A sentença da troika à Justiça portuguesa

A 17 de maio de 2011 entrou em vigor o programa de ajustamento em Portugal, que hoje abandona terras nacionais, e que deixou marcas neste últimos três anos que ficarão para sempre na memória dos portugueses. A área da Justiça também não escapou. O Ministério da Justiça foi o primeiro a sair das mãos da troika, em março de 2014, mas será que houve um efeito positivo no setor? As opiniões entre advogados e juristas são controversas.

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Andrea Pinto, Zahra Jivá
17/05/2014 08:54 ‧ 17/05/2014 por Andrea Pinto, Zahra Jivá

País

Pós-troika

No que concerne à Justiça, a troika determinou que o ministério deveria agilizar a justiça económica, para a preservação de empregos e para tornar mais atrativo o investimento em Portugal. Isto em 2011. Para isso, foram elaboradas algumas reformas pela ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, como, a reorganização dos tribunais, a redução dos processos pendentes e a criação de meios alternativos de resolução de litígios e, ainda, a criação de um novo mapa judiciário.

Rui Pinto Gonçalves, advogado, explica, em entrevista ao Notícias ao Minuto, que viveu em primeira mão as reformas que foram surgindo ao longo destes três anos e garante que “as alterações foram relevantes e que há hoje mais eficiência, sendo que, nos últimos 10 anos tem-se vindo a denotar uma maior simplificação e celeridade que os últimos três anos mantiveram”.

Carlos Pinto Abreu, galadoardo com o prémio de melhor advogado do Ano em Direito Criminal, tem uma posição bastante diferente de Rui Pinto Gonçalves. “A troika não chegou a ser intrusiva ou cirúrgica. Não foi ao fundo dos males. A extração dos ‘pontos negros’ não equivale à resolução de problemas endémicos ou sequer à satisfação de quem se vê obrigado a recorrer à justiça. Muito menos é sinónimo de eficácia ou de melhoria da qualidade da justiça”.

Sendo que o interesse de todos era agilizar a justiça em Portugal, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, José Mouraz Lopes, conta qual foi o impacto que estas reformas tiveram junto dos juízes. “Os juízes e quem trabalha nos tribunais são os maiores interessados em resolver os processos com a maior rapidez possível. Mas fazer justiça implica também qualidade nos procedimentos e justeza nas decisões”. O responsável referiu, ainda, que tem a esperança de que estas reformas “permitam atingir o que todos querem: uma justiça mais rápida e eficaz para todos os cidadãos, sem perda da qualidade do serviço de justiça”.

Relação entre o cidadão e a justiça

Carlos Pinto Abreu foca-se numa questão que parece ter sido esquecida por muitos. Como ficam os cidadãos com tantas alterações?

“A decisão de eliminar tribunais retira a proximidade de um tribunal que confere à população uma noção de segurança e assume, não raras vezes, uma eficácia preventiva ou mesmo dissuasora. Quando se afasta o decisor e o tribunal do local onde os factos ocorrem, a eficácia preventiva e dissuasora diminui drasticamente. O efeito de exemplo desaparece ou fica muito mitigado. Isto para não falar nos custos sociais e na ausência de ganhos significativos, mesmo do ponto de vista estritamente económico”.

Lembra também que “o cidadão está a ser sistematicamente afastado da justiça, física, financeira e psicologicamente. Tribunais mais distantes, o que significa custos muito acrescidos. Menos processos instaurados, menos pendentes, mais eficácia? Isto não tem nada que ver com resolução. É triste, mas a justiça não está melhor, e é lamentável que continue a ser vista com a cegueira de pretensas razões economicistas. Vemos alguém preocupado com a qualidade dos actos e das decisões?”.

“Faz algum sentido poupar-se na Justiça? Não. Faz é sentido não desperdiçar os recursos afectos à Justiça. Com salas de audiência a meter água e instalações desprovidas de condições humanas, dignas e decentes. Muita ignorância, superficialidade e incompetência. Uma procura desenfreada de mediatismo e de popularidade. Não de qualidade. Consequência: abastardamento da justiça e, claro, desrespeito pelos direitos dos cidadãos. A dignidade é supérflua? A seriedade dispensável? A profundidade é um luxo?”, questiona-se Carlos Pinto Abreu.

“Novo Mapa Judiciário não é uma varinha mágica”

Uma das reformas elaboradas por Paula Teixeira da Cruz passou pela criação de um novo mapa judiciário, que visa uma maior centralidade judicial, mas que deixa muitos de ‘pé atrás’.

“Sou crítico em relação ao novo mapa na medida em que, mais uma vez, penaliza seriamente o interior de país sempre preterido ao longo os últimos 40 anos. O encerramento de maternidades ou de Tribunais, torna o interior mais interiorizado e necessariamente mais despovoado”, conta Rui Pinto Gonçalves.

