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Possível extorsão, acusações e o Football Leaks. O que disse Rui Pinto?

Rui Pinto admitiu perante o coletivo de juízes poder ter cometido uma tentativa de extorsão, assumiu que o projeto Football Leaks lhe deixou a "vida de pernas para o ar" e mesmo algumas contradições.

Possível extorsão, acusações e o Football Leaks. O que disse Rui Pinto?
Notícias ao Minuto

13:52 - 07/11/22 por Lusa

País Football Leaks

Após quatro sessões em que respondeu a perguntas do coletivo de juízes, o criador da plataforma eletrónica Football Leaks recusou-se hoje a prestar mais declarações no processo em que é arguido e acusado de um total de 90 crimes.

Perante o coletivo de juízes, Rui Pinto reconheceu que pode ter cometido o crime de tentativa de extorsão em relação à Doyen no processo Football Leaks, admitindo "a falta de consciência" e "infantilidade" da sua conduta.

"Não tinha a devida consciência, nunca tive ideia de que aquilo poderia constituir uma tentativa de extorsão. Hoje em dia, reconheço que o comportamento que tive pode ser enquadrado num crime de extorsão na forma tentada. Mas, naquela altura, agi com a maior naturalidade", afirmou, durante o julgamento, que decorre no Juízo Central Criminal de Lisboa.

Rui Pinto referiu que o email enviado sob o nome Artem Lobuzov "não foi criado especificamente para o contacto com Nélio Lucas [antigo CEO do fundo de investimento Doyen]", mas que acabou por ser utilizado somente nessa situação.

"Sinto-me envergonhado por esta situação. [...] Foi tudo uma infantilidade, nem imaginava que Nélio Lucas ia responder a isto. Isto começou como uma provocação. Foi feito à revelia dos outros participantes no projeto, que não sabiam de nada. Acabei por lhes contar no final do mês de novembro, fiquei logo envergonhado na altura e hoje ainda tenho mais vergonha. Não me sinto nada confortável a ler isto", assumiu.

A responder às perguntas dos juízes sobre esta parte da acusação e o porquê de ter estabelecido este contacto com o CEO da Doyen apenas três dias depois de lançar a plataforma eletrónica, Rui Pinto vincou que queria apenas mostrar a Nélio Lucas o tipo de documentação a que tinha acesso. "Estava a 'dar-lhe música' para o apertar um bocadinho", resumiu.

"Nunca devia ter acontecido, mas a verdade é que aconteceu. Ele foi respondendo e as coisas foram escalando", considerou, assegurando aos juízes que sugeriu "aleatoriamente" o valor entre 500 mil euros e um milhão de euros para resolver a questão da informação da Doyen: "Já que Nélio Lucas me deu conversa no início, queria ver até onde ia chegar. Foi o valor que me veio à cabeça naquele momento".

O arguido afirmou inclusivamente que, para ele, extorsão era então "um palavrão como outro qualquer", reiterando por várias vezes a "trapalhada" que esta situação representou.

Por outro lado, disse não ter explicação para os valores que iria auferir no suposto contrato a estabelecer com a Doyen (25 mil euros anuais por cinco anos), muito abaixo dos 300 mil euros que caberiam a Aníbal Pinto, o advogado que o estava a representar nesta matéria, e que também é arguido no processo.

O arguido acusou a Polícia Judiciária (PJ) de ter colocado a sua vida em risco por, alegadamente, ter partilhado a sua identidade com o fundo de investimento Doyen em novembro de 2015, visando diretamente o inspetor-chefe Rogério Bravo, cuja atuação neste caso já chegou a ser investigada, e alegou que a Doyen -- que é assistente no processo -- chegou a contratar pessoas para irem atrás dele na Hungria.

"Rogério Bravo fez um negócio com Nélio Lucas em novembro de 2015. Esse negócio pressupunha uma troca de informações: Nélio Lucas entregava o relatório da Marclay [empresa de cibersegurança contratada para investigar a intrusão informática] e a PJ entregava o nome do suspeito -- o meu nome. E foi o que aconteceu. No dia 26 de novembro de 2015, a PJ entregou o meu nome a Nélio Lucas, colocando a minha vida em risco", afirmou.

O arguido assumiu ter "perfeita noção" de estar a proferir declarações que "contradizem bastante" aquilo que disse no primeiro interrogatório judicial, e atribuiu essa diferença ao contexto vivido no início de 2019, quando foi detido na Hungria, e às dificuldades que revelou ter passado enquanto esteve detido em solo húngaro.

O criador da plataforma Football Leaks, que negou ter sido o autor de sabotagem informática ao Sporting, um dos crimes pelos quais responde em julgamento, admitiu que o projeto Football Leaks lhe deixou a "vida de pernas para o ar".

"A verdade é que o crime, mesmo com boas intenções, não compensa. Sabendo o que sei hoje, não me voltaria a meter numa coisa destas. A minha vida está de pernas para o ar, a minha família tem sofrido bastante e o que me custa é o facto de todos os envolvidos nas denúncias... nenhum deles ficou em prisão preventiva", disse.

Apesar de assumir que "foram cometidos erros" no projeto Football Leaks, Rui Pinto enfatizou os "grandes benefícios" para a sociedade com a revelação de "informação que de outra maneira não teria sido conhecida".

"O dinheiro foi resolvendo as coisas e eu fui a única pessoa que ficou privada da liberdade, fiquei ano e meio privado da liberdade. Foram vários meses em isolamento, apenas com um contacto semanal com a família", referiu.

O criador da plataforma que expôs muitos documentos ligados a clubes de futebol portugueses e internacionais lembrou também a sua colaboração com as autoridades, nomeadamente as autoridades francesas, sem deixar de atirar críticas aos principais escritórios de advogados, que apelidou de "arquitetos dos maiores esquemas de branqueamento e fraude fiscal" e criticou o uso de sigilo entre cliente e advogado para proteção da prática de crimes.

"Entendo que não posso ser eu a mudar as coisas, não sou eu a mudar o mundo. Têm de ser as autoridades. Apesar disto, não deixei de tentar lutar pela transparência, até pela colaboração com as autoridades. A colaboração mais decisiva ocorreu com as autoridades francesas, que têm mostrado sistematicamente um grande desejo de contar com a minha ajuda", salientou.

Paralelamente, Rui Pinto assumiu também a sua responsabilidade pela obtenção da informação sobre o caso Luanda Leaks, a contribuição para o lado ucraniano na guerra com a Rússia numa vertente tecnológica, e rejeitou ser o autor do blogue 'Mercado de Benfica'.

A próxima sessão do julgamento, que começou em setembro de 2020, está marcada para a próxima segunda-feira, mas só se realizará caso subsistam dúvidas ou os advogados queiram consultar documentação.

As alegações finais do caso estão marcadas para 04, 05 e 06 de janeiro do próximo ano.

Rui Pinto, de 33 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto de 2020, "devido à sua colaboração" com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu "sentido crítico", mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.

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