"O Ministério Público quer sustentar uma acusação criminal baseando tudo numa posição política - o Ministério Público entende que o TGV não devia ser feito", afirmou José Sócrates durante a sétima sessão do julgamento, em Lisboa.
A acusação surgiu numa altura em que o MP pedia ao antigo primeiro-ministro (2005-2011) esclarecimentos a partir de um relatório do Tribunal de Contas datado de 2014 que, segundo o procurador Rómulo Mateus, refere a inviabilidade financeira da construção da linha de alta velocidade.
Em causa está sobretudo o facto de o projeto adjudicado em 2010 e depois chumbado pelo Tribunal de Contas prever a ligação entre Caia, na fronteira com Espanha, e Poceirão, no distrito de Setúbal, e não a Lisboa.
Defendendo que a ligação entre Poceirão e Lisboa foi, devido à conjuntura económica de então, adiada "um, dois anos" pelo seu Governo e não cancelada, José Sócrates reconheceu que o projeto "só tem viabilidade" se conectar Lisboa a Madrid, a capital espanhola.
"Esse é o plano, isso é que tem toda a racionalidade. Não se pode fazer uma linha de alta velocidade só Caia-Poceirão, mas isso é matéria que deve ser discutida no parlamento, não aqui no tribunal", afirmou o ex-governante socialista.
José Sócrates disse ainda esperar "sinceramente que o atual Governo" de Luís Montenegro (PSD), que recuperou o projeto, "não cometa o erro de seguir" o argumento do Tribunal de Contas de que o TGV é "uma aventura".
O concurso do TGV é uma dos dossiês em que José Sócrates está acusado de ter beneficiado o grupo Lena a troco de vantagens financeiras.
Um dos outros é o projeto de construção, a partir de 2008, de habitação social na Venezuela, pelo qual o grupo terá tido dificuldade em ser pago pelo trabalho no país sul-americano, já depois de José Sócrates ter deixado de exercer funções governativas.
Hoje, José Sócrates admitiu que chegou a tentar falar, sem sucesso, com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em 2013 ou 2014, para agilizar os pagamentos.
O antigo primeiro-ministro, de 67 anos, está pronunciado (acusado após instrução) de 22 crimes, incluindo três de corrupção por ter beneficiado em dossiês distintos, além do grupo Lena, o Grupo Espírito Santo (GES) e o empreendimento Vale do Lobo, no Algarve.
No total, o processo conta com 21 arguidos, que têm, em geral, negado a prática dos 117 crimes económico-financeiros que globalmente lhes são imputados.
O julgamento, que decorre desde 03 de julho no Tribunal Central Criminal de Lisboa, continua na quinta-feira com mais perguntas a José Sócrates sobre o projeto do TGV e a construção de casas na Venezuela.
À saída do tribunal, o ex-governante insistiu, em declarações aos jornalistas, que os alegados subornos foram empréstimos e alegou ser "uma interpretação muito arrojada" considerar-se que se referia a dinheiro quando em escutas pede, por exemplo, fotocópias.
"Vou [dar uma explicação] quando chegar o momento", garantiu.
[Notícia atualizada às 18h05]
Leia Também: Sócrates admite que se reuniu com ex-vice de Angola para falar do grupo Lena