Já uma fonte judicial, que preferiu manter o anonimato, garante ao Notícias ao Minuto que “o Novo Mapa Judiciário não é uma varinha mágica”. Isto porque os atrasos na resolução dos processos, que estão “cada vez mais complexos” e a “diferença abissal entre o número de mega-processos que aparecem em Lisboa ou Porto” são problemas que “o novo Mapa não vai resolver”.

Por outro lado, o Presidente da Associação dos Juízes Portugueses mostra-se pereocupado com esta nova alteração e afirma que "teria sido melhor ter optado por um outro modelo de implementação do mapa”.

António Mendes, advogado Fiscal da ABCLEGAL, conta que “a grande virtualidade que a reforma do mapa judiciário apresenta é a especialização, por via da criação de 390 secções de justiça especializada, pois mais importante do que ter muitos juízes a decidir é ter juízes que decidam bem. A especialização é uma consequência natural da evolução socio económica, à qual o sistema judicial não pode ficar alheio”.

No entanto, com um pensamento mais pessimista, Carlos Pinto Abreu, revela que esta medida é completamente caótica. “Não seria muito mais inteligente em vez de parar o país ir gradualmente alterando o mapa sem um cataclismo anunciado?”, questiona.

Relativamente à data de entrada em vigor do novo mapa judiciário, Carlos Pinto Abreu, acrescenta, “entra? Bom, desde logo veremos se entra. Resposta sincera? Não faço ideia”

A melhor reforma elaborada pela ministra

Uma das apostas da ministra da justiça passou pela digitalização e informatização de todos os processos para o aumento da eficiência da justiça, Rui Pinto Gonçalves afirma que “terá sido das reformas com mais sucesso de sempre na Justiça”.

O ‘drama’ do Código do Processo Civil

“Não sendo perfeito o novo Código de Processo Civil tem, a meu ver, defeitos em vários pormenores, sendo excessivamente rigoroso na matéria de adiamento de audiências, ou excessivamente limitativo em matéria de recursos sendo criticável na generalização da chamada “dupla conforme” ou seja, da impossibilidade de recurso. Ttal regra deveria ser flexibilizada”, explica Rui Pinto Gonçalves..

Em contrapartida, José Mouraz Lopes, presidente da ASJP, conta que “o novo Código de Processo Civil tem um conjunto de medidas simplificadoras que permitem agilizar o procedimento, nomeadamente na ‘chegada’ à decisão final. Eliminação de alguns atos, processo ‘único’, encurtamento de alguns prazos, simplificação de procedimentos. Tudo isto implica, por outro lado, uma mudança substancial nas práticas dos juízes, advogados e outros profissionais, o  que exige a alteração de uma ‘cultura’ de muitos anos. Os resultados nunca poderiam ser imediatos. Os primeiros meses de aplicação parecem demonstrar que a cultura de agilidade está a ser conseguida”.

Com a entrada do novo Código de Processo Civil e alteração das regras do funcionamento da penhora de saldos bancários, só nos primeiros 8 meses de funcionamento foram penhorados cerca de 115 milhões de euros, quando no ano anterior a recuperação rondou os 2 milhões de euros.

Balanço dos três anos

Ninguém ficou indiferente aos três anos vividos sob a autoridade da troika, e apesar de ter sido a área a sair em primeiro lugar das reformas impostas pela troika, em 2014, as opiniões entre os advogados e juristas foram bastante diferentes.

“Vejo a falência do país em geral como uma oportunidade de mudança de hábitos e uma possibilidade de alteração estrutural”, assinala Rui Pinto Gonçalves.

No entanto, o advogado revela que no geral o balanço que faz é positivo pois, “o que se procura mais do que resolver a contingência da dívida é garantir que a máquina de Portugal, se torne mais eficiente e não há países eficientes sem a Justiça eficiente”.

“A nossa Justiça é manifestamente boa, das melhores do mundo. Quanto à justeza e credibilidade das decisões, precisa de ser célere sem perder segurança e esse é um desafio que não foi totalmente ganho mas não foi totalmente perdido”, remata.

Contudo, o presidente da ASJP garante que para que seja considerado um verdadeiro sucesso, não se deveriam limitar as condições de trabalho. “Não pode haver reformas legislativas sem a motivação das pessoas que trabalham no sistema. E isso não se consegue com restrições graves nas suas condições de trabalho”.

Carlos Pinto Abreu remata indignado com a desresponsabilização e despreocupação com todos os problemas que vêm a afetar Portugal.  “O sistema só vai tendo resultados devido ao esforço de todos os profissionais que se empenham muito para além dos limites do insuportável com sacrifício pessoal e familiar. Mas enquanto isso sucede outros fazem bem menos que aquilo que lhes seria minimamente exigível. E todos são tratados de igual forma. Tudo se afunda num caldeirão de inércia e de desresponsabilização. Desmotivam-se os bons profissionais e são admirados ou não incomodados os que nada fazem ou os que cedem aos interesses. É difícil fugir a este quadro instalado. É preciso, pois, sobretudo, uma mudança de mentalidades e de práticas”.

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