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Democracia e liberdade de imprensa

Um artigo de opinião assinado por Dantas Rodrigues, sócio-partner da Dantas Rodrigues & Associados.

Democracia e liberdade de imprensa
Notícias ao Minuto

12:20 - 20/05/21 por Notícias ao Minuto

País Artigo de opinião

No decurso do processo 'e-toupeira', a revista Sábado e o diário Correio da Manhã publicaram notícias que, para uma procuradora do DIAP de Lisboa, só podiam ter tido origem em fugas de informação.

Assim, a dita procuradora ordenou que a PSP vigiasse os passos do subdiretor da Sábado, Carlos Rodrigues Lima, e do ora editor da TVI, Henrique Machado, então no Correio da Manhã, a fim de se descobrir o que realmente havia sucedido. Na sequência dessa vigilância e respetiva prova recolhida concluiu-se deduzir acusação contra ambos os jornalistas por crime de violação de segredo de justiça.

Em termos muito simples, o segredo de justiça significa que o conteúdo dos atos de um processo não pode ser divulgado. Dito de outro modo, se um ato processual se encontrar em segredo de justiça é proibido, a qualquer pessoa, divulgar o seu teor.

A violação do segredo de justiça constitui um crime contra a realização da Justiça, crime esse punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

Foi o que aconteceu com os referidos jornalistas, ao ser ordenada uma investigação e ao ser promovida uma acusação pública, por se suspeitar que mantinham contactos próximos e regulares com as suas 'fontes', por forma a identificá-las. Tal significa, numa só penada, que se pôs em causa a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e o direito de acesso à informação.

O Código de Processo Penal, indo ao encontro do Estatuto do Jornalista e do artigo 38.º da Constituição, prescreve, no n.º 1 do seu artigo 135.º, que os jornalistas, entre outras profissões, podem escusar-se a depor sobre factos abrangidos pelo respetivo segredo profissional. No mesmo enquadramento, a doutrina do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, sustenta a obrigação da fonte de "prestar informações verdadeiras e de basear a confidencialidade num legítimo receio de danos, pessoais ou profissionais, em si próprio ou em pessoas próximas, se a sua identidade for revelada."

Consequentemente, a jurisprudência nacional sustenta que "o critério adotado pelo nosso legislador é o de que o tribunal só pode impor a quebra do segredo profissional quando esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante", pelo que "só se justifica fazer tal ponderação se o levantamento do sigilo se mostrar indispensável para a investigação do crime."

Quando a liberdade de imprensa está em perigo, o mesmo é dizer que toda a arquitetura de liberdades e direitos em que a democracia se estriba estão em perigo também

Este é, no direito interno, o quadro legal que se verifica, o qual tem por escopo principal proteger o jornalismo, o denominado jornalismo de investigação, onde a importância da proteção das fontes é fulcral, já que tem de existir uma sólida garantia de confidencialidade, sem a qual não é possível nem a fonte, nem a notícia.

A acusação pública dos jornalistas vem, desde logo, baralhar todo o entendimento existente na Justiça. E como tem sido infelizmente habitual vivemos uma época de confusão, que nada tem que ver com a independência dos magistrados do Ministério Público, mas antes com a desorientação a que todos os dias, impotentes, assistimos. Os órgãos de tutela, não regulam, e assim iremos continuar, de escândalo em escândalo, roda livre, até ao embate frontal contra o muro da indiferença.

Entender, no âmbito jurídico e social, a motivação da investigação e da acusação pública conduz-nos à atual perda de influência e de peso moral da imprensa. Os meios de comunicação social, encontram-se cada vez mais politizados e dependentes dos contratos de publicidade institucional, bem como dos apoios dos poderes central e autárquico. Falta transparência sobre o dinheiro que os governantes entregam a cada órgão de informação, e, para que tudo fosse límpido e acima de qualquer suspeita, bastaria apenas a publicação, on-line, desses apoios.

Desde os tempos do Estado Novo que os políticos nunca tiveram tanta influência sobre a imprensa como agora. Descaradamente, e não obstante serem arguidos ou estarem indiciados por crimes praticados no exercício de funções públicas, entram-nos regular e despudoradamente casa adentro, vestidos de comentadores impolutos e sérios, a opinar sobre o bem comum, como se a cidadania, mais não fosse do que um mero baile de máscaras. 

O jornalismo, pôs-se a jeito e, frequentemente, é ameaçado, assediado ou ofendido por políticos ou por empresários bem encostados ao poder. A principal função da imprensa é informar e escrutinar os governantes para, quando abusam das suas funções, os expor publicamente. Os políticos que não gostam de determinados jornalistas castigam os jornais que divulgam os seus artigos, retirando-lhes, à boa maneira soviética, todos os apoios institucionais.

A liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e o acesso à informação constituem três direitos da cidadania que são intrínsecos ao exercício da profissão de jornalista. Os dois primeiros protegem a comunicação e a revelação para que as mesmas possam ser exercidas livremente, sem ingerências, nem censura por parte do Estado, do setor empresarial ou de outros organismos ou grupos sociais. O terceiro, o acesso à informação, permite a análise e, se for o caso, difusão de notícias que se encontram na posse de instituição públicas, como, por exemplo, tribunais, autarquias, políticos em exercício de funções ou empresários que vivem de negócios com o Estado.

Estes três direitos da cidadania são estruturantes de todo o edifício que se pretende democrático e favorecem o saudável desenvolvimento das sociedades baseadas no diálogo, na proteção e na promoção dos direitos humanos. Sem uma imprensa independente e que fiscalize o poder, as pessoas não terão capacidade para tomar decisões informadas.

Quando a liberdade de imprensa está em perigo, o mesmo é dizer que toda a arquitetura de liberdades e direitos em que a democracia se estriba estão em perigo também. 

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