"Tenho o sentimento da missão cumprida e a minha consciência tranquila. Por isso, comunico que apresentarei a minha renúncia ao mandato juntamente com a entrega do Relatório das Contas Consolidadas, em meados de junho. Concluirei, assim, com o reporte financeiro municipal completo, o meu trabalho e o trabalho da minha equipa, deixando o documento das Contas Consolidadas Municipais para se comparar com o estado lastimável em que recebi a câmara e o erário público municipal", disse o autarca em conferência de imprensa hoje no Salão Nobre da Câmara Municipal.
Numa decisão conhecida na segunda-feira, o Tribunal Constitucional (TC) confirmou a perda de mandato de Eduardo Vítor Rodrigues (PS), condenado pelo crime de peculato por uso indevido de um carro deste município do distrito do Porto.
A decisão surge na sequência do recurso interposto pelo autarca para o TC, depois de, em outubro de 2024, o Tribunal da Relação do Porto (TRP) ter mantido a condenação de perda de mandato, decidida pelo Tribunal de Vila Nova de Gaia em novembro de 2023. Fonte da defesa do autarca adiantou então à Lusa que vai apresentar uma reclamação, que, desta vez, será reapreciada em conferência do TC.
Hoje, Eduardo Vítor Rodrigues garantiu: "continuarei a lutar pela verdade, a recorrer até obter a justiça devida".
"Mas, chegados aqui, não espero mais pelos resultados finais da justiça, que bem podem ir para além do mandato. Já havia dito que ponderava sair, e chegou o momento. Não saio da política, nem da luta. Continuarei a participar nos espaços de intervenção cívica, a pensar, a falar e a escrever", acrescentou.
Eduardo Vítor Rodrigues considerou ainda que despacho do TC "é injusto e errado, merecendo a devida contestação para o coletivo do TC, o que será feito".
"Não há, por isso, nenhum trânsito em julgado da decisão até sentença final", frisou.
Ainda a propósito da atuação dos tribunais, o ainda presidente da Câmara de Gaia lançou críticas, considerando que "se mantém aberta a resposta da Justiça ao facto do Procurador que representou o Ministério Público na acusação em julgamento e na resposta ao Recurso para o Tribunal da Relação ser familiar direto de uma autarca do PSD de Gaia".
Em causa, disse o autarca sem referir nomes, "uma alta dirigente do PSD-Gaia e potencial membro da lista do PSD às próximas eleições autárquicas".
"É evidente que devia ter pedido escusa deste processo. Está em causa a idoneidade, a isenção e a credibilidade de todo o processo e das decisões tomadas, está em causa a nulidade do mesmo, bem como um conflito de interesses evidente do dito magistrado e uma inaceitável decisão em claro interesse próprio e pessoal. Os intervenientes devem ser imparciais, isentos e sem interesses associados. Não foi obviamente o caso", referiu.
Antes, referindo-se a outros casos judiciais recentes, nacionais e ligados a Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues questionou: "Não percebem que, ao destituir injustamente um político, estão a destruir definitivamente a política?".
"O caso de António Costa, alguma justiça parece querer mostrar que está a ficar especializada em tentar, por razões espúrias, destituir o poder político legitimamente eleito. Lembro que ainda recentemente o ex-vice-presidente [Patrocínio Azevedo] da Câmara de Gaia esteve detido preventivamente durante quase dois anos, sendo libertado sem mácula durante o julgamento, tendo-se verificado a inexistência de quaisquer valores indevidamente recebidos como luvas -- acusação que, aliás, "justificou" a longa e injusta detenção preventiva", apontou.
Disse ainda: "Sou presidente da terceira maior câmara do país. Em 12 anos nunca tive processos ou suspeições por fraude ou corrupção, e vejo-me agora a discutir uma perda de mandato por uma ida à padaria com o carro da Câmara. O ridículo tomou conta de todos nós e vamos todos pagar caro por isso, vamos pagar com o prestígio das instituições junto das pessoas, que não compreendem esta situação absurda. Isto é humilhante, é desproporcionado, é injusto".
Numa declaração de 11 minutos que terminou com uma aclamação de pé pelo público presente que incluía presidentes de Juntas de Freguesia, vereadores, diretores municipais e a equipa da autarquia, Eduardo Vítor Rodrigues disse que sairá "para preparar um novo ciclo" na sua vida, esperando que "o tempo explicará tudo isto e clarificará todo este percurso".
Em novembro de 2023, Eduardo Vítor Rodrigues foi condenado pelo Tribunal de Vila Nova de Gaia por um crime de peculato de uso, à perda de mandato e ao pagamento de uma multa de 8.400 euros por usar, de forma pessoal, um veículo elétrico do município.
O tribunal condenou igualmente a mulher do autarca pelo mesmo crime ao pagamento de uma multa no mesmo valor, tendo os arguidos recorrido para o TRP.
Quanto ao autarca, a Relação do Porto reduziu a multa para 4.800 euros, mantendo a condenação de perda de mandato.
O TRP absolveu a mulher do autarca da prática do crime e da multa aplicada, mas manteve a condenação quanto à perda da vantagem obtida.
A acusação do Ministério Público (MP) sustentava que os arguidos "decidiram usar, como se fosse seu", um veículo elétrico adquirido em regime de locação financeira por empresa municipal, na sequência de contrato de ajuste direto celebrado em 13 de outubro de 2017, "mediante o pagamento de uma renda mensal" de 614 euros.
Eleito pela primeira vez em 2013, Eduardo Vítor Rodrigues (terminaria este ano o terceiro mandato à frente a Câmara de Vila Nova de Gaia (distrito do Porto), não podendo recandidatar-se.
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