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Licenciatura em Enfermagem - Um (grande) negócio do Ensino Superior

Um artigo de opinião assinado por Eduardo Bernardino dirigente do Sindicato dos Enfermeiros – SE, enfermeiro, mestre em Gestão em Saúde e cidadão preocupado com o estado atual do SN

Licenciatura em Enfermagem - Um (grande) negócio do Ensino Superior
Notícias ao Minuto

13:13 - 07/02/23 por Notícias ao Minuto

País Artigo de opinião

"E se eu vos pudesse demonstrar através de evidências que a licenciatura em Enfermagem é um grande negócio para as escolas de Enfermagem, para o Ensino Superior, e que devido a este aproveitamento, a profissão não evolui devidamente como deveria, através da criação de um Internato em Enfermagem, com Enfermeiros devidamente especializados em determinadas áreas e que inclusivamente este grande entrave não permite uma gestão económica da profissão, com maior vencimento remuneratório ao longo da vida ?

Pois é… é o que farei de seguida. Sei que será um tema polémico, mas que tem de ser falado, debatido e inclusivamente mudado! 

O Ensino de Enfermagem em Portugal, no atual momento, é feito de forma a criar 'formigas' obreiras, generalistas, todas iguais, com a mesma formação, pagas a preço vergonhoso no mercado de trabalho, quando ingressam no mesmo. Se se querem especializar a posteriori, terão de pagar novamente para o fazer!

Se a formação é feita no ensino público, fica em cerca de 700 euros / ano (consultada a propina de licenciatura para a ESEL, do ano 2022/2023, como referência para este valor). Tendo em conta que uma licenciatura em Enfermagem demora 4 anos, será um total de 2800 euros o curso de Enfermagem lecionado no Ensino Publico. Se quiser tirar uma especialidade, posteriormente nunca o fará por menos de 2500 euros por 10 meses!

Caso seja no ensino privado (e tendo em conta a propina da Universidade Católica como referência), a formação por aluno para a licenciatura em Enfermagem será realizada por 5615 euros. Se quiser tirar uma especialidade posteriormente, nunca o fará por menos de 3500 euros por 10 meses!

Se olharmos para as vagas de 2022 (disponível em https://www.dges.gov.pt/guias/indcurso.asp?curso=9500), tendo em conta que foram todas preenchidas e dividirmos o ensino por publico e privado:

Depressa percebemos que no ensino publico existe a formação anual de 1736 enfermeiros, com um encaixe financeiro de 4 860 800 euros de 4 em 4 anos - cerca de 5 milhões de euros de 4 em 4 anos!
Já no privado existe uma formação anual de cerca de 1122 enfermeiros (há 2 instituições que não declaram números, portanto o número será sempre superior), com um encaixe financeiro de 6 300 030 euros de 4 em 4 anos - cerca de 6 milhões de euros de 4 em 4 anos!

Estamos apenas a falar de formação realizada para Enfermeiros generalistas, formigas trabalhadoras, iguais, prontas para ser distribuídas no mercado de trabalho, com formação igual, para tarefas diferentes em contextos e realidades totalmente diferentes!

A formação em si, é assustadoramente deficitária. São sistemas ultrapassados, que dão formação teórica base do curso, em que a posteriori são enviados para diferentes locais de estágio (sendo completamente diferentes as estruturas dos cursos de escola para escola). 

O mais complicado de entender é que existem alunos que chegam ao mercado de trabalho, Enfermeiros reconhecidos pela Ordem dos Enfermeiros, sem nunca terem tido contacto com a verdadeira prática, tendo apenas passado por clínicas como locais de estágio ou lares de idosos, por exemplo.

São recém licenciados, formigas obreiras, que chegam ao mercado de trabalho completamente sem preparação, sem noção da realidade, SEM CULPA, mas que cabe aos colegas mais experientes orientar, ajudar, e tentar minimizar os danos iniciais. Este é um processo desgastante quando não existem racios / profissionais suficientes para poder fazer este processo com qualidade… um processo que já deveria ter sido iniciado no curso base.

