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"Novas gerações têm estado confinadas à crise nas últimas duas décadas"

João Pedro Videira, presidente do Conselho Nacional da Juventude, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Novas gerações têm estado confinadas à crise nas últimas duas décadas"

João Pedro Videira é, desde o passado mês de março, o presidente do Conselho Nacional da Juventude (CNJ). Numa conversa com o Notícias ao Minuto, o líder, natural do Porto e formado em Engenharia Mecânica, versou acerca das constantes crises que os jovens têm vivido nas últimas décadas e como estas dificultaram - e dificultam - as suas vidas. 

A esperança no futuro, os caminhos que são necessários ainda trilhar e que 'herança' está a juventude de agora a deixar para os descendentes foram também temas em cima da mesa. Apesar de as "novas gerações" não terem contribuído "de forma alguma para todas as crises", está (também) nas suas mãos o "direito e o dever de contribuir" para que delas se saia, considera. 

E uma vez que há "um milhão e 600 mil aspirações" - uma por cada jovem - como as atingir? Fica um conselho: "Que se esforcem e empenhem e que nunca desistam de lutar pelos seus sonhos".

Que questões prementes estão na agenda do Conselho Nacional da Juventude? E quais quer colocar durante o seu mandato? 

Estou há pouco tempo no cargo e nós estamos a meio do nosso mandato, sensivelmente. Já há assuntos que estão em cima da mesa e que já estavam em cima da mesa. Os jovens têm atravessado, ao longo dos últimos anos, sobretudo nas últimas duas décadas, desde os anos 2000, várias crises. Começou por uma crise terrorista, passou para uma crise financeira, depois para uma crise económica, depois para uma crise migratória, para uma crise climática, agora para uma crise sanitária que vai resultar numa crise social e económico-financeira novamente. E, portanto, as novas gerações têm estado confinadas, por assim dizer, à crise nas últimas duas décadas.

Isto é particularmente preocupante porque as novas gerações têm adiado consecutivamente os seus sonhos, uma vez que não têm tido a oportunidade de viver em contexto favorável para ter acesso às oportunidades para depois poderem extrair todo o seu potencial. 

Não se pode governar um país dessa forma, porque tratar-se apenas do presente e não se preparar o futuro é estar a pôr em causa a sustentabilidade de Portugal

Mas que assuntos quer ver serem debatidos? 

Por não haver estas oportunidades, por haver estas crises, o que nós temos assistido é a uma consecutiva crise no que diz respeito ao emprego, à habitação e ao acesso à habitação. E, também, sobretudo com o confinamento e a pandemia, temos as questões da saúde mental que têm tido efeitos devastadores. Há estudos que dizem que 80% dos portugueses se sentem afetados psicologicamente com a privação do convívio social e por estarem sempre em casa.

Estas limitações, estas barreiras, este estado de exceção que vivemos no nosso país neste momento já se prolongam há muito tempo e isto, naturalmente, traduz efeitos negativos e nefastos não só nos jovens mas, sobretudo, no seu desenvolvimento. E é isso que queremos ver na agenda: respostas para solucionar estas questões e também mais oportunidades para que os jovens consigam extrair todo o seu potencial. Para isso, construímos um documento, uma agenda para a natalidade, que, como gosto de lhe chamar, é uma agenda para a emancipação jovem, que tem uma visão alargada sobre vários eixos estratégicos que vão dando resposta a estes problemas que acabei de evidenciar. 

Como é que toda esta conjuntura dos últimos vinte anos tem afetado os jovens e as oportunidades que estes têm? Ou a falta delas...

É mais a falta delas. Gosto de fazer aqui um paralelismo: os jovens têm estado confinados às crises. Isto tem obrigado o país a introduzir esforços noutros sentidos e temos estado mais preocupados em resolver os problemas do atual do que propriamente a pensar o país estrategicamente para o futuro.

