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Monkeypox. "O vírus é tão competente a infetar homens como mulheres"

Mário André Macedo, enfermeiro no Hospital Fernando Fonseca e especialista em saúde pública, é o convidado do Vozes ao Minuto desta sexta-feira.

Monkeypox. "O vírus é tão competente a infetar homens como mulheres"
Notícias ao Minuto

08:45 - 27/05/22 por Marta Amorim

País Monkeypox

Um dia depois de a Direção-Geral da Saúde (DGS) confirmar que Portugal está a encetar diligências no sentido de constituir uma reserva nacional de vacinas, através do mecanismo europeu, e de admitir que "está a ser estudada a eventual necessidade de administrar a vacina a contactos de casos confirmados e a profissionais de saúde, no contexto deste surto", Mário Macedo defende esta abordagem. Para o especialista em saúde pública, a estratégia passa por "vacinar em anel" - infetado e seus conctactos de risco, sendo que para este último grupo crê que se deve dispensar o isolamento de 21 dias. 

Mário André Macedo é enfermeiro, mestre em saúde pública e especialista em saúde infantil. Trabalha no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca. 

Em conversa com o Notícias ao Minuto, o enfermeiro desmistifica o vírus Monkeypox e critica as comunicação da doença lamentando que ainda não tenha sido possível "recuperar dos danos feitos no início".

Embora reforce que "não há motivos para alarme", Mário Macedo nota que "há motivos para preocupação", chamando a atenção para a "janela de oportunidade para erradicar o vírus".

Não creio ser necessário isolar os contatos de risco, basta informação sólida e rigorosa de como proceder nos próximos 21 dias

Há motivos de alarme em Portugal tendo em conta o número de casos de Monkeypox?

Não há motivos para alarme, mas há motivos para preocupação. Não ganhamos nada em permitir que um novo vírus seja introduzido na comunidade. Na Nigéria, este vírus apresenta uma mortalidade de 3,3%. Em Portugal, fruto de um melhor acesso aos cuidados de saúde, a mortalidade será bem menor, possivelmente inferior a 1%. Mas atingirá, de forma desproporcional, a população mais jovem e com problemas de imunidade. Estamos dentro da janela de oportunidade para erradicar o vírus e impedir que se instale, temos de agir!

A DGS avança que Portugal participará na compra de vacinas através da União Europeia. Qual a sua opinião sobre a vacinação contra este vírus?

A vacina específica para o vírus monkeypox (JYNNEOS, também conhecida por Imvamune) é bastante recente, não existem dados sobre a sua eficácia em situação real. A vacina da varíola produz uma imunidade cruzada contra este vírus, cuja proteção está quantificada em 85%. É a melhor estratégia a seguir para controlar surtos deste vírus, em conjunto com a disponibilização de informação à população, formação aos profissionais, acesso rápido a diagnóstico e isolamento de contactos.

Transmissão é essencialmente através de contacto direto - pele com pele; e indireto - através de roupa ou lençóis infetados

Que tipo de plano e modelo de vacinação deveria Portugal seguir?

Numa doença com baixo poder de transmissão, e cuja transmissão é essencialmente através de contacto direto - pele com pele; e indireto - através de roupa ou lençóis infetados, a estratégia passa por vacinar em anel. Ou seja, vacinar a pessoa doente, pois temos uma janela de 4 dias onde a vacina ainda é eficaz e produz benefícios, e vacinar todos os contactos de risco da pessoa doente. Desta forma, criamos um anel protetor, que irá romper as cadeias de transmissão.

Estamos perante um vírus capaz de causar surtos, mas não uma pandemia

Podemos estar perante um novo vírus pandémico?

Dificilmente. A não ser que surja algum tipo de mutação, que torne o vírus mais competente na transmissão entre humanos, estamos perante um vírus capaz de causar surtos, que podem chegar a algumas centenas de casos, mas não uma pandemia. No pior cenário, o vírus encontra um reservatório animal em Portugal. Desta forma, pode de forma cíclica, provocar surtos na população.

Podemos dizer que o surto em Portugal esteja a afetar mais os homens? Alguma explicação?

O vírus circula em Portugal desde o fim de março. Por ser uma doença nova, inesperada e que facilmente se confunde com outras doenças, teve oportunidade de criar cadeias de transmissão que passaram despercebidas ao sistema de vigilância. Nós apenas identificámos 58 casos, na realidade serão mais, que ou nunca procuraram observação médica, ou que procuraram, mas não foram diagnosticados. Assim, não podemos afirmar que o surto em Portugal afeta mais os homens, mas que as cadeias de transmissão que identificamos são, na sua maioria, de homens.

A doença afeta mais os homens ou essa tendência está associada a este surto?

O vírus é tão competente a infetar homens como mulheres. O risco não está no sexo da pessoa, o risco encontra-se nos comportamentos e exposição. 

A comunicação começou por ser bastante mal conduzida e ainda não foi possível recuperar dos danos feitos no início

Referiu já que os sintomas por vezes são apenas lesões cutâneas e que a comunicação desta doença está a ser mal conduzida? Para que tipo de lesões devemos alertar? 

