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25 de Abril. As probabilidades do golpe e o porquê do dia 25

Os planos militares do golpe de 1974 foram feitos por Otelo Saraiva de Carvalho, que acreditava neles a 80%, e o dia 25 de Abril foi escolhido para evitar prisões e o fim de semana.

25 de Abril. As probabilidades do golpe e o porquê do dia 25
Notícias ao Minuto

08:53 - 24/04/24 por Lusa

País 25 de Abril

Um golpe também se faz de probabilidades

O golpe foi planeado milimetricamente. Como explica Garcia dos Santos, "foi uma operação clássica montada com todos os 'f' e 'r', ordem de operações, anexos de transmissões, horas, códigos, senhas, estava tudo preparado".

Apesar de empenhados e motivados, nem todos os capitães tinham a mesma confiança no sucesso do golpe militar. A dada altura, Otelo discutia com Vítor Alves os pormenores da operação, e este questiona: "Otelo, qual é a possibilidade de êxito que vês para isso?"

Otelo responde: "Êxito? Sucesso? 80%!"

Vítor Alves fica entusiasmado com a resposta: "Epá, bolas! Se me tivesses dito 20% eu já ficava animadíssimo, tu dizes 80%, fico descansado."

Já Vítor Crespo alinhou decididamente no processo, crente na causa, não no sucesso do golpe. "Eu tirei a minha família de casa, pu-la em casa de um amigo, porque estava convencido de que tinha mais de 50% de possibilidades de falhanço do que de sucesso."

Otelo Saraiva de Carvalho foi surpreendido com esta confidência do almirante Vítor Crespo e até pensou ter ouvido mal: "De falhar, Vítor?"

Vítor Crespo clarifica e até dá mais pormenores sobre as suas expetativas na altura: "Sim. Eu vim para cá convencido de que iria ser preso, e todas essas consequências..."

"Portugal e o Futuro" decidido enquanto o semáforo não abria

O lançamento do livro de António de Spínola, "Portugal e o futuro" -- episódio decisivo no desencadear dos acontecimentos que levaram ao golpe -- foi decidido numa conversa entre Otelo e o general, enquanto esperavam que o sinal abrisse. Dias antes da publicação do célebre livro, ia Otelo a descer a rua do Telhal e, no semáforo que liga com a rua de São José, escuta uma buzina. O sinal está vermelho.

"Viro-me e vejo o Mercedes do general, que vai atrás, com o motorista. O Spínola baixou o vidro e disse: 'Ó Otelo, chegue cá'. Eu fui ter com ele e disse: Então, meu general, o que é que há?. 'Epá, você quer saber de uma coisa? O Marcello não me deixa publicar o livro', diz Spínola.

"Mas qual livro, meu general? Aquele em que o meu general aponta uma saída de solução política para a guerra colonial, do Ultramar? 'Esse mesmo, pá! Tenho o livro todo pronto, apresentei-o ao Marcello, ele leu aquilo, diz que não autoriza que eu publique'. E então, meu general, vai publicar ou não? 'Não posso publicar!' Então porquê? 'Porque o Marcello diz que se o publicar ele se demite!'".

Otelo, que fica incrédulo, insiste: "Mas ó meu general, é isso que a gente quer, caramba! Força nisso, publique já! 'Não, não, eu sou um oficial general, nunca farei nada para derrubar o Governo do meu país'. Contradições do Spínola", desabafou Otelo, que não desistiu: "Mas, ó meu general, não se preocupe com isso. Eu garanto-lhe que o professor Marcello Caetano não vai demitir-se, com toda a certeza. Ou, se apresentar a demissão, não vai ser demitido. Portanto, publique o livro, que o MFA está consigo".

"'Vocês estão comigo?', perguntou o general. 'Então, sim, senhor', disse Spínola, e foi", contou Otelo, 40 anos depois, com uma precisão incrível, como se o diálogo tivesse ocorrido na véspera.

