Gebalis e, em 2022, a avaria levou mesmo a que uma pessoa em situação de sem-abrigo pernoitasse no piso -3 do prédio, fazendo por lá "as suas necessidades".
"Era um cheiro insuportável. Uma situação incomportável, por falta de segurança e de higiene. Tornou-se num caso de saúde pública. E como a Gebalis não o resolveu, tivemos de chamar a polícia", revelou, mostrando fotografias da altura, que mostram uma pessoa a dormir no chão, rodeada de lixo.
Perante todos estes casos, Joana questiona: "O que estão à espera para resolver estas situações? Estes problemas com os elevadores, por exemplo? Querem que se repita o que aconteceu no outro dia?".
Ferido com gravidade após cair em poço de elevador
A empresária refere-se a um acidente ocorrido no passado dia 11 de setembro, em São Domingos de Benfica, precisamente num prédio camarário gerido pela Gebalis e que deixou um homem de 38 anos em estado grave.
Como contou fonte da Polícia de Segurança Pública (PSP) na altura ao Notícias ao Minuto, a vítima encontrava-se no sétimo andar do imóvel quando acionou o elevador.
A porta abriu e o homem entrou, sem reparar que a cabine do elevador não tinha descido para o respetivo andar. Só a intervenção dos vizinhos, que ouviram os gritos da vítima, evitou uma tragédia ainda maior: que a cabine do elevador lhe caísse em cima.
O Notícias ao Minuto tentou saber o estado de saúde do homem em questão, passada uma semana da ocorrência, mas não conseguiu ter informações.
Na altura do acidente, a Gebalis garantiu que o caso estava a ser investigado e que o elevador em questão tinha sido "sujeito a manutenção e inspeções obrigatórias".
Idosos 'reféns' de inação da Gebalis
No dia antes do acidente em São Domingos de Benfica, o site AbrilAbril noticiou que os quatros elevadores de apoio à circulação e mobilidade nos prédios 554, 555 e 556, no Bairro do Condado, em Marvila, Lisboa, estavam "parados há mais de três meses, infernizando a vida ao conjunto dos seus moradores".
A denúncia foi feita pela Comissão de Moradores e de Utentes de Marvila, que destacou ao jornal a situação de dois vizinhos do 7.º andar, um com 94 anos, outro com 75 (e que "carece de suporte de oxigénio e com graves limitações de saúde"), que não conseguem sair das suas habitações sem apoio de terceiros.
Mas não é caso único. Há anos que a Gebalis é acusada de inação perante os constantes problemas com os elevadores nas habitações camarárias.
Em maio, o Correio da Manhã denunciava problemas na Alta de Lisboa e, em 2024, a SIC Notícias noticiava que um homem, que tinha perdido as duas pernas, há dois meses que não saía de casa e faltava a consultas médicas e fisioterapia devido a uma avaria nos elevadores do prédio.
Orona já não tem contrato com a Gebalis
Sabe o Notícias ao Minuto que, pelo menos uma das empresas que fazia a manutenção de elevadores para a Gebalis, a Orona, já não tem contrato com a empresa municipal desde o início do mês de setembro.
O Notícias ao Minuto entrou em contacto com o gabinete da vereadora Filipa Roseta, responsável pela pasta da Habitação e das Obras Municipais da autarquia, que remeteu esclarecimentos para a Gebalis.
Gebalis atribui culpa a "vandalização" e "anos de manutenção insuficiente"
Já a Gebalis, em resposta ao Notícias ao Minuto, atribui a culpa dos problemas de manutenção dos elevadores aos "anos de manutenção insuficiente" e à "vandalização reiterada dos elevadores".
De acordo com a empresa municipal, estão a ser desenvolvidos "esforços", tanto "na resolução de avarias em elevadores como na sua modernização".
A Gebalis garante que "reconhece a urgência do tema" e que se encontra a "envidar os maiores esforços para a agilidade na resolução destas situações". No entanto, realça que enfrenta um "contexto desafiador".
"Anos de manutenção insuficiente ou de não-substituição de equipamentos obsoletos, uma herança que a Gebalis tem vindo a tentar reverter com um esforço contínuo e programado. Esta situação levou a que, atualmente, seja urgente reparar múltiplos equipamentos, em vez de se realizar uma manutenção normal e programada", explica a empresa camarária, acrescentando que aumentou "significativamente" o investimento nesta área.
"Se no período de 2018 a 2021 foram investidos nestes equipamentos 6,8 milhões de euros, no período de 2022 a 2025 o investimento atingirá pelo menos os 13,5 milhões de euros. Este valor representa um aumento de quase 100% e demonstra um investimento sem precedentes na modernização e reparação dos elevadores municipais", desvenda.
Contudo, a reparação de equipamentos avariados, especialmente em infraestruturas públicas, obriga, como lembra a empresa em questão, "a um processo administrativo rigoroso, decorrente dos mecanismos da contratação pública a que a Gebalis está legalmente vinculada", o que nem sempre "permite dar respostas nos prazos ideais que todos desejaríamos".
"A esta problemática soma-se, em demasiados casos, a vandalização reiterada dos elevadores, que provoca danos avultados e interrupções no serviço em diversos bairros, fragilizando a sua utilização diária", determina.
Face a isto, a Gebalis delineou uma "estratégia" assente "em três eixos fundamentais": "manutenção estruturada, reparação programada e modernização acelerada".
"O objetivo primordial é assegurar mais fiabilidade, reduzir o número de avarias e, consequentemente, melhorar a qualidade do serviço prestado às populações", assegura a empresa ao Notícias ao Minuto, algo que ainda não se está a refletir na opinião de muitos moradores dos prédios camarários.
Leia Também: Empresa municipal Gebalis assegura apurar queda em elevador em Lisboa