Em Portugal, temos observado que a maioria dos sintomas manifestam-se por lesões cutâneas locais, ao invés de lesões generalizadas. Tem sido igualmente raro o envolvimento sistémico (sem febre, dores de cabeça ou musculares), o que sugere uma menor virulência do vírus em circulação. Também dificulta a identificação e correto diagnóstico. A comunicação começou por ser bastante mal conduzida e ainda não foi possível recuperar dos danos feitos no início. Foi afirmado que seria uma "epidemia entre homossexuais". Ora, esta comunicação tem três erros graves. Para começar, é errada, pois a doença não é sexualmente transmissível. Por outro lado, estigmatiza homens que fazem sexo com homens, trazendo o pior que se fez na altura do VIH. Por fim, ao associar esta doença a homens homossexuais, cria uma sensação de imunidade na restante população, que não adota comportamentos preventivos, pois foi comunicado que não haveria problema para quem não fosse homossexual. Nunca é demais repetir: a doença não é sexualmente transmissível, o vírus não escolhe orientações sexuais.

Com que tipo de doenças ditas 'normais' as lesões do Monkeypox podem ser confundidas?

Na pediatria, podem ser confundidas com varicela ou estrófulo. No adulto, além das doenças pediátricas, pode ser confundido com herpes, sífilis, infeção gonocócica disseminada ou linfogranuloma venéreo.

Há algum sintoma que se destaque nos casos portugueses?

Um conjunto de lesões vesiculares, que surgem normalmente numa zona específica do corpo. Ao momento, nenhum dos 58 casos em estado grave.

Alguém com lesões sugestivas, deve cobrir com roupa quando for procurar observação médica

Qual a forma de transmissão mais comum?

A forma de transmissão mais comum é por contato direto, ou seja, pele com pele. Alguém com lesões sugestivas, deve cobrir com roupa quando for procurar observação médica. O contato indireto, com roupa e lençóis contaminados, também é uma fonte possível de transmissão. A roupa de alguém infetado deve ser lavada a 60º. Menos comum, também é possível a transmissão por gotículas, mas a pouca eficiência do vírus em utilizar esta rota, conjugada com a utilização de máscara cirúrgica ou comunitária, é suficiente para a tornar residual.

O receio da estigmatização pode estar a condicionar a comunicação efetiva deste vírus?

Ando de transportes públicos e trabalho numa urgência de elevado volume. Oiço bastantes comentários sobre esta doença. O estigma da associação desta doença à comunidade homossexual masculina rapidamente ganhou raízes. Num clássico movimento de "procurar culpados" pela nova doença, as culpas já foram atribuídas. Ninguém quer ser visto como responsável por trazer uma nova doença. Este facto pode inibir alguém com sintomas de procurar ajuda. Por outro lado, também leva a que mulheres ou heterossexuais desvalorizem sintomas.

A estigmatização pode estar a levar à subnotificação dos casos?

Sem dúvida que sim. Além de doente, com algo desconhecido no nosso país, ainda pode ser alvo de julgamentos morais. Quem quer passar por isso?

Em Portugal, ainda não houve necessidade de terapias mais invasivas

Que tipo de tratamento recebe um infetado com este vírus?

Na grande maioria das situações, recebe tratamento sintomático. Controlar a febre com paracetamol e prurido com anti-histamínico. Em Portugal, ainda não houve necessidade de terapias mais invasivas. O CDC (agência de saúde norte-americana) recomenda, além da vacina contra a varíola, um anti-viral específico chamado Cidofovir e imunoglobolina.

É expectável que Portugal introduza em breve os 21 dias de quarentena para infetados?

Uma das aprendizagens da Covid, é que não se controla uma doença emergente sem o envolvimento do setor social. Qualquer tipo de isolamento, tem de ser acompanhado de apoios sociais específicos. Esta doença, por ter um período de incubação mais longo, que pode chegar a 21 dias, e um período de doença também longo - só se considera curado quando as lesões cutâneas cicatrizarem - cerca de 2 a 4 semanas, estamos a falar de um período de isolamento e doença particularmente longo. Para controlar a progressão da doença, que está infetado deve ficar em casa e ser apoiado. Quem teve exposição de risco, deve ser informado de todos os sinais e sintomas, para que possa rapidamente procurar observação médica e não expor outras pessoas a riscos desnecessários. Não creio ser necessário isolar os contatos de risco, basta informação sólida e rigorosa de como proceder nos próximos 21 dias. 

Depois de infetado, é possível que se fique com algum tipo de sequelas?

Em casos raros, dependendo da gravidade da doença que o individuo padeceu, é possível ter sequelas como perda de visão. Mas está mais relacionada com consequências da severidade da doença. Alguém da doença ligeira não terá sequelas.

É possível haver reinfeção desta doença?

Não. Tal como a varíola, a proteção desta doença permanece e impede a reinfeção.

Leia Também: Espanha deteta primeiro caso de Monkeypox numa mulher

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