Inspirado no movimento internacional dinamarquês 'Cycling Without Age', o projeto Pedalar Sem Idade tem como objetivo "combater a solidão e o isolamento social de seniores e pessoas com mobilidade reduzida" e, desde 2018, já beneficiou centenas de pessoas. O Notícias ao Minuto falou com Leonor Pedro, diretora-executiva da Pedalar Sem Idade, para entender melhor a iniciativa.
O projeto oferece "momentos de convívio, alegria e liberdade a quem mais precisa" e está presente em 12 cidades portuguesas, fazendo a "diferença na vida de centenas de pessoas".
Um estudo, realizado ao abrigo da Portugal Inovação Social, mostrou que 84% dos beneficiários da iniciativa "reduziram o nível de solidão, muitos deles de um modo significativo".
Ao Notícias ao Minuto, Leonor Pedro recorda algumas histórias que refletem o impacto do projeto nos beneficiários. "Este foi o primeiro dia, durante um mês, em que não chorei" e "Hoje, a solidão ficou em casa" são algumas das frases "simples, mas muito profundas" que os voluntários já ouviram.
Ainda assim, existem desafios, sobretudo relacionados com o "financiamento", a "retenção de voluntários" e a "falta de sensibilização para o envelhecimento, o isolamento social e a solidão".
Para o futuro, a Pedalar Sem Idade Portugal pretender continuar a crescer e "chegar a cada vez mais seniores e pessoas com mobilidade reduzida", sempre com o objetivo devolver o "direito ao vento nos cabelos".
Para quem ainda não conhece, o que é o projeto Pedalar Sem Idade e qual a sua missão em Portugal?
O projeto Pedalar Sem Idade é inspirado no movimento internacional dinamarquês Cycling Without Age, criado por Ole Kassow. O seu principal objetivo é o de combater a solidão e o isolamento social de seniores e pessoas com mobilidade reduzida, através da disponibilização de passeios regulares de 'trishaw', as nossas bicicletas adaptadas com um sofá confortável.
Foi em 2018 que a iniciativa chegou a Portugal, apesar dos primeiros passeios, em Lisboa e no Porto, apenas terem tido início em 2019, ano em que o nome da associação ainda era 'Pedalar Sem Idade - Associação de Apoio à Terceira Idade'. Em 2021, juntámo-nos oficialmente à rede internacional e transformámo-nos, desta forma, na Pedalar Sem Idade Portugal, assumindo com orgulho os mesmos valores e missão do movimento original: devolver o "direito ao vento nos cabelos".
A Pedalar Sem Idade Portugal tem tido muita adesão e sucesso no país, superando todas as expectativas
Por enquanto, o projeto está presente apenas em algumas cidades portuguesas. Como tem sido a adesão?
Atualmente, o projeto já está presente em 12 regiões de Portugal, de norte a sul, às quais denominamos "capítulos", por contarem com uma equipa local adaptada ao contexto da comunidade, mas ligada à nossa rede nacional pelos valores e objetivos. Assim, já estamos em Almada, Cascais, Castelo Branco, Castro Verde, Coimbra, Guimarães, Lisboa, Mafra, Sintra, Torres Vedras, Vila Franca de Xira e Vila Real de Santo António.
A Pedalar Sem Idade Portugal tem tido muita adesão e sucesso no país, superando todas as expectativas. Estamos a chegar a cada vez mais cidades e a deixar um impacto positivo em cada uma delas, através do apoio imprescindível das Câmaras Municipais e, claro, da nossa rede de voluntários que dedicam tempo e energia a devolver experiências únicas de convívio, alegria e liberdade a quem mais precisa.
Quais têm sido os maiores desafios em implementar esta iniciativa?
Há alguns desafios, como o de financiamento. Os passeios são gratuitos e, apesar dos pilotos serem voluntários, há custos associados à própria atividade, como o desgaste e a manutenção dos veículos, os seguros e os recursos humanos da Associação.
Também a retenção de voluntários pode ser desafiante, por ser difícil encontrar pessoas que se comprometam totalmente à iniciativa de forma regular, em especial devido aos horários dos passeios, que estão, na sua maioria, sobrepostos ao horário de trabalho. Ainda assim, temos do nosso lado uma rede de voluntários verdadeiramente dedicada e apaixonada pela missão da Pedalar Sem Idade e que faz a diferença na vida de centenas de pessoas.
Para além disto, há um obstáculo ainda mais profundo, que passa pela falta de sensibilização para o envelhecimento, o isolamento social e a solidão. Se estes temas fossem prioridades sociais e políticas e desde cedo aprendêssemos na escola que o envelhecimento ativo é essencial e respeitar os mais velhos é um dever básico de qualquer sociedade, o impacto do nosso projeto poderia ser muito maior. Criar uma cultura de proximidade e empatia poderia, sem dúvida, ajudar-nos a ultrapassar este desafio mais facilmente.
Quem pode ser voluntário? Há algum tipo de formação ou preparação especial?
Qualquer pessoa maior de idade que partilhe dos valores e missão da Pedalar Sem Idade pode ser voluntária, desde que consiga fisicamente pedalar. Os voluntários são muito importantes para a nossa atividade, pois são a força motriz imprescindível dos nossos 'trishaws'.
