"Horário reduzido devia ser para todas as famílias com filhos até 3 anos"

Além de psicóloga, Filipa Maló Franco é mãe. Por isso, olha para as novas medidas propostas pelo Governo sobre direitos parentais com preocupação, nomeadamente no que à licença de amamentação diz respeito, considerando que o foco está do lado errado.

Amamentação

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Andrea Pinto
04/08/2025 14:16 ‧ ontem por Andrea Pinto

País

Filipa Maló Franco

Filipa Maló Franco é especialista em psicologia na área perinatal, infância e sono pediátrico. Defensora dos direitos dos bebés, da amamentação e do bem-estar das famílias, a psicóloga viu nos últimos dias as suas contas nas redes sociais serem inundadas com dúvidas, inquietações e preocupações de mães que estão assustadas com as alterações que o Governo propõe à lei laboral.

 

Para Filipa, que também é mãe, as medidas agora apresentadas “chocam contra os direitos das crianças e das famílias” e encaminham-nos para uma “sociedade que se foca na produtividade e na economia ao invés de naquilo que é importante para o desenvolvimento infantil”, segundo descreveu ao Notícias ao Minuto.

Voz ativa contra as medidas anunciadas pelo Governo, Filipa Maló Franco considera que a última entrevista da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sobre alegados abusos com as licenças de amamentação provam a sua “ignorância” em relação ao tema e defende que a luta devia ser apenas uma: “alargar o horário reduzido a todas as famílias com crianças até aos três anos”, quer as mães amamentem ou não.

Notícias ao Minuto Filipa Maló Franco© Filipa Maló Franco  

Medidas fomentam o "desmame antecipado" e prejudicam bebé

Uma das medidas anunciadas pelo Governo no dia 24 de julho, no âmbito do anteprojecto da lei de reforma da legislação laboral, pretende reduzir até dois anos o tempo máximo de horário reduzido para mães que amamente. Acresce ainda a exigência da prova de amamentação via declaração médica logo à nascença (algo que até então só era obrigatório após o primeiro ano de vida dos bebés).

“Estas novas medidas acabam por estar a chocar contra os direitos das crianças, dos bebés e das famílias”, começa por analisar a psicóloga, lembrando que os “primeiros mil dias de um bebé são fundamentais para o seu desenvolvimento” e que estamos a “fechar os olhos ou não queremos ver o impacto que estas medidas têm na vida dos nossos bebés”.

“A ministra [do Trabalho] desconhece que se não vivessemos numa sociedade assente numa cultura do desmame, a idade média em que as crianças desmamam é os 3,5 anos, período que pode ir até aos 6 anos. Mas não é uma cultura que vejamos na nossa cultura ocidental porque temos a introdução do leite fórmula demasiado cedo, licenças precárias…”, salienta Filipa Maló Franco, lembrando que a amamentação não tem apenas que ver com alimentação e que aquilo que se deveria estar a discutir não é apenas amamentação, mas o “direito das famílias estarem com os seus filhos”.

"Acredito que a ministra disse o que disse por ignorância"

A par da polémica suscitada pelas medidas propostas pelo Governo está uma entrevista da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social publicada este fim de semana em que afirmou que há um “exercício abusivo” do direito à redução do horário de trabalho para as mães que amamentam, havendo "crianças que parece que continuam a ser amamentadas para dar à trabalhadora um horário reduzido […] até entrarem na primária”.

As declarações da ministra desencadearam uma série de reações, sobretudo de associações de defesa da mulher que consideram que a “desinformação” de Maria do Rosário da Palma Ramalho "é tanta que até dói”.

Filipa Maló Franco comunga desta opinião, considerando que é “por ignorância” que a ministra disse o que disse. "A amamentação não é só alimento, é relação, é mimo, é conexão, é regulação emocional. A ministra desconhece este facto por isso é que acredito que disse o que disse por ignorância”.

"Aquilo que acontece é que estamos a caminhar para uma sociedade que se foca na produtividade e na economia e que não se foca naquilo que é importante para o desenvolvimento infantil. Não podemos fazer isso. Temos de assumir que devia haver um direito das famílias - não só das que amamentam - as famílias deviam ter direito a passar o máximo de tempo possível com os seus filhos, até pelo menos aos três anos", defende a psicóloga, lembrando que a redução de horário não está associada apenas ao ato de amamentar, mas ao papel de mãe, mulher e trabalhadora.