Ora, não se pode, no nosso entender, governar um país dessa forma, porque tratar-se apenas do presente e não se preparar o futuro é estar a pôr em causa a sustentabilidade de Portugal.

Nós, jovens, temos essa preocupação de conseguir concretizar os nossos sonhos e todos os dias aquilo que vemos é que o país acaba por desperdiçar o capital humano das novas gerações. Isto porquê? Porque não lhes cria capacidade e oportunidades para eles se fixarem no nosso país: dou o exemplo da ‘Geração à Rasca’ que se viu quase obrigada a emigrar para conseguir arranjar oportunidades lá fora de modo a concretizarem os seus projetos de vida.

Assistimos, de há vários anos a esta parte, que a geração seguinte ia vivendo sempre melhor que a geração anterior. Não é o que acontece agora. Ou seja, a geração dos nossos pais viveu melhor que a geração dos nossos avós, mas a nossa geração não vive melhor do que a geração dos nossos pais. Ter acesso a um emprego estável - que nos permita ter a estabilidade suficiente para, por exemplo, termos acesso a um crédito à habitação, para conseguirmos constituir família, concretizarmos o nosso projeto de vida – tem vários problemas e várias dinâmicas. Porque há uma espécie de um abandono daquilo que são as políticas de natalidade, de sustentabilidade, em termos de geração, que não permite depois ao próprio país ter as condições para garantir o seu futuro.

A Segurança Social, por exemplo, sobrevive num modelo de sustentabilidade: as contribuições de agora pagam as pensões dos reformados. Mas se nós não tivermos pessoas a contribuir e a laborar para alimentar esse sistema… no futuro não sei se os jovens de agora vão ter acesso ao que existe hoje em dia. Porque a sustentabilidade fica em causa. Não só em número de ativos – bebés que nascem e que, mais tarde, irão contribuir - como também as oportunidades que se dão a esses jovens de contribuírem não são as ideais para que se possa sustentar o sistema. Isso põe tudo em causa. Os próprios conceitos de país e sociedade como nós os temos podem ficar em causa. 

Se o país investe em nós devia também estar preocupado em poder usufruir do retorno. Estamos a criar capital e a desperdiçá-lo, estamos todo o dia a entrar em prejuízo

Ouvimos muitas vezes a expressão ‘geração mais bem preparada’ mas porque é que esta não é também ‘a mais bem aproveitada’? De quem é a responsabilidade? 

Sei de quem não é a responsabilidade. Não sei de quem é, mas sei de quem não é. Não é nossa. As novas gerações não contribuíram de forma alguma para todas as crises que evidenciei há pouco.

A verdade é uma: temos o direito e o dever de contribuir para sairmos destas crises em que estamos neste momento e, obviamente, que isso se faz com uma maior participação, um maior envolvimento, uma maior visão integrada do país, e não apenas com medidas estratégicas em determinados setores, mas que depois acabam por ser avulsas e não estão combinadas entre si de forma a fazerem sentido para uma estratégia final. Já não vivemos numa sociedade onde, por exemplo, precisamos de ter uma grande capacidade industrial para conseguirmos gerar riqueza. No século XX isso acontecia, víamos os casos da Alemanha, da França – e estou a falar de potências a nível europeu. Mas hoje em dia já não é precisa uma grande capacidade industrial para gerar sustentabilidade. 

A verdadeira riqueza de um país deve estar, atualmente, no conhecimento. Nós vemos casos com a Dinamarca e os Países Baixos que têm um PIB muito acima da média europeia. E isso acontece porque essas nações entendem que devem valorizar o conhecimento. Portugal todos os dias desperdiça este tipo de investimentos. E desperdiça, sobretudo, o capital humano das novas gerações.

