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"Uma violência latente muito grande". Como explicar o crime em Peniche?

A psicóloga Melanie Tavares, coordenadora do Instituto de Apoio à Criança, comenta o caso da jovem de 16 anos que matou a irmã, de 19, em Peniche, colocando ênfase no atenção da comunidade e no tratamento preventivo.

"Uma violência latente muito grande". Como explicar o crime em Peniche?
Notícias ao Minuto

11:30 - 15/09/23 por José Miguel Pires

País Peniche

No rescaldo de um dramático homicídio em Peniche, tornado público na quarta-feira, em que uma jovem de 16 anos admitiu ter matado a irmã, de 19, a psicóloga Melanie Tavares, coordenadora do Instituto de Apoio à Criança, deixa um aviso: é necessário estar-se atento - e não apenas os pais.

"Quando temos conhecimento de que existe uma família com alguma problemática… são famílias que nos despertam para o risco das crianças. Enquanto psicólogos e comunidade escolar, devemos estar sempre alerta. Muitas vezes, não se valoriza o risco e ele evolui para o perigo", indicou.

A psicóloga clínica e do aconselhamento, em declarações ao Notícias ao Minuto, começa por dizer que não gosta de falar de "famílias desestruturadas", porque "muitas vezes, as famílias ditas normais, com pai e mãe, também têm graves problemas".

"Esta jovem tinha uma vulnerabilidade de saúde mental que a levou a cometer este crime. Se estivermos a falar de uma jovem com uma boa saúde mental, não cometeria este crime, agravando ainda o facto de ter sido à facada, o que mostra uma violência latente muito grande e frieza. Estamos a falar de um crime quase de corpo a corpo, não há distanciamento", continuou a psicóloga, apontando para a "falta de empatia com o sofrimento da irmã".

Para Melanie Tavares, trata-se de uma situação que, apesar de poder ter outras origens, "também poderá ser agravado pela família e pelo contexto em que vive".

A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) tinha já sinalizado esta família, em que, segundo avançou a Polícia Judiciária, a mãe das jovens, que viviam com o pai, "não era uma presença assídua no domicílio".

"Devemos sempre estar alerta quando temos uma indicação de risco. Neste caso, a escola tem um papel fundamental porque é quem está mais perto da criança, à exceção da família. Tem outra visão, mais imparcial, porque as famílias muitas vezes tendem a esconder alguns indicadores", defendeu Melanie Tavares.

A psicóloga argumenta ser "óbvio" que "famílias desestruturadas não dão filhos delinquentes", nem são "as culpadas de tudo o que corre mal", até porque "nas famílias ditas perfeitas, organizadas e estruturadas, também acontecem situações destas". Ainda assim, "quando vamos analisar a delinquência, vamos verificar que existem alguns indicadores que nos podiam sugerir que este fosse o desfecho".

"Quando estamos perante uma situação de saúde mental grave, se calhar, se formos analisar os antecedentes, percebemos que existem aqui algumas causas que poderiam ter sido prevenidas para não ter este desfecho", lamenta.

Relações virtuais

Melanie Tavares apontou também o dedo aos "valores atuais dos jovens, ou a falta deles, daquilo que é o mundo em que vivem, desprovido das relações humanas, privilegiando muito mais o digital e as relações virtuais, em que não temos o investimento afetivo que tínhamos antigamente nas relações interpessoais".

Recorde-se que a adolescente de 16 anos terá cometido o crime após "desavenças por causa de um telemóvel", segundo disse à agência Lusa o diretor do Departamento de Investigação Criminal da PJ de Leiria, Avelino Lima.

Tratamento preventivo

Sobre o futuro deste caso, a coordenadora do Instituto de Apoio à Criança deixa um apelo: "Em termos de saúde mental, o que nos preocupa é a prevenção, mas também aquela que acontece quando já não são abrangidos pelo sistema e continuam a sofrer de alguma patologia que possa pôr em risco a sua vida e a dos outros."

Melanie Tavares mostra-se preocupada com o eventual processo de restituição desta jovem na sociedade, para que "não represente um perigo para ela e para os outros", até porque "muitas vezes, há aqui o perigo de comportamentos autodestrutivos, não é só em relação aos outros".

Sobre os eventuais antecedentes deste crime, em que a jovem, chamada Lara, terá desferido várias facadas à irmã por "motivos fúteis", como os definiu a Polícia Judiciária, a psicóloga acredita que se poderá "estar a falar de um surto", ou então de "outro tipo de situações, em que já apresentava problemas de ordem psicológica ou psiquiátrica".

"Agora, isso não quer dizer que ela seja inimputável, porque não quer dizer que não tivesse consciência do que estava a fazer. É isso que vai ser avaliado pelas equipas técnicas, até para perceber não só o tratamento mas também as consequências para esta jovem", conclui a mesma.

A jovem está indiciada por homicídio na forma qualificada e por profanação de cadáver, depois de ter sido detida pela PJ de Leiria. As medidas de coação serão conhecidas esta sexta-feira, depois de ser ouvida no Tribunal de Leiria.

Leia Também: Jovem de 16 anos teve corpo da irmã "2 ou 3 dias" na casa em Peniche

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