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"As férias estão a chegar ao SNS. E o caos também"

Um artigo de opinião assinado pelo enfermeiro Pedro Costa, presidente do Sindicato dos Enfermeiros – SE.

"As férias estão a chegar ao SNS. E o caos também"
Notícias ao Minuto

13:50 - 09/06/23 por Notícias ao Minuto

País Artigo de opinião

"Que Verão podemos esperar no Serviço Nacional de Saúde (SNS)? O mesmo de sempre, infelizmente.

Mais doze meses passaram e, na verdade, nenhuma medida de fundo foi adotada para minimizar a escassez de recursos humanos no SNS. As contratações pontuais de enfermeiros, muitas vezes com contratos a prazo e por curtos períodos, mais não fazem do que colocar um penso rápido para estancar por umas semanas - ou uns meses – uma hemorragia que pode ser fatal.

O problema não é novo nem surpreende. Repete-se anualmente. No inverno, na altura do Natal e da Passagem de Ano, e, claro, no verão. Isto porque, pasmem-se, os profissionais de Saúde gozam fé

ias. E, com isso, as escalas que já de si estão muitas vezes no limite do cumprimento das dotações seguras, ficam ainda mais desfalcadas.

Temos um SNS subdimensionado face às reais e atuais necessidades dos serviços e das unidades hospitalares face à crescente procura dos cuidados de Saúde. Hoje, com os horários de trabalho da maioria da população, dificilmente um português que esteja doente, sem gravidade, consegue dirigir-se a um Centro de Saúde durante o horário laboral. A pressão, bem sabemos, é crescente face às ausências, mesmo que devido a motivos tão simples como o estado de saúde.

Não sendo possível dirigir-se a um Centro de Saúde durante o dia, o que faz o português comum quando chega a casa e tem os filhos com febre, a vomitar ou com uma indisposição? Naturalmente recorre à urgência hospitalar. É a única porta que está aberta no SNS 24 horas por dia. E, por isso, é normal que todos os anos, várias vezes ao ano, se vejam notícias a dar conta do inaceitável número de “falsas urgências” no SNS. 

Os doentes portugueses continuam a ver-se forçados a recorrer ao SNS, e mais concretamente às urgências, por falta de resposta nos Cuidados de Saúde Primários (CSP). Sobretudo quando estes deveriam ser a triagem no acesso ao SNS, ali delineando quem necessita de aceder a uma urgência hospitalar ou quem apenas precisa de uma consulta ou medicação para debelar, por exemplo, uma gripe mais agressiva e pode ali de imediato resolver o seu problema.

Não surpreende, assim, a constante pressão a que estão sujeitos os profissionais de Saúde que trabalham em contexto de urgência hospitalar e que se reflete também nos internamentos com taxas de ocupação no limite por ausência da resposta atempada e fulcral dos cuidados de saúde primários. E se, durante o ano, a pressão já é elevada, mais se agudiza em períodos críticos, como sucede, por exemplo, entre os meses de junho e setembro. É normal, e compreensível, que os enfermeiros e demais profissionais de Saúde queiram gozar umas merecidas férias. Trabalhamos diariamente acima dos limites definidos no horário de trabalho, muitas vezes em turnos duplos e triplos porque faltou um colega e a escala de serviço não pode nem deve ficar incompleta.

Mas precisamos de descansar. Os enfermeiros estão exaustos. E, no limite, é a nossa saúde física e emocional que está em risco e, consequentemente, a própria capacidade e eficácia na resposta no atendimento clínico aos doentes, numa fase pós-Covid 19 em que é necessário recuperar consultas, tratamentos, exames, cirurgias, no fundo cuidados de saúde essenciais para a saúde/doença dos portugueses.

No dia 11 de maio, no encerramento da II Convenção Internacional dos Enfermeiros, na Figueira da Foz, o Sindicato dos Enfermeiros – SE, em conjunto com outras estruturas sindicais da classe, entregou um documento ao ministro da Saúde demonstrando a necessidade de retomar as negociações com os enfermeiros. Manuel Pizarro garantiu então aos vários representantes sindicais presentes que retomaria as negociações em junho.

Senhor Ministro da Saúde, estamos em junho, o que falta para agendar a referida reunião? E para finalmente resolver os problemas criados pela interpretação restritiva feita pelas instituições ao Decreto-lei n.º 80-B/2022, que estabelece os termos da contagem de pontos em sede de avaliação do desempenho dos trabalhadores à data da transição para as carreiras de enfermagem e especial de enfermagem?

Mas ainda há muitos outros passos a dar com vista à valorização e dignificação da enfermagem em Portugal. Desde logo, urge eliminar as diferenças entre enfermeiros com Contrato Individual de Trabalho ou com Contrato de Trabalho em Funções Públicas. Não faz sentido que dois enfermeiros trabalhem no mesmo serviço, tenham as mesmas obrigações e responsabilidades e, depois, um trabalhe mais horas ou receba menos que o colega, ou que tenha direito a mais dias de férias, apenas porque o tipo de contrato é diferente. Para trabalho igual devem ser dadas compensações iguais.

Diariamente, os enfermeiros estão sujeitos a uma pressão muito grande, exercendo uma profissão com elevada complexidade e onde têm de lidar de forma constante com a doença e até mesmo a morte, além de toda a dificuldade que é lidar com os doentes e a família em momentos de extrema fragilidade e impotência.

Há muito que os enfermeiros portugueses reivindicam o reconhecimento da sua profissão como sendo de alto risco e desgaste rápido, motivo pelo qual defendem que lhes deve ser concedida a possibilidade de se aposentarem mais cedo.

É importante rever a carreira de enfermagem na sua totalidade, com a conclusão do primeiro Acordo Coletivo de Trabalho para a classe.

É fundamental que se contratem mais enfermeiros para o Serviço Nacional de Saúde e que lhes sejam oferecidos contratos estáveis. Ganham as dinâmicas das equipas e, sobretudo, ganham os colegas que deixam de ser obrigados a fazer turnos consecutivos e horas extraordinárias, com custos pessoais e familiares.

Que sentido faz, quando os quadros de recursos humanos já estão depauperados, não renovar o contrato a dezenas de enfermeiros, como ainda no final de maio sucedeu no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa? É incompreensível quando, neste momento, há relatos de cerca de meia centena de doentes internados em camas e macas e espalhados pelos corredores do CHTS.

Não podemos esperar muito mais tempo. Palavra dada tem de ser palavra honrada. E, por isso, o Sindicato dos Enfermeiros aguarda o retomar este mês das reuniões de negociação entre o Ministério da Saúde e os enfermeiros. Para que, no limite, já no Orçamento de Estado para 2024 sejam adotadas medidas concretas que valorizem a carreira de Enfermagem.

Porque os enfermeiros mudam vidas!"

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