Investimos em educação, em escola pública e na formação de novas gerações, mas depois não lhes damos oportunidades para eles ficarem cá e fazerem o retorno do investimento que o próprio país fez neles. Nós hoje somos cidadãos do mundo, não somos apenas portugueses, mas acho que devemos dar o nosso contributo ao nosso país e àqueles que investiram em nós. Se o país investe em nós devia também estar preocupado em poder usufruir do retorno. Estamos a criar capital e a desperdiçá-lo, estamos todo o dia a entrar em prejuízo. Se o nosso país não cria oportunidades as coisas não vão correr bem.

Dou muitas vezes este exemplo: imaginemos o que era o Cristiano Ronaldo sem ter tido a oportunidade de se formar no Sporting. Se o Cristiano Ronaldo não tivesse essa hipótese, talvez não extraísse todo o seu potencial. Portugal tem vários Cristianos, não só do futebol, mas que não têm acesso a essas condições, a essas estruturas, a meios para conseguirem tornar-se os melhores do mundo nas suas áreas. 

Nós temos este lema que usamos muitas vezes: não queremos nada para os jovens sem os jovens 

Então que futuro pode esperar quem vive neste Portugal? Que esperança podem os jovens ter?

Os jovens e todos os portugueses têm, apesar deste cenário quase catastrófico, uma particularidade muito interessante. O país tem feito, muitas vezes, omeletes sem ovos, arranjado sempre caminhos alternativos e mais inovadores para conseguir criar os projetos.

Os jovens podem ter a esperança de que o Conselho Nacional da Juventude vai estar ao seu lado, tal como esteve até hoje, nos quase 36 anos de História, a lutar e a fazer valer os direitos e a fomentar, cada vez mais, uma participação. Temos feito vários caminhos em conjunto com o Estado para aumentar a nossa participação e para fazermos parte da decisão, isso é algo muito importante no nosso entender. Porque é assim também que conseguimos construir uma sociedade de futuro.

Nós temos este lema que usamos muitas vezes: não queremos nada para os jovens sem os jovens. Estes são o presente do país mas são também o futuro e estar a decidir sobre o futuro sem chamar à mesa aqueles que vão beneficiar e que vão usufruir das políticas que serão implementadas hoje não faz muito sentido. Não gosto que decidam o meu futuro por mim. Gosto de ter oportunidade de decidir o meu futuro e de contribuir para ele. Portugal tem feito um caminho nesse sentido, no entanto, ainda tem muito para percorrer.

Na Assembleia da República temos 230 deputados e apenas dez são jovens. Isto é sintomático. O país ainda não está a fazer o caminho que deve – já começou a fazer, mas ainda não está ao ritmo que queríamos de renovação geracional. Não gosto muito de entrar em guerras geracionais, não é a minha forma de estar, mas tem de haver um diálogo que permita a inclusão de várias visões e de várias perceções de sociedade que permitam construir um futuro que seja sentido e propriedade não só de alguns mas de todos. 

Dadas as condições atuais, mal era se a geração dos nossos filhos não vivesse melhor do que a nossa

E quem agora é jovem está a trabalhar no sentido de deixar que ‘herança’ às gerações futuras? 

Estamos a tentar deixar um país que acho que concretizo no lema da sustentabilidade e, honestamente, não querendo aqui ser derrotista, acho que, dadas as condições atuais, mal era se a geração dos nossos filhos não vivesse melhor do que a nossa. Acho que já não estamos a viver propriamente muito bem. Todos os dias ouvimos falar de casos de abandono escolar, de pessoas que não têm capacidade de pagar as propinas, as suas despesas, a taxa de desemprego jovem disparou agora com a crise pandémica… Portugal tem encetado agora algumas medidas também de apoio e de resposta a estes problemas que nos têm assolado nos últimos tempos e penso que nós, enquanto novas gerações, temos duas coisas: vontade de fazer mais e não estarmos agarrados a um sistema conservador. 

