Ex-chefes militares insistem em debate sobre reforma nas Forças Armadas
O Grupo de Reflexão Estratégica Independente (GREI), que reúne vários antigos chefes militares, lançou hoje um livro crítico da reforma na estrutura superior das Forças Armadas implementada pelo atual Governo, insistindo no debate sobre a mesma.
© iStock
País Forças Armadas
Durante a apresentação do livro "A Reforma na Estrutura Superior das Forças Armadas -- Um processo apressado e sem propósito entendível", que decorreu esta quarta-feira no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, o presidente da direção do GREI, o general Pinto Ramalho, considerou que a obra "é suficientemente clara quanto às críticas" relativas à forma como o processo foi conduzido.
"O fator determinante deste processo foi sempre a pressa, desprezou-se a experiência do passado e as perceções institucionais, privilegiou-se a emergência desnecessária, o imediatismo, a superficialidade, o oportunismo e a ignorância, em detrimento da doutrina, da competência, da transparência e da procura responsável da eficácia e eficiência das organizações", defendeu o general.
Na opinião do presidente da direção do GREI, abriu-se caminho "ao experimentalismo, e à possibilidade de consequências inesperadas indesejáveis, como o autoritarismo, o carreirismo, e mais grave de tudo isso, a governamentalização das Forças Armadas".
Insistindo que existem outros problemas graves por resolver nas Forças Armadas, como a carência de efetivos ou o desinvestimento "em equipamento e manutenção de equipamentos e infraestruturas e no apoio social", Pinto Ramalho afirmou que "o GREI continuará a assumir uma participação cívica no âmbito daquele que é o legítimo direito de escrutínio democrático".
Também o ex-Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Fernando Melo Gomes, insistiu também na ideia de um processo apressado que "não seguiu a regra democrática".
"Não foi por falta de oportunidades nem por falta de sugestões, nem pelo sentido de colaboração que todos tiveram em relação a encontrar as melhores soluções para os problemas que afligem as Forças Armadas e o país, que este processo se desenvolveu da maneira que se desenvolveu", defendeu.
O almirante disse que o GREI lança a obra para reiniciar este debate, "que faz falta a Portugal, às Forças Armadas e aos portugueses".
No prefácio que acompanha a obra, o sociólogo António Barreto escreve que "com efeito, as soluções encontradas deixaram traços de insatisfação", "representam uma imposição da autoridade política, sem vontade de equilíbrio", "foram o produto de orientações autoritárias, de pontos de vista unilaterais, de sentimentos menores e de uma vontade tirânica".
"Contra a opinião de dezenas dos mais ilustres chefes militares das últimas décadas, o Governo e uma maioria parlamentar decidiram sozinhos e impuseram a sua vontade", escreveu ainda António Barreto, acrescentando que "nunca se fez a demonstração dos erros e dos defeitos, das insuficiências e das deficiências da organização atual" e que "nunca se demonstrou, no sentido clássico do termo, a necessidade nem a urgência desta legislação".
Na apresentação da obra o professor José Gil apontou que num balanço final do livro "fica-se efetivamente perplexo, compreende-se mal o objetivo deste ímpeto reformista, o seu conteúdo, o momento escolhido, o processo adotado para o impor, os atropelos à democracia que o pontuaram, a ignorância da tecnicidade militar, a falta de transparência e até um certo menosprezo displicente pelas próprias FA".
"Para além de razões economicistas, ou mesmo políticas, a motivação do Governo parece ser a desconfiança que há muito nutre pela instituição militar", considerou.
Segundo o académico, "é evidente que o poder político foi incapaz, desde o 25 de abril, de propor uma visão política coerente, justificada e sistemática que situe a instituição militar, lhe dê uma missão e um fim claro para todos os portugueses", cabendo às Forças Armadas "procurar definir-se como instituição específica dentro do Estado".
"A presente publicação do GREI representa um valioso e importantíssimo contributo para o debate alargado que, contrariamente às aparências, está longe de ter terminado", concluiu.
Entre os presentes na apresentação do livro estiveram o ex-Presidente da República, general Ramalho Eanes, a ex-eurodeputada Ana Gomes, o presidente da Associação 25 de Abril, Vasco Lourenço, ou o presidente da comissão de Defesa Nacional e deputado do PS, Marcos Perestrello.
A obra, com mais de 600 páginas, conta com uma análise e caracterização detalhada da legislação em causa, posições do GREI, notícias veiculadas sobre o assunto, artigos de opinião também publicados, incluindo ainda uma troca de correspondência entre o GREI e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, bem como relatos de audiências com os partidos políticos.
As alterações à Lei de Defesa Nacional e à LOBOFA foram aprovadas na Assembleia da República, em votação final global, em 25 de junho, por PS, PSD e CDS-PP, com votos contra de BE, PCP, PEV e Chega e abstenções de PAN e Iniciativa Liberal.
As leis, promulgadas pelo Presidente da República em agosto, concentram, no essencial, mais poderes e competências na figura do CEMGFA, designadamente em termos de comando operacional conjunto dos três ramos das Forças Armadas (Marinha, Exército e Força Aérea), ficando os chefes militares na sua dependência hierárquica.
A reforma, que surge na sequência de tentativas similares por parte de outros Governos, em 2009 e 2014, gerou polémica durante meses, com trocas de acusações entre o ministro da Defesa e representantes de associações socioprofissionais como a Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) e do GREI - (Grupo de Reflexão Estratégica Independente).
Esta quarta-feira, o ministro da Defesa Nacional defendeu que se deve continuar a implementar a reforma da estrutura superior das Forças Armadas, porque a sua organização "deve corresponder aos desafios do futuro e não às saudades do passado".
Leia Também: Organização das Forças Armadas deve responder aos desafios do futuro
Descarregue a nossa App gratuita.
Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.
* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com