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Colo vazio, pouco apoio e solidão. Relato de pais que perderam prematuros

Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer no que toca ao acompanhamento de pais no caso de morte de prematuro. Tudo depende da equipa e do médico e, na maioria dos casos, apenas é disponibilizado acompanhamento psicológico.

Colo vazio, pouco apoio e solidão. Relato de pais que perderam prematuros
Notícias ao Minuto

09:44 - 09/08/23 por Marta Amorim

País luto parental

Os prematuros representam, em Portugal, mais de metade das mortes de bebés nos primeiros 28 dias de vida. Segundo os dados disponibilizados ao Notícias ao Minuto pela Sociedade Portuguesa de Neonatologia, em 2021, foram 135. 

Mas, apesar deste número, as maternidades portuguesas não estão preparadas para apoiar os pais que vivem este pesadelo. 

É considerado um bebé prematuro aquele que nasce antes das 37 semanas e em Portugal, dos 79.795 bebés nascidos em 2021, 5.997 (7,5%) eram prematuros. 

Os pais que sofrem com perdas neonatais enfrentam, além da dor, a falta de acolhimento - até mesmo por parte de profissionais da saúde.

Que o digam Ângela Borges e Luís Melo, que criam e doam roupas muito pequenas para que outras famílias não passem pelo mesmo que eles: pediram-lhes para ir a uma loja de brinquedos comprar roupa para vestir o filho prematuro no dia do funeral.

Tal como contou o pai, na rede social X (antigo Twitter), quando o filho, Luís António, morreu prematuro às 24 semanas, foi-lhes dito no hospital: “Vão a uma loja de brinquedos, e comprem uma roupa de Nenuco”

A dor desse momento não foi esquecida e é sob essa premissa que a mulher “começou a tricotar sapatinhos e gorrinhos, e a costurar fatinhos”, para que outros pais não passem pelo mesmo. 

Todos os fatos são minúsculos, para bebés prematuros. A Ângela juntaram-se as mães destes dois pais, e ainda uma tia. 

Assim, no dia em que Luís António faria dois anos, o casal oferecia à Maternidade Bissaya Barreto 22 conjuntos de pequenas roupinhas.

A mesma perda em dois países: eis as diferenças

Foi exatamente de casos como este - em que o Sistema Nacional de Saúde não está preparado para prestar apoio - que nasceu o projeto ‘Amor para além da lua’. Apesar de terem tido duas experiências completamente diferentes, Renata e Cláudia perderam ambas bebés prematuros. Uma estava em Portugal e outra em Inglaterra - e é exatamente isso que define a diferença. 

“Coincidentemente, eu e a Cláudia perdemos os nossos bebés no mesmo mês. Conhecíamo-nos desde infância. Perdemos o contacto e voltámos a falar devido a esta infeliz coincidência, que aconteceu em fevereiro de 2020”, começa por contar Renata ao Notícias ao Minuto

Renata estava em Portugal e Cláudia em Inglaterra, o que, consequentemente, fez com que tivessem experiências “bastante diferentes”. 

O processo de Renata, que coincidiu com o início da pandemia de Covid, foi bastante solitário. “Estive bastante sozinha. Pesquisava e não encontrava nada em português, não tinha ninguém com quem falar que tivesse passado pelo mesmo”, relata Renata, que teve de fazer interrupção da gravidez e afirma não ter tido um acompanhamento adaptado à sua situação. 

Foi só meses depois, quando Cláudia fez uma partilha no Facebook, a relatar o que também lhe sucedera, que Renata encontrou o apoio de que tanto precisava. 

Estas duas mulheres descobriram que partilhavam a mesma dor e Cláudia passou a Renata um sem fim de informação e ajuda que até então esta não tinha tido acesso. Foi só aí que percebeu como, em Portugal, a sua experiência tinha sido tão desacompanhada e solitária. 

Por sua vez, Cláudia, em Inglaterra, teve todo o apoio e informação. Recebeu até um livro com informações sobre o parto, direitos dos pais e instruções para o funeral.

A experiência positiva de Cláudia começou logo com o contacto com os médicos que lhe deram a triste notícia. Com formação para o momento, estes profissionais encaminharam-na de imediato para inúmeras associações que lhe poderiam prestar apoio, entregando-lhe também toda a informação necessária.

“Há caixas de memória, berços, uma sala própria para estes partos e onde os pais podem estar com o bebé - esteja ele vivo ou não -, há piscinas para o parto porque os pais podem querer seguir o plano de parto,  pergunta-se aos pais como se deve referir o bebé, se pelo nome, ou se de forma mais distante…” começa por contar Cláudia.  

“Podemos fotografar o bebé,  fazer a impressão das mãozinhas, dos pés, pode vir alguém batizar... Há de facto muito cuidado, cuidado esse que, pela experiência da Renata, sabemos que nem sempre há em Portugal. Basicamente é ter sorte com o médico e equipa que se apanha, sendo que normalmente é tratado como uma cirurgia normal”, lamenta ainda.

Perante o vazio de informações em Portugal, decidiram ajudar outros pais e criaram uma página nas redes sociais, cujo objetivo era aglomerar as informações disponíveis na Internet e que Cláudia ‘trazia’ de Inglaterra e disponibilizá-las em português.

“O objetivo era que, quem pesquisasse no Google, pudesse encontrar ajuda e informação credível”, afirma Renata. Assim, o site foi lançado em fevereiro de 2021, exatamente um ano depois da perda destas duas mães. 