Nós estamos num sistema democrático muito recente mas que deve agora, ele próprio, também sofrer alguma progressão, criar outros mecanismos de participação, através de meios digitais. Temos o mundo à nossa disposição através de smartphones, computadores, Internet e há várias coisas que se podem criar a partir daqui e que, particularmente os jovens, conseguem extrair e gerar riqueza. Não só financeira mas cultural, patrimonial. Aproveitar estes meios para contribuir ativamente para o país. Agora, nunca nos podemos esquecer é que é preciso ter acesso a estas oportunidades e a estes meios para se ter esse retorno do investimento que é feito. Nós, no Conselho Nacional da Juventude, temos feito chegar propostas junto dos grupos parlamentares, do Governo, no sentido de melhorar as condições que temos hoje, sempre com este foco da sustentabilidade. 

Na perspetiva então de deixar boas bases para o futuro… a juventude atual está a falhar ou a conseguir? 

Acho que, de certa forma, com as condições que temos hoje, estamos a conseguir. Porque, apesar de todas as dificuldades, vamos sempre conseguindo fazer mais e melhor. Conseguimos sempre extrair mais rendimento e mais potencial. Contudo, há sempre caminho para melhorar. E é isso que temos feito. 

Sente que os jovens são olhados com desconfiança, por exemplo, por uma alegada falta de capacidade em comparação com os mais velhos? A vossa sensibilidade aponta que ainda é uma situação que ainda acontece em Portugal? 

Estaria a ser politicamente correto se dissesse que não. Que não somos olhados com essa desconfiança. Mas como, muitas vezes, não sou politicamente correto, vou dizer o que acho. A minha perceção e vivência enquanto jovem e enquanto líder do Conselho Nacional da Juventude é que os jovens, na grande parte das vezes, são olhados dessa forma. E a prova disso é, muitas vezes, o acesso às oportunidades e aos centros de decisão. Muitas vezes são vedados. É como dizia há pouco: nós temos menos de 5% de representação parlamentar de jovens. Os dez que lá estão [na Assembleia] encetam esforços para conseguir dar o seu contributo, mas às vezes não chega, porque do outro lado têm 220 que talvez não pensem dessa forma. Ou até podem estar sensíveis a isso, mas não sentem verdadeiramente estes problemas na pele. Digo isto a nível de Parlamento mas o mesmo se passa no poder local.

O facto de termos 800 mil jovens a optarem por ficar em casa e a não ir votar… são números que nos preocupam e que temos de inverter

Como caracteriza a participação e o interesse dos mais novos pela política?

Há uma ideia generalizada que foi criada que os jovens não participam e que estão muito alheados da política. O Conselho Nacional da Juventude produziu agora para as Presidenciais um estudo de participação jovem e onde os dados revelam precisamente o contrário. Estimamos, numa amostra de 11.500 pessoas, uma participação de cerca de 50% dos jovens. Face à taxa de participação da sociedade civil, ou à taxa de abstenção, estamos 5% abaixo. A sociedade civil teve 55%, nós 50%. Porque é que isto é curioso de analisar? O facto de ter havido uma renovação dos próprios protagonistas, uma renovação das caras, uma renovação de mensagem... isso atrai mais, como há novidade as pessoas querem saber o que se passa ali. Outra coisa foi o facto de estarmos em pandemia. Isso obrigou as campanhas a transportarem-se sobretudo para os meios digitais, para as redes sociais e para a televisão. E isto são os meios onde os jovens estão, o que lhes permitiu ter mais acesso à informação e filtrá-la cada vez melhor. 

O surgimento de outras forças políticas, de outros protagonistas, isso também faz com que haja, por uma certa lógica, quase que um estímulo à participação pelo não-exemplo. Há um tipo de discursos que não entram nas novas gerações, como os mais setoriais, mais extremados. Os jovens olham para aquilo e não se reveem. E pelo facto de não se reverem são atraídos à urna para contrariarem e não deixarem que tal se implemente em Portugal. Apesar do que estou a dizer, ainda assim, o facto de termos 800 mil jovens a optarem por ficar em casa e a não ir votar… são números que nos preocupam e que temos de inverter. Agora, para as Autárