Navio sem "armamento" e Marcelo "descansado". Mas Governo "foi enganado"?

Continua a polémica sobre o navio que alegadamente tem um histórico de transporte de armas para Israel e que atracou em Lisboa. Empresa disse que não transportava armas, mas apontou que as "autoridades portuárias não utilizaram a oportunidade de inspecionar a carga". Eis um resumo do que aconteceu até ao momento.

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© Horacio Villalobos#Corbis/Corbis via Getty Images

Notícias ao Minuto com Lusa
11/11/2024 08:02 ‧ há 4 semanas por Notícias ao Minuto com Lusa

País

Médio Oriente

O fim de semana ficou marcado pela polémica em torno do navio Nysted MAERS, destinado ao transporte de armas para Israel e que esteve atracado em Lisboa. A embarcação deixou a capital portuguesa na manhã de domingo, com o Governo e a empresa a assegurarem que a carga não incluía armas. O Presidente da República manifestou-se "descansado", mas as justificações não agradam a todos, com o Bloco de Esquerda, por exemplo, a dizer que a "única dúvida" que existe é saber se o "Governo foi enganado ou quis ser enganado".

 

O navio, recorde-se, segundo vários sites de controlo de tráfego marítimo consultados pelo Notícias ao Minuto, deixou Lisboa pelas 06h30 de domingo, em direção a Marrocos. A embarcação, que tem bandeira de Hong Kong, tinha atracado por volta das 20h30 de sábado, depois de ter sido redirecionada para Portugal face às proibições impostas em Espanha, pelas 00h46 de sábado.

Ainda nesse dia, o Ministério das Infraestruturas e Habitação garantiu que não havia "nenhum contentor com destino a Israel" e que não proibiria a entrada do navio no porto de Lisboa, tendo em conta as informações que obteve através do manifesto de carga e das declarações prestadas pelo armador e outras autoridades.

Governo assegura que navio não transportava "qualquer carga militar, armamento ou explosivos"

Segundo o Governo, a embarcação pediu autorização para atracar em Lisboa para descarregar 144 contentores, que incluíam automóveis, roupa, alimentos, sementes, mobiliário, cerâmica, copos de vidro, champôs e sabões, quadros e pinturas, aparelhos elétricos, cabos de fibra ótica e diversos metais (lingotes de cobre, granalha de ferro, ligas à base de cobre-zinco).

"Em resposta a pedido de esclarecimento, foi-nos reconfirmado que não é transportada qualquer carga militar, armamento ou explosivos", adiantou o Executivo, que adiantou que, entre a carga que transportava e que não seria descarregada em Portugal, estavam "três contentores com componentes de aviões (peças de asas) com destino aos EUA".

Do "tema sensível" a um Presidente "descansado"

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recusava nesse dia comentar a situação, justificando que se tratava de "um tema sensível" e que já tinha ouvido "várias versões", mas já na tarde de domingo vinha manifestar-se "descansado". 

O chefe de Estado revelou que falou com o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, que lhe garantiu que na sequência de uma pesquisa ao navio não foi encontrado qualquer pormenor relacionado com armamento. "O que se passa [segundo informações de Paulo Rangel ao PR] é que foi pesquisado tudo em pormenor e não se encontrou nada relacionado com armamento naquilo que foi descarregado em Lisboa, não houve carregamento", disse.

"Há sim algum trânsito, mas é para os Estados Unidos, não é para Israel e, naquilo que foi descarregado não havia traços de armas, nem houve carregamento de armas", acrescentou.

Marcelo Rebelo de Sousa disse ainda que Paulo Rangel explicou que o mesmo navio "parou em vários portos" de Espanha e Marrocos, países cuja posição "é muito conhecida" relativamente ao que se passa em termos de conflitos internacionais.

"Não há, daquilo que puderam detetar, nenhuma prova, nenhum elemento, nenhum dado quanto a este navio, neste momento, relativamente ao transporte de material militar, portanto, armamento", afirmou.

O chefe de Estado manifestou-se por isso "mais descansado" em relação a este tem, passado a "pente fino" pelo Governo. 

Marcelo recordou ainda que, em relação a esta matéria, "é possível" a Portugal controlar aquilo que passa por Portugal, mas não é possível saber "se há um ano, há dois anos, há ano e meio, há três anos, quatro anos" o navio fez ou não outro tipo de transporte.