Passada uma semana o livro apareceu nas bancas. Foi um "êxito fulgurante". A oposição "agarrou-se ao livro como a uma bíblia". "Bestial. Mas isto levou à exoneração dos dois generais", recorda Otelo.

A 'generosidade' de Spínola

Quando Caetano se rendeu, o general Spínola ofereceu-se para ser ele a receber o poder das mãos do presidente do Conselho. Por telefone, questiona Otelo: "Como é que o Otelo quer fazer? Vai lá o Otelo, manda alguém por si ou quer que cumpra essa missão?"

Hesitante, tapou o bocal e perguntou ao Vítor Alves: "Manda-se o general?" Vítor Alves responde: "Com certeza, ele vai fazer parte da Junta de Salvação Nacional".

Otelo respondeu a Spínola: "Pronto, meu general, considere-se mandatado para ir ao Carmo receber o poder."

E a primeira pedra no sapato

O primeiro incómodo com Spínola surgiu pouco tempo depois da rendição de Marcello, quando foram libertados os militares do 16 de março, que estavam na Trafaria. Conta Sanches Osório que o general do monóculo fez uma discursata para os militares e às tantas diz:

"'Vocês desempenharam um papel notabilíssimo', como quem diz: isto agora daqui para a frente é meu -- tenente-coronel Bruno, anote os nomes desses militares, vão ser todos promovidos".

E é aí que o almirante Vítor Crespo diz: "Espere aí, vá lá para baixo, espere, porque ainda há aqui coisas a resolver, isto não é assim."

Vítor Crespo tem bem presente o momento e lembra que Fisher Lopes Pires foi pronto a deixar as coisas claras: "'Aqui não é ninguém promovido, meu general'. Como quem diz: 'Retire-se lá, porque nós ainda estamos aqui a comandar isto'".

O porquê do golpe no dia 25 de abril

Depois do falhanço do 16 de março, Otelo percebe que não pode deixar morrer o MFA e o golpe tem de ser posto em marcha rapidamente.

O regime ficou convencido que o 16 de março -- o golpe falhado a partir das Caldas da Rainha logo a seguir à exoneração dos generais Spínola e Costa Gomes - era uma manobra spínolista e que estava debelada. "Isso dava tranquilidade", explica Otelo.

É Marques Júnior quem, numa reunião de oficiais no dia 24, promovida por Otelo para explicar o fracasso do 16 de março, coloca a questão a Otelo: "Quando prevê o lançamento da operação?"

E o raciocínio foi muito simples: "Tem que ser na última semana de abril. No máximo na semana que começa a 22 até 26, sexta-feira, porque tem que ser nos dias úteis. Senão o pessoal entra em fim de semana e as unidades estão vazias", explica Otelo. Ora, tinha que ser a 23, 24 ou 25 de abril. E porquê?

"Porque estão presos os nossos camaradas e a PIDE, depois de dar caça aí aos comunistas e aos esquerdistas do MRPP que andam para aí a fazer pichagens nas paredes -- 'o 1.º de maio é vermelho, morte ao fascismo' -- vão ser todos engavetados, aqueles que a PIDE puder apanhar, e depois disso a PIDE começa a puxar o cordel aos nossos camaradas que estão presos. E aí o movimento apaga-se, vai-se embora."

A data coincidia também com um exercício da NATO no Tejo, em Lisboa. Vítor Crespo, almirante da Marinha, sabia que a esquadra da NATO se movimentava na madrugada do dia das operações do 25 de abril. Por isso, os capitães discutiram se era vantajoso aquele dia.

"Era uma esquadra ainda poderosa, na qual nós tínhamos um navio. Mas concluímos entre nós que não era nada provável que numa revolução em Portugal a esquadra da NATO, não tendo informação conveniente sobre o assunto, interviesse. E portanto, o que era provável, isso sim, é que fosse dissuasor de um pacto que tínhamos com Espanha, um pacto militar que podia ser chamado a agir se Espanha acedesse", explicou o almirante.

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