Yoga ensina reclusos do EPL a saborear a liberdade
A música harmoniosa e os movimentos lentos do yoga, feitos ao compasso da respiração, fazem os reclusos da Ala G do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) esquecerem por momentos que estão privados da liberdade e sentirem-se em paz.
© Lusa
País Prisão
Há oito meses que as manhãs de segunda e terça-feira dos reclusos desta ala, uma comunidade terapêutica, são ocupadas com aulas de yoga dadas por seis professores voluntários que integram o projeto Yoga e Meditação nos Estabelecimentos Prisionais.
No dia em que a equipa da Lusa visitou o EPL, a aula foi dada pela professora Rita Pinto, no projeto desde o início e a registar uma evolução no comportamento dos jovens.
No início, contou, o que era mais evidente era o sentido de alerta dos reclusos: "Muito desconfiados, muito atentos a tudo, sem perceberem muito bem o que é que isto ia ser".
Ao longo das práticas, esse estado de alerta foi diminuindo, com alguns a fecharem já os olhos durante as aulas, a entregarem-se e a aperceberem-se que é "um espaço de confiança".
Ao mesmo tempo, também melhorou a "atenção, o foco, a concentração e estudo", mas, salientou Rita Pinto, o "mais evidente" foi no corpo.
"Já têm mais o cuidado da postura, de se endireitarem melhor. Obviamente que se queixam sempre muito ao longo das aulas, mas isso também faz parte", comentou a professora no "parlatório", uma sala iluminada, com várias janelas, situada junto à zona prisional, onde decorrem as aulas de yoga.
Às 10:00, os portões azuis da Ala G abriram-se e nove jovens entraram no "parlatório", onde os esperava Rita Pinto já posicionada no seu tapete, descalça e com uma pequena aparelhagem de som ao lado.
Calmamente, descalçaram os chinelos, estenderam os respetivos tapetes ao longo da sala e começaram a fazer os movimentos lentos, mas vigorosos, ao som da voz suave da professora que lhes pedia para fazer "uma respiração mais lenta, mais profunda" que se ia tornando mais ofegante no decorrer da aula.
No final, era visível o cansaço, mas também a sensação de liberdade que aquele momento lhes proporcionara.
"Muitas vezes sinto mesmo que não sou um recluso, que sou uma pessoa como as outras, mas privado da liberdade (...). Só por aí se vê que faz algum efeito e é bom sentir isso, coisa que noutras aulas não sentimos", disse Bruno Vieira, 35 anos, preso há dois anos no EPL.
Há cerca de cinco meses, passou para a Ala G para tratar o problema da toxicodependência, uma decisão que disse estar a mudar a sua vida.
"É um sítio bom. Aqui aprendemos muitas coisas, aprendemos a conviver, a estar em certos sítios (...) e aprendemos a dizer não", afirmou Bruno, rematando: "É como se fôssemos todos irmãos. É uma casa de partilhas".
Dali, disse, vai levar "muitas ferramentas para a rua" e espera "não voltar a ser o mesmo que era".
"Perdemos famílias, perdemos tudo. E agora estamos aqui, as famílias sofrem o mesmo ou mais do que nós. Hoje, olho para trás e não tinha necessidade, mas pronto, há pessoas que têm que passar pelos erros para aprender e eu fui uma delas", reconheceu.
Há 20 anos a trabalhar no EPL, a psicóloga Sandra Amaro explicou que na Ala G estão reclusos que pediram por escrito para integrar o programa de reabilitação, tendo que mostrar através de uma entrevista com a equipa técnica a vontade e motivação para fazer o tratamento.
João Guilherme Santos, 23 anos, faz parte do grupo de 24 reclusos em tratamento nesta ala, diferente das outras do EPL, como demonstram as plantas na entrada e um quadro com uma frase budista: "A mudança é dolorosa, mas necessária. Você só encontrará a felicidade se souber se adaptar a ela".
Sobre o projeto de Yoga, resultante de um protocolo entre a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e a Associação Holística em Meios Prisionais (Almaz), disse ser "bastante importante" porque os ajuda a ter respeito pelo outros e lhes dá "ferramentas para a vida".
"Ajuda-nos a educar-nos e a ter respeito uns pelos outros", além de tornar os dias mais leves: "Estar aqui o dia todo a olhar para a televisão também é chato", comentou João Guilherme.
José, 28 anos, também está em recuperação e, tal como os colegas, também sente que as atividades de yoga "são boas" para melhorar a convivência.
"Traz-nos um pouco de paz e um pouco de calma para conseguirmos [conviver], até porque mesmo numa casa com pessoas há sempre chatices e zangas e isto acaba por acalmar um pouco as coisas entre nós", desabafou.
E acrescentou: "Como estamos sem liberdade (...) este tipo de atividades faz com que consigamos sair um pouco do sítio onde estamos. Liberta a nossa mente para outros sítios melhores".
Quando começa a aula de yoga e a porta se fecha, os problemas e as preocupações ficam lá fora, como disse Rita Pinto, realçando que "o yoga é um treino para a vida".
Leia Também: Rastreio ao cancro oral vai abranger quase 4 mil reclusos de 20 prisões
Descarregue a nossa App gratuita.
Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.
* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com