Rita Sousa Gomes é mãe, pediatra e cofundadora da página 'Bê à Bá da Pediatria', que tem mais de 51 mil seguidores, e, desde o passado mês de maio, também autora do livro 'A Minha Pediatra Cuida de Mim'.
Com a ajuda de 'Teresa', de sete anos, e através de três contos, a médica tenta promover "pontes" entre crianças e pais, para que temas tão importantes como o sono, a alimentação e o tempo de ecrã sejam debatidos em casa (e não só).
A abordagem do livro é didática e divertida e promete ensinar os mais novos a "crescer fortes e saudáveis" e dar segurança aos mais velhos para terem estas conversas "importantes", sem receio, porque, como realçou Rita Sousa Gomes em entrevista ao Notícias ao Minuto, "conversar não é perder autoridade, é ganhar confiança".
Lançou recentemente 'A Minha Pediatra Cuida de Mim'. De que forma é que o seu livro pode ajudar as crianças? E os pais?
O livro foi pensado como uma ponte entre pais e filhos. Cria espaço para conversas importantes, mas de forma leve. As crianças reconhecem-se nas histórias e os pais sentem-se menos sozinhos nas dúvidas que fazem parte do dia a dia. Não traz respostas fechadas, mas ajuda a olhar para os desafios com mais calma e empatia.
Através de três histórias chega a três das maiores preocupações dos pais de hoje: a alimentação, o sono e os ecrãs. Porque escolheu falar destas problemáticas através de contos?
Porque as histórias aproximam. Quando usamos um conto, a criança e o adulto entram juntos naquele cenário, reconhecem-se nas situações, pensam sobre elas sem pressão. Em vez de dar conselhos diretos, o livro mostra realidades com que muitas famílias se identificam. E muitas vezes, é isso que permite aquela conversa que antes não acontecia.
Disse nas redes que o objetivo não é dar todas as respostas, mas abrir espaço para "conversar, imaginar e crescer". Acha que os pais deviam falar mais destas questões com os filhos? Qual a importância de conversar em vez de mandar?
Sim, acredito muito nisso. Quando envolvemos a criança, quando ouvimos o que ela sente e explicamos o porquê das coisas, criamos relação. Claro que os limites são importantes, mas funcionam melhor quando são percebidos como justos. Conversar não é perder autoridade, é ganhar confiança. E muitas vezes basta perguntar "como te sentes com isto?" para tudo mudar.
Nas consultas, quais são os principais problemas que os pais trazem? E as crianças?
Os temas variam muito, mas o que mais noto é que os pais chegam muitas vezes inseguros, com medo de estarem a falhar. Falam de alimentação, birras, sono, mas por trás destes temas vem sempre a pergunta: "Estamos a fazer bem?". Já as crianças expressam o que estão a viver da forma que conseguem: Algumas com sintomas físicos, outras com alterações no comportamento. Muitas vezes o que precisam é de alguém que ajude a traduzir o que se está a passar. E de perceber que não estão sozinhos.
Fala-se muito dos ecrãs. Que tipo de preocupações chegam até si? Que conselhos costuma dar?
Vejo que ainda existe alguma normalização do uso excessivo de ecrãs, sobretudo nos primeiros anos de vida. Muitos pais não têm noção do impacto que isso pode ter no desenvolvimento, desde alterações no sono e na linguagem até uma maior irritabilidade ou falta de interesse pelo brincar. Quando os efeitos começam a surgir, os pais ficam preocupados, mas nessa altura muitas vezes o hábito já está instalado. O que tento reforçar é que os ecrãs não são uma ferramenta neutra. A recomendação é clara: Evitar ao máximo nos primeiros anos e usar com critério nas idades seguintes. O mais importante é garantir que não substituem aquilo que é verdadeiramente essencial, como o vínculo, a brincadeira livre e a presença. Esses são os verdadeiros e insubstituíveis pilares do desenvolvimento infantil.
E na alimentação? Quais são os maiores desafios?
A recusa alimentar, sobretudo quando persiste, preocupa muito os pais. Gera frustração, insegurança e muitas vezes acaba por criar tensão à mesa. O que tento explicar é que a alimentação não se resolve com pressão, mas com consistência e relação. Comer é mais do que ingerir nutrientes. É sobre sentir-se seguro, respeitado e incluído. Quando os pais relaxam e o ambiente é tranquilo, a criança sente-se mais disponível para experimentar. É um processo, e não há soluções instantâneas. Mas há caminhos que funcionam, e cada família deve encontrar o seu.
O sono continua a ser uma preocupação em várias idades. Como é que podemos ajudar os miúdos a dormirem melhor?
O importante não é tanto "ensinar a dormir", mas criar condições para que o sono aconteça. Isso passa por uma rotina previsível, um ambiente calmo, sem estímulos em excesso antes de deitar. Mas também passa por perceber o que está por trás: Uma criança ansiosa, agitada, com pouco tempo de ligação ao longo do dia, vai ter mais dificuldade em desligar. Não há fórmulas mágicas. Dormir é um processo que se constrói com tempo, presença e segurança. E não há receitas iguais para todas as crianças.
Até que idade é que as crianças devem fazer sestas?
Em média, até aos 3 ou 4 anos a maioria das crianças ainda faz sesta, mas não há uma regra fixa. O mais importante é observar. Se a criança chega ao fim do dia muito cansada, irritada ou adormece facilmente em momentos inesperados, provavelmente ainda precisa desse descanso. Mais do que seguir um padrão, é ir ajustando conforme as necessidades vão mudando.
Que problemas é que as crianças que dormem mal podem ter?
O sono tem um impacto enorme no desenvolvimento. Afeta o crescimento, a atenção, o comportamento e o humor. Uma criança que dorme mal tende a estar mais irritada, a aprender com mais dificuldade e até a adoecer mais facilmente. Dormir bem é tão essencial como comer bem. E, muitas vezes, é um dos cuidados mais negligenciados.
Ser mãe mudou a forma como exerce a pediatria?
Sim. Fui mãe ainda numa fase muito jovem do meu percurso como pediatra, e isso mudou completamente a minha forma de estar. Já havia cuidado e escuta, mas passar pela experiência, sentir na pele as dúvidas, os medos, as noites mal dormidas, trouxe-me uma empatia diferente. Ajudou-me a perceber que muitas vezes o que os pais precisam não é de uma resposta perfeita, mas de alguém que os compreenda. Agora, com o meu segundo filho ainda bebé e com o regresso recente ao trabalho, esse olhar ganhou ainda mais profundidade. Estou mais sensível ao que é viver tudo de novo, em fases diferentes da vida, e isso só reforça a forma como exerço a pediatria: Com conhecimento, sim, mas com uma escuta ainda mais humana.
O 'Bê à Bá da Pediatria', que criou com a Dra Sara Aguilhar, já acompanha mais de 50 mil famílias. De que forma é que esse projeto inspirou o livro?
O 'Bê à Bá' nasceu da vontade de humanizar a medicina e de levar informação de forma clara e acessível a quem precisava de orientação no dia a dia. Sentimos que havia muitas famílias com dúvidas legítimas, que se sentiam perdidas ou pouco compreendidas, e que procuravam um espaço seguro onde pudessem aprender sem julgamento. Com o tempo, percebemos que o mais importante não era dar respostas fechadas, mas abrir espaço para reflexão, partilha e escuta. O livro nasce dessa mesma vontade de continuar a cuidar, mas agora através das histórias. Histórias que falam de temas reais, com os quais tantas famílias se identificam, e que podem abrir portas para conversas importantes em casa.
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