Para garantir o conforto e a segurança de todos, antes de começarem os passeios, os voluntários têm de frequentar uma formação obrigatória, que consiste numa sessão online de uma hora, mais teórica, e numa sessão prática presencial de, pelo menos, duas horas. Após esta fase, ficam certificados e prontos para pedalar, sendo o primeiro passeio acompanhado.
Para além dos passeios individuais, também promovemos o voluntariado corporativo, através de parcerias com empresas que se juntam à iniciativa, permitindo que os seus colaboradores vivam esta experiência. Temos disponíveis mais informações sobre como tornar-se voluntário e realizar a inscrição no nosso website.
84% dos nossos passageiros reduziram o nível de solidão, muitos de modo significativo
Como é que este projeto contribui para combater o isolamento social e promover o envelhecimento ativo?
Combater o isolamento social é a nossa missão e concretizamo-la diariamente, ao levarmos os seniores e as pessoas com mobilidade reduzida a sair de casa, a passear e a envolver-se na comunidade e nas dinâmicas da sociedade. É desta forma que acabamos, também, por promover o envelhecimento ativo, oferecendo momentos de lazer que são, ao mesmo tempo, autênticos caminhos para o convívio, as novas relações, a intergeracionalidade e a felicidade.
Ao abrigo da Portugal Inovação Social, realizámos um estudo de impacto que revelou que mais de 84% dos nossos passageiros reduziram o nível de solidão, muitos de modo significativo. Este resultado só nos mostra que estamos realmente a mudar a vida das pessoas, relembrando que envelhecer não tem de ser um processo doloroso.
Que papel pode ter a mobilidade verde na saúde e bem-estar das pessoas, especialmente dos mais idosos?
A mobilidade verde é realmente importante. Os nossos 'trishaws' são elétricos, porque temos uma preocupação real com o ambiente e a sustentabilidade. As cidades que têm boas condições para se circular livremente e em segurança de bicicleta, a pé, ou de outra forma sustentável, são cidades mais tranquilas, com menos poluição e com mais atividades ao ar livre, muito favoráveis ao bem-estar.
Para os mais seniores, o impacto positivo da mobilidade verde é ainda mais notório, por incentivar uma participação mais ativa na vida da comunidade, o contacto com a natureza e a liberdade em ambientes de ar puro, fundamental para a saúde. Na Pedalar Sem Idade, ao oferecermos esta sensação de frescura e alegria, acabamos por contribuir para a saúde mental e emocional de todos os que nos acompanham, o que se revela um excelente exemplo de como as prescrições sociais são imprescindíveis para garantir o bem-estar das pessoas.
© Pedalar Sem Idade
E como se diferencia de outros projetos que tenham o mesmo objetivo?
Primeiramente, ficamos muito felizes por saber que vão surgindo vários projetos com o mesmo objetivo, porque significa que estamos todos a caminhar na mesma direção, dando relevância, visibilidade e solução ao mesmo problema. Mas diria que a Pedalar Sem Idade se distingue, principalmente, pela sensação de liberdade que devolve aos passageiros.
Muitas outras iniciativas acabam por se centrar em atividades em espaços fechados, ou em serviços de acompanhamento, enquanto os nossos passeios dão a possibilidade de respirar ar puro, de ter contacto com todos os que se cruzam pelo caminho e de percorrer ruas familiares, tudo isto com a participação ativa de voluntários que se tornam companheiros de viagem, cúmplices de conversas e, muitas vezes, verdadeiros amigos.
O facto de fazermos parte de um movimento internacional também nos diferencia, porque conseguimos estar em melhoria constante, aprendendo com as boas práticas dos diferentes países e refletindo sobre como as podemos adaptar à realidade de Portugal. Temos, assim, uma rede bastante sólida que está constantemente a inspirar-nos e a mostrar-nos que há sempre espaço para inovar.
"Este foi o primeiro dia, durante um mês, em que não chorei"
Há alguma história marcante que tenha vivenciado no projeto?
Sim, há várias histórias que nos emocionam e nos recordam diariamente do quão importante é a nossa missão. Uma das mais marcantes foi de uma passageira que, ao terminar o passeio, nos disse: "Este foi o primeiro dia, durante um mês, em que não chorei". Também ouvimos: "Hoje, a solidão ficou em casa". São frases simples, mas muito profundas.
Já comentaram connosco: "É uma coisa muito boa que nos faz sair de casa e nos faz sentir bem". Ou até: "Pode ser todos os dias, é muito giro". Até mesmo os nossos voluntários chegam a confessar que também eles vivem verdadeiramente o propósito do projeto, sentindo-se menos sozinhos. Cada uma destas partilhas demonstra o poder transformador da Pedalar Sem Idade e dá-nos motivação para continuarmos a crescer e a levar esta experiência a mais pessoas.
Quais são os próximos passos e objetivos para o futuro da Pedalar Sem Idade Portugal?
Ambicionamos que a Pedalar Sem Idade Portugal continue a crescer, fixando-se em mais regiões do país, para chegar a cada vez mais seniores e pessoas com mobilidade reduzida. Contudo, por enquanto, reconhecemos que é necessária a consolidação das operações nos capítulos que estão atualmente ativos. Para além disto, estamos também em fase de transição digital, o que nos vai ajudar a garantir que todos têm experiências ainda melhores.
Leia Também: Pessoas que vivem até aos 100 têm capacidade 'sobre-humana', diz ciência