Pessoalmente, sempre disse desde que comecei a trabalhar, que “agora é que estava preparado para tirar o curso” … e nada é mais verdadeiro, pois é quando começamos a praticar que percebemos o que deveríamos ter percebido a estudar.

Este é o grande paradigma da formação na profissão que tem que ser invertido e mudar! Cada vez faz mais sentido o internato de Enfermagem, à semelhança do internato médico… onde deverá existir um tronco comum básico e caso o aluno assim o entenda, ficar por esse tronco e apenas poder exercer Enfermagem em determinadas valências e existirem troncos específicos, que permitirão ao Enfermeiro realizar a especialidade automaticamente em determinadas áreas da profissão específicas - Bloco Operatório, Cuidados Intensivos, Serviços de Urgência, Internamentos Hospitalares, Cuidados Paliativos, Cuidados Primários de Saúde, Saúde Materna e Obstétrica, Pediatria, Neonatologia, Psiquiatria, etc.

Deverá ainda existir o exame de acesso à especialidade, bem como o exame ao exercício da profissão, tal como existe em muitas outras profissões e deverão ser regulamentadas as vagas a nível nacional para estas candidaturas. Só assim e desta forma se conseguirá controlar objetivamente as necessidades de profissionais e elaborar mapas de pessoal de Enfermagem.

Mas mais importante que tudo isso, o Enfermeiro, caso entenda ingressar pela Especialidade, deverá ser remunerado por isso e não pagar a sua especialidade como o faz atualmente!!! Porque é que um médico quando está a tirar a especialidade é já pago pelo estado para tal (pois já é um Médico reconhecido) e um Enfermeiro tem que pagar a especialidade do seu bolso se a quer fazer no futuro ?

Mas porque é que este modelo não avança?

Recordemos novamente o problema da formação…. das Escolas de Enfermagem no país. Primeiramente, depressa compreendemos que os professores existentes nas mesmas são docentes, pessoal dedicado completamente e apenas ao ensino teórico, muitos deles tendo terminado o curso e investido apenas na formação, continuando na escola sem nunca ter tido contacto com a prática. Em boa verdade são professores e não Enfermeiros, pois encontram-se completamente afastados da prática. Este é o maior problema do Ensino de Enfermagem em Portugal… as escolas serem compostas por professores e não Enfermeiros, e insistirem no ensino teórico e na investigação quando na verdade não estão no campo, na prática.

Se olharmos para os 'internos de Medicina', depressa percebemos que desenvolvem investigação durante o curso, que publicam artigos e que estudam e trabalham ao mesmo tempo. Este deve ser claramente o caminho… produzir investigação científica em função do exercício profissional e não apenas nas escolas ou nas especialidades lecionadas pelas escolas.

Depois, os chamados ensinos clínicos são realizados por Enfermeiros da prática, mas não existe qualquer tipo de incentivo para que esta orientação seja realizada, havendo apenas reuniões de orientação com esses mesmos professores ao longo do estágio do aluno para falar sobre modelos teóricos e estudos de caso que nem os próprios orientadores estão orientados sobre essa matéria… 

E finalmente… as especialidades existentes na profissão, que são uma grande amálgama de matéria em que tudo serve para meter nesse mesmo universo… vejamos por exemplo uma especialidade médico cirúrgica, que serve para tudo no fundo… e não se aplica em nada, na prática!

Enquanto não houver força interna, quer da Ordem dos Enfermeiros, quer do Governo, para mudar todo este sistema radicalmente temo que estaremos reféns de formação deficitária básica no curso, fantástica em produzir formigas trabalhadoras para desempenharem funções no estrangeiro (pois não são diferenciados, e são perfeitos para trabalhar em qualquer lugar! ), e manter esta produção astronómica monetária para as instituições enriquecendo-as cada vez mais e mais sem rentabilizar a verdadeira formação.

É urgente criar o Internato de Enfermagem!

É urgente inserir a especialidade inserida automaticamente no curso de Enfermagem, caso o formando assim o entenda!

É urgente criar mecanismos reguladores das vagas de trabalho criando assim concorrência saudável no mercado de trabalho!

É emergente reestruturar toda a estrutura do Ensino em Enfermagem em Portugal e acabar de uma vez por todas com este negócio!"

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