"Envolve o cansaço da mãe, afeta a disponibilidade física, mental, psíquica. Não podemos ignorar que o trabalho assente na mãe é muito grande. Fala-se dos burnout parentais e quase se culpa os bebés por estes burnouts, mas o importante é a pressão sobre estas mulheres para serem mães, para trabalharem, para serem donas de casa. Isto é que faz com que uma mãe se sinta esgotada", afirma Filipa, lembrando ainda que às "6 horas de trabalho, há que somar o tempo gasto em deslocações para o trabalho para ir pôr e buscar os filhos à creche ou à escola... As crianças passam entre 8 a 10 horas longe dos seus cuidadores principais e isso tem um impacto significativo na sua saúde".

A especialista em psicologia perinatal destaca que "deve haver tristeza, revolta e muita gente insatisfeita pela falta de tempo que tem para a sua família e filhos. Andam todos stressados. Até as creches felizes, nos primeiros anos, são tudo menos creches felizes", lamenta, acrescentando que "estamos a arrancar os bebés aos 5 meses e a colocá-los em instituições com adultos também esgotados, a tomar conta de demasiadas crianças".

Abusos com licenças de amamentação? E os abusos sobre as mães?

Filipa assume-se "assustada" com o que está por vir e lembra que a produtividade não se baseia "no tempo em que as pessoas estão enclausuradas numa empresa". Para isso, recorda os vários países onde "as elevadas taxas de produtividade [estão] associadas a horários flexíveis, à redução do horário laboral e até a quatro dias de trabalho por semana". 

E defende mesmo que as medidas para o apoio à família e à natalidade deveriam passar, "nos empregos onde isso é possível", por medidas mais flexíveis como "o teletrabalho, o horário reduzido ou flexível" ou a possibilidade de escolher os dias de trabalho. Acima de tudo, estabelece, o mais importante seria passar a ser obrigatória a licença parental até, pelo menos, os 6 meses de idade do bebé.

A par disso, Filipa Maló Franco mostra receios na forma como se quer avançar com a regulação dos atestados de licença de amamentação, considerando que se trata de um caso de “abuso de poder” e que põe em xeque mães, famílias e profissionais de saúde.

“O que é que vão fazer, espremer as mamas às mães?”, questiona Filipa, desafiando a ministra a mostrar os números de que fala. 

"Compreendo que haja abusos, não no horário propriamente dito, mas de algumas mulheres que possam usar esse momento para não estarem com os filhos. Mas há de ser uma minoria”, refere, lembrando que a realidade a que tem acesso através do seu trabalho é bem diferente daquilo que está a ser divulgado pelo Governo. 

“Eu gostava muito de ter os números que a senhora ministra diz porque a realidade frequente é o oposto: que é o abuso que estas mulheres, por terem horário reduzido, sofrem nos seus trabalhos. A discriminação, a pressão e o bullying laboral que sofrem nos seus trabalhos”, atira.

"Alarmante". Medidas desvalorizam o "psicológico e emocional"

Outra das questões preocupantes na proposta do Governo está relacionada com uma "desvalorização da área psicológica e emocional” das famílias, defende a psicóloga clínica. Prova disso, é outra das medidas propostas, nomeadamente a eliminação do direito ao luto gestacional por parte do pai.

“É muito alarmante”, considera Filipa, explicando que esta medida “menoriza o sentir saudade, uma vez que equaciona que o pai não tem direito ao seu sofrimento”.

“Um bebé não existe só no plano físico. Existe no plano mental. Existe um sonho de um bebé que acaba por morrer também”, afirma, acrescentando que “precisamos de dar tanto aos homens como às mulheres”, caso contrário estamos perante um caso de “discriminação”.

Considerando, ainda, que a entrevista da ministra do Trabalho a fez sentir como se todos fôssemos “apenas números”, olhando-se para a produtividade e “não para a nossa humanidade”, Filipa Maló Franco aponta que se “vive um momento difícil para pais, mães e bebés".

“Ainda acham que o nosso país está preocupado com a natalidade?”, questiona a especialista, mostrando preocupação com o futuro: “Imagino que seja muito difícil ter um bebé neste momento”.

Leia Também: Amamentar até à primária? Ministra gera polémica: "Desinformação até dói"

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