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Assédio sexual. Acórdão detalha ações de Miguel Afonso e Samuel Costa

O treinador Miguel Afonso e o dirigente Samuel Costa tiveram comportamentos de assédio sexual e discriminação com cinco jogadoras de 18 e 19 anos, no primeiro caso, e duas de 21, no segundo, nota o acórdão do processo.

Assédio sexual. Acórdão detalha ações de Miguel Afonso e Samuel Costa
Notícias ao Minuto

23:15 - 04/11/22 por Lusa

País Assédio sexual

A decisão do Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), a que a Lusa teve esta sexta-feira acesso, elenca e detalha um padrão de comportamento que, no caso do treinador, passa por repetidas mensagens e pedidos de fotografias do corpo das jovens futebolistas a colocar a mão na perna de uma delas, e no caso do dirigente o 'bullying' e discriminação em função da orientação sexual de atletas, a partir da análise dos "factos julgados provados".

Já esta sexta-feira, fonte da Procuradoria-Geral da República confirmou à Lusa que o Ministério Público abriu um inquérito aos casos de assédio sexual no futebol feminino.

"Confirma-se a instauração de inquérito relacionado com a matéria", respondeu a fonte à Lusa.

O CD da FPF condenou na quinta-feira o técnico, de 40 anos, pela "prática de cinco infrações disciplinares" muito graves, decorrentes de "comportamentos discriminatórios em função do género e/ou da orientação sexual", punindo-o com 35 meses de suspensão e 5.100 euros de multa, enquanto Samuel Costa, de 36, cumprirá ano e meio de suspensão, por três infrações muito graves, com 3.060 euros de multa.

Foram ambos suspensos pelo Famalicão.

Tanto um como outro demonstram ainda uma preocupação com o "segredo" destas interações com atletas, que aconteceram em vários clubes -- Miguel Afonso no Rio Ave, na época 2020/21, e Samuel Costa no Vitória de Guimarães (2019/20), e depois no Valadares Gaia (2021/22), antes de chegarem ao Famalicão em 2022/23.

Miguel Afonso agiu sobre as cinco vítimas a partir da preparação da época 2020/21, quando três tinham 18 anos e outras duas 19, partindo, na maior parte dos casos, de um convite para integrarem o plantel vila-condense para mensagens de teor pessoal.

Estas abordagens, pode ler-se na decisão, deixavam as jogadoras "nervosas e tristes, inferiorizadas enquanto mulheres e futebolistas", bem como condicionadas na sua prática desportiva, ao serem importunadas e assediadas por um seu superior hierárquico.

O padrão é similar, com vários pedidos às jovens para que elogiassem o treinador, seguindo-se considerações sobre os seus corpos ou exercícios físicos, sempre com a nota para o "segredo" das trocas, além de pedidos de envio de material, de fotografias a áudios, e perguntas explícitas de teor sexual.

Num dos casos, a jogadora acabou relegada ao plantel sub-19, após quebrar o sigilo que lhe foi pedido, e acabou por deixar o futebol, e outra das atletas acabou por pedir baixa médica, ponderando abandonar o desporto, já depois de ser questionada sobre a orientação sexual, receber pedidos de fotos do corpo e convites para encontros, mesmo manifestando desconforto com a situação.

Uma das atletas de 19 anos, que já estava nos escalões de formação do clube antes da chegada de Miguel Afonso, foi tocada na perna, de forma inapropriada e tendo manifestado desagrado o mesmo comportamento repetiu-se, após o treinador saber de uma lesão de que sofria nas virilhas.

Em maio de 2021, quase no final da época, as atletas souberam dos casos umas das outras, dando conhecimento das mensagens, em cujas impressões digitais das mensagens trocadas na plataforma 'Messenger' assenta grande parte da acusação.

O diretor para o futebol feminino, Tiago Garcia, fala com a direção do clube, e o presidente, Silva Campos, é uma das testemunhas no processo, revelando desconhecer o teor das mensagens, mas não renovando com o técnico, que deixou o emblema vila-condense pouco depois.

Antes de sair, Miguel Afonso ainda conversou com as atletas em "pelo menos duas ocasiões", intimando-as a não revelar os contactos, numa época em que o Rio Ave foi campeão da zona Norte da III Divisão, subindo de escalão.

No caso de Samuel Costa, o primeiro caso passa-se na época 2019/20, quando trabalhava no Vitória de Guimarães, ao dar boleia a uma jogadora de 21 anos, a abordou não só a orientação sexual como por conversas do balneário, várias vezes com teor sexual.

Na época de 2021/22, trabalhou na equipa B do Valadares Gaia, tendo ficado encarregado de ajudar, com boleias, uma outra atleta, ex-Vitória de Guimarães, até Vila Nova de Gaia, tendo humilhado e insultado esta futebolista.

Em 26 de novembro de 2021, foi abordada por Samuel Costa e outros membros do clube, confrontada com a possibilidade de sair dos gaienses, sendo depois contactada por uma diretora do emblema, preocupada com a atleta, que acabou por sair do clube, primeiro, e não se encontra atualmente inscrita na FPF.

Em ambos os casos, o CD da FPF ouviu os argumentos da defesa, que assentavam, no caso de Miguel Afonso, em alegadas inconstitucionalidades e irregularidades no processo, por um lado, e no "contexto" das mensagens, por outro, e no caso de Samuel Costa sobretudo nesse "contexto", tendo mantido a decisão.

"A prova produzida pelas defesas não possui o condão de afastar o que resulta dos elementos probatórios acima escalpelizados", pode ler-se na decisão.

No entendimento do CD da FPF, que decidiu de forma unânime, os arguidos utilizaram "prerrogativas" que permitiam condicionar as jovens, seja na permanência nos plantéis ou no "desenvolvimento pleno", com Samuel Costa a intentar também na discriminação em função de género e da orientação sexual.

"Relativamente às cópias das mensagens em causa, os arguidos não negaram, nem mesmo quando inquiridos ainda no decurso da fase de inquérito, (...) a autoria das mensagens em causa".

É sobre o teor destas comunicações que se sustenta "o juízo decisório sobre a matéria de facto alegada na acusação", face à "posição dominante" que os arguidos tinham sobre as atletas, nos vários casos, o que poria em causa o "livre desenvolvimento da sua atividade desportiva", além de comportamentos que "atentavam contra a dignidade humana, honra e consideração das visadas".

O presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, foi uma das testemunhas, detalhando como foi contactado e apoiou o recurso a uma denúncia anónima, após o jornal Público lançar uma reportagem sobre o caso, em setembro.

Esta condenação é passível de recurso, para o Conselho de Justiça ou o Tribunal Arbitral do Desporto.

Leia Também: MP abre inquérito a Miguel Afonso por casos de assédio sexual a jogadoras

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