Duas centenas de inspetores do SEF manifestaram-se em frente à Assembleia da República, na altura em que os deputados debatiam e votavam a lei que define a passagem das competências policiais do SEF para a PSP, a GNR e a Polícia Judiciária.
A Assembleia da República aprovou na generalidade a proposta do Governo sobre a restruturação SEF, com os votos favoráveis do PS e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira, a abstenção do BE e PAN e os votos contra de PSD, PCP, CDS-PP, Chega, PEV, Iniciativa Liberal e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues.
Na base da escadaria da Assembleia, gradeada, os manifestantes dispuseram enormes tarjas onde se podia ler "o SEF é indispensável à segurança interna", "Não à criminalização da imigração", "Não à extinção, não à fusão, não à integração" e "Polícia não é simplex".
Em declarações à Lusa, Acácio Pereira, dirigente sindical, considera que a proposta de lei hoje discutida no parlamento está "mal feita" e tem uma "redação incompetente", que só alguém "completamente ignorante em relação ao sistema de segurança interna" poderia propor.
Reclamando que o sistema vigente em Portugal "tem dado bons resultados" -- e que é por isso que "Portugal é um dos países mais seguros do mundo" --, o presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF critica o "erro" do Governo, que "o país pode vir a pagar caro".
Além disso, "isto é exatamente ao contrário daquilo que se passa no resto dos outros países", repara.
"Os outros países copiaram, ou estão a copiar, o modelo português, que deu bons resultados, e onde o SEF serve como modelo. E nós estamos a ir precisamente em sentido contrário. Tivemos a visão, há 45 anos, de criar um serviço que garantisse o princípio da unidade da imigração, das fronteiras e do asilo. Hoje, este Governo e os seus apoiantes estão a tentar esquartejar um património que o país tem, um património democrático", critica.
Sobre a ligação entre episódios recentes que mancharam a atuação do SEF -- sendo o mais grave a morte, em março de 2020, nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa, do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, pela qual foram condenados três inspetores -- e a decisão do Governo em reestruturar o organismo, Acácio Pereira sublinha que "a árvore não faz a floresta".
"Não podemos (...) partir de um caso isolado para fazer uma reestruturação destas, isso não pode servir de razão, porque, por essa ordem de ideias, não teríamos instituição nenhuma em Portugal, a começar pelo parlamento", contesta.
"Em todas as instituições, há comportamentos maus e comportamentos bons", realça, garantindo que "a maioria" dos profissionais do SEF estão "do lado dos direitos humanos".
O dia de protesto dos inspetores do SEF incluiu uma greve, que, segundo o dirigente sindical, teve uma adesão de "100% nos aeroportos" e, apesar de ainda não ter números concretos, "rondará a mesma percentagem" noutros locais.
Presente no protesto em frente ao parlamento, Luís Martins, inspetor do SEF há 15 anos, disse à Lusa não acreditar que outras forças policiais possam ter "a sensibilidade" do SEF para as questões das migrações.
"A preocupação que a maior parte dos inspetores do SEF tem para com os estrangeiros foi conseguida através da convivência com os estrangeiros ao longo de muitos anos. Acredito que um polícia que tem competências mais genéricas não vai ter sensibilidade suficiente", prevê.
Considerando que existe "uma pressão para que os imigrantes se legalizem de qualquer forma", que está a "criar cidadãos de segunda", o inspetor realça que os imigrantes "estão ainda mais desprotegidos".
Isto porque -- relata -- o SEF não tem meios, atualmente, para fiscalizar, nomeadamente junto das entidades empregadoras, as condições de habitação e de trabalho dos imigrantes.
Ora, o número de imigrantes "aumentou exponencialmente e "o Governo, por ignorância ou outra razão qualquer, não dotou o SEF dos meios necessários para fiscalizar", aponta.
"Não havendo fiscalização, há redes que se aproveitam dos imigrantes que estão em Portugal", denuncia.
Luís Martins acusa ainda o Governo de "ocultar problemas" e de, por exemplo, em vez de "fazer mais uma manga" ou "uma 'freeshop'" no aeroporto de Lisboa, onde o centro de instalação temporária para imigrantes "está sobrelotado há muitos anos", não ter aumentado e "dotado de condições" o espaço para o SEF trabalhar.
Luísa Coelho, inspetora do SEF há 21 anos, diz que a "dispersão" das competências do SEF por vários outros organismos "não faz nenhum sentido" e vai obrigar a "mais meios" e "mais custos".
"Vai-se perder muita coisa, porque nós temos um 'know how' imprescindível, que (...) não se aprende nos livros", realça.
Além disso, sublinha, "um migrante tem de ser acompanhado desde o início" e Portugal "só tem a ganhar em ter só uma entidade a fazer isso".
A inspetora deixou "um apelo" aos deputados: "Não precisamos que nos extingam, isso é uma loucura, o que nós precisamos é que efetivamente invistam em meios no SEF."
Após o debate, dentro do Parlamento, deputados do PCP, PAN e Chega desceram a escadaria e vieram falar aos manifestantes, transmitindo-lhes a sua "solidariedade" e prometendo fazer propostas de alteração à lei em sede de especialidade.
Leia Também: Oposição critica extinção do SEF sem ouvir trabalhadores