"Sabe-se que para cá carregou o que não era armamento e foi isso que o Governo me explicou, agora o que vai fazer daqui a três dias, a dez dias, a um ano, dois anos, três anos no âmbito da atividade da empresa, isso Portugal na altura devida, se encontrar razões para estar preocupado e considerar que é censurável, pode então tomar medidas, neste momento o que me foi dito é que não havia justificação para tomar", acrescentou.  

Mas como é que tudo começou?

Recorde-se que a denúncia partiu do Comité Nacional Palestiniano BDS (Boicote, Desinvestimento, Sanções), que deu conta de que o navio esteve envolvido, durante meses, em mais de 400 transportes ilegais de armas para Israel, através do uso do porto espanhol de Algeciras.

Até agora, segundo o BDS, o navio usava aquele porto para descarregar armamento que, depois, seria levado até Israel noutros navios. No entanto, o governo espanhol terá proibido a utilização do porto e, por isso, a solução passou a ser Portugal.

O navio, note-se, pertence ao mesmo grupo que recentemente foi impedido de atracar nos portos espanhóis pelo governo de Espanha - a Maersk Já este mês, uma investigação que chegou à imprensa espanhola denunciou que navios com origem nos Estados Unidos, e que tinham Israel como destino final, estavam a fazer escala em Espanha, apesar das proibições impostas por Pedro Sánchez. Segundo revelaram, os navios transportavam o material militar de forma dissimulada e as embarcações desembarcavam em Espanha, com o armamento a ser levado para Telavive por outros navios. 

"As autoridades portuárias não utilizaram a oportunidade de inspecionar a carga"

Face à polémica, o grupo dinamarquês Maersk Denver também se pronunciou e assegurou que a carga é legal e não inclui armas ou munições miliares. "A carga em questão está em total conformidade com as leis e regulamentos nacionais e internacionais. A carga a ser transbordada não inclui nenhuma arma ou munição militar", assegurou a Maersk Denver, numa nota enviada à Lusa.

O grupo esclareceu ainda que a carga está a ser transportada em nome dos EUA, no âmbito do programa de cooperação de segurança EUA-Israel. A Maersk disse ter fornecido todas as informações necessárias "com bastante antecedência", cumprindo o procedimento estabelecido, não tendo recebido, até então, qualquer manifestação de preocupação por parte das autoridades.

"[...] As autoridades portuárias não utilizaram a oportunidade de inspecionar a carga, que permanece disponível para inspeção a qualquer momento", sublinhou.

Por outro lado, disse ter consultado as autoridades espanholas para saber porque é que a entrada do navio naquele país foi negada, tendo em conta que a carga não é diferente de outras remessas transbordadas no porto.

"A única dúvida que existe é saber se o Governo foi enganado ou quis ser enganado"

O Bloco de Esquerda foi o primeiro partido a pronunciar-se, tendo questionado o Governo, no imediato. Já depois das justificações, os bloquistas consideraram que as declarações do Governo serviram apenas para "desconversar", já que a acusação não se referia à carga que o navio transportava no momento, mas sim ao facto de participar numa rede de cargueiros que transporta armas dissimuladamente para Israel.

"A única dúvida que existe é saber se o Governo foi enganado ou quis ser enganado", defendeu o líder parlamentar bloquista, Fabian Figueiredo, ao mesmo tempo que considerou que "os portos portugueses não devem servir de plataforma para o genocídio em Gaza".

Por sua vez, a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, reiterou que "o problema não é a carga a bordo agora", mas o facto de "seguir para Marrocos ao encontro de outro navio Maersk (já banido pelo governo de Espanha quando o esquema foi descoberto) do qual receberá a carga ilegal para entregar ao Estado genocida".

Também o secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Paulo Raimundo, criticou ontem a posição de Portugal no conflito israelo-palestiniano, considerando-a "hipócrita, cínica e conivente", e solicitou esclarecimentos ao Governo sobre a paragem do navio Nysted Maersk em Lisboa.

Já no sábado, dezenas de pessoas tinham estado reunidas junto ao porto de Lisboa para se manifestar contra o atracamento da embarcação, entre elas membros do 'Palestina em Português' e do 'Comité de Solidariedade com a Palestina', além de vários estudantes que têm participado em ações em defesa do povo palestiniano.

Leia Também: Empresa garante que carga do navio que atracou em Lisboa não inclui armas

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