"É necessário que a investigação dos casos seja segura e garanta às vítimas sigilo e um espaço de escuta e acolhimento, em que possam testemunhar sem medo de retaliações. Consideramos absolutamente necessário que a comissão de investigação do caso seja totalmente independente e imparcial em relação ao CES e que sejam criados mecanismos para receber outras denúncias e materiais probatórios", lê-se no documento.
Três investigadoras que passaram pelo CES da Universidade de Coimbra denunciaram situações de assédio num capítulo do livro intitulado "Má conduta sexual na Academia - Para uma Ética de Cuidado na Universidade", publicado pela editora internacional Routledge.
As autoras do capítulo, a belga Lieselotte Viaene, a portuguesa Catarina Laranjeiro e a norte-americana Myie Nadya Tom estiveram no CES, como, respetivamente, investigadora de pós-doutoramento (com uma bolsa Marie Curie) e estudantes de doutoramento.
Os investigadores Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins acabaram por ser suspensos de todos os cargos que ocupavam no CES, até ao apuramento das conclusões da comissão independente que a instituição está a constituir para averiguar as acusações de que são alvo.
Após surgirem notícias sobre o capítulo, os dois investigadores negaram todas as acusações.
Esta carta aberta de um "coletivo internacional de mulheres" foi enviada na terça-feira a responsáveis e associados do CES, com o título "não é difamação, nem é vingança. Sempre foi assédio".
Em declarações à agência Lusa, a representante legal deste grupo de mulheres, a advogada Daniela Félix, explicou que esta carta pretende "dizer que estas violências existiram" e que "é importante ser criado um canal de denúncia, que garanta o sigilo".
"Este canal deve garantir que não haja retaliação, que as vítimas se sintam seguras para fazer denúncias e para juntar provas para a investigação", acrescentou.
A causídica explicou que, depois da publicação do capítulo do livro no qual são denunciadas situações de assédio no CES, chegaram "testemunhos de outras vítimas" à rede de advogadas feministas no Brasil, à qual pertence.
"São três vítimas, uma portuguesa e duas brasileiras, que se sentiram na obrigação de relatar a veracidade do artigo. Não se trata de vingança, cancelamento público ou deslegitimação de toda a vida e obra do professor Boaventura, mas de uma denúncia de que esses assédios ocorreram", alegou.
De acordo com Daniela Felix, as três alegadas vítimas terão sido alvo de "assédio moral, assédio sexual e extrativismo académico com perdas económicas", num período entre 2000 e 2019.
"Estes três relatos, de que damos conta ao CES em carta aberta, são baseados em provas materiais, desde 'emails', mensagens e documentos, a provas testemunhais. Não são denúncias vazias, pois recebemos outros relatos de violência sem prova, que ficaram de fora neste primeiro momento", evidenciou.
A advogada confirmou ainda que em nenhum destes três casos se registou uma queixa formal no CES ou na polícia, porque "as vítimas estavam em posição de vulnerabilidade".
"Nas vítimas brasileiras falamos de vulnerabilidade extrema, porque estavam dependentes de bolsa e longe da família. Falamos também de um processo em que é muito difícil reconhecerem-se enquanto vítimas", justificou.
Em relação às alegadas vítimas, disse ainda que uma delas deixou de trabalhar na área, "porque quis romper a relação doentia com o CES", enquanto as outras duas trabalham "em investigação e carreira académica".
A carta aberta continha ainda o endereço eletrónico querocontarminhahistoriaem23@gmail.com, para acolher outros testemunhos.
"Se também foi afetada pelas práticas abusivas de Boaventura de Sousa Santos e precisa de um espaço seguro para partilhar sua história, conte connosco", concluiu.
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