O ‘Amor para além da lua’, que um dia, se tudo correr bem, será associação, quer agora ajudar outros pais. 

O primeiro passo foi criar Caixas de Memória, que serão disponibilizadas nos hospitais e onde os pais podem colocar o que quiserem que lhes faça lembrar a criança que nasceu e morreu prematura.  “Estamos a preparar dois modelos, para os pais que ainda estão no hospital e para os que já estão em casa e já não podem criar memórias com o bebé”, conta Cláudia.

As caixas serão semelhantes e terão uma moldura para fotografia ou ecografia, manta, dois peluches - um para os pais e outro que ficará com o bebé - , almofadas com frases, coração em gesso, um saco com pulseira com uma estrelinha, um bloco de notas para que possam escrever cartas ou anotar pensamento e certificado de vida, para os bebés que nascem antes das 24 semanas. 

“Alguém deverá auxiliar ao máximo com a carga mental e física destes pais"

Para a psicóloga Tânia Correia, além do óbvio apoio psicológico, é preciso auxiliar os pais com questões práticas como cerimónias fúnebres. A especialista defende que alguém deverá tomar conta das tarefas do dia a dia como refeições e tratar da casa, de forma a evitar mais carga para os pais que estão de luto. 

“Alguém deverá auxiliar ao máximo com a carga mental e física destes pais", refere. 

A psicóloga reconhece que existe ainda "pouca sensibilidade" da parte dos médicos e que seria essencial existir "um guia de boas práticas" que fosse criado por um equipa multidisciplinar e, obviamente, com um grande contributo de psicólogos. 

"Existem as guidelines práticas, do que fazer com o corpo do bebés, mas no que toca à componente emocional ainda há muito pouca sensibilização e capacidade de dar resposta. Alguns profissionais até podem ser empáticos e querer ajudar, mas falta a competência de como se faz", refere ao Notícias ao Minuto

Sobre o processo de luto em si, Tânia lembra que é necessário os profissionais - e restantes envolvidos - conhecerem-no e não o apressar. "Hoje em dia sabemos que já não nos devemos reger pelas chamadas 'fases do luto', uma vez que é possível e comum uma pessoa saltitar entre elas", assevera. 

"O luto é um processo essencial para processar emoções e ajudar as pessoas a despedirem-se de uma realidade, daquele filho e das expectativas que foram criadas. Só depois disto se pode transformar o que aconteceu numa nova visão, mas isto leva tempo e é preciso respeitar os tempos de cada pessoa", afirma, acrescentando que, no caso de no seio familiar já existirem crianças, é também necessário apoiar os pais na forma como dão a notícia uma vez que "pode haver algum tipo de regressão de comportamento no irmão ou irmã que afinal não recebe uma criança em casa".

"As crianças, explica a especialista, podem voltar a querer dormir com os pais, pedir comida à boca, entre outros, pelo que este pais precisarão de apoio para gerir não só o luto mas também estas possíveis alterações de comportamento. 

Segundo a psicóloga Tânia Correia, eis algumas dicas que podem ajudar:

  • Criar uma caixa de luto com objetos associados ao bebé e que podem ser as mais variadas coisas - desde que façam sentido para os pais: roupas, fotografias, algo que simbolize o bebé. Revisitar a caixa pode ajudar os pais a sentirem-se conectados mas em processo de despedida. 
  • Adiar decisões sobre o que fazer com bens materiais já comprados para o bebé que morreu. Se possível, guardar em lugar seguro até que se sintam confortáveis em decidir o que fazer. "Tudo dependerá da ótica do casal mas deverá levar algum tempo. Aqui a ajuda prática de familiares e amigos é essencial", refere;
  • "É importante os pais saberem que todas as emoções que se lhes cheguem são válidas": zanga, raiva, desilusão, mágoa, tristeza, etc. "Mesmo pensamentos de inveja para com outros pais a quem nada de mal aconteceu são normais e devem ser aceites sem culpa, porque é um mecanismo e super natural", afirma a especialista:
  • Não esconda a dor e tente forçar ultrapassar o processo. 
  • No caso pai, a figura masculina que não perdeu fisicamente o bebé, "não deve tentar ser forte porque acha que assim o deve ser", afirma Tânia. Há a crença de que o pai deve ser forte mas tal pode levar a que a mulher interprete mal a atitude, achando que o homem "não está a sofrer". "Não esconda a dor uma vez que isso pode afastar o casal", reforça a especialista. 
  • Procure associações e grupo de pessoas que também sofreram perdas. Falar com alguém que conhece os seus sentimentos pode ajudar:
  • Lembre-se que este filho que perdeu "também conta". "Que sejam considerados como parte integrante da família, se tal ajudar no luto", assevera Tânia Correia. 

Bissaia Barreto reconhece "importância de valorizar ainda mais este processo”

Em resposta ao Notícias ao Minuto, e questionada sobre o protocolo existente, Teresa Almeida Santos, diretora do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia, Reprodução e Neonatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, refere que a  “equipa multidisciplinar da UCIN da MBB disponibiliza a consulta de Psicologia para as situações de luto parental na morte de bebés prematuros, seja antes ou após a morte do bebé”. 

“Quando os pais aceitam a consulta, é iniciada tão cedo quanto possível, eventualmente ainda do internamento, uma intervenção psicológica de apoio ao luto”, afirma, reconhecendo, contudo, “a importância de valorizar ainda mais este processo”.

Como tal, a equipa de Psicologia estará “a trabalhar num protocolo de intervenção”, assegura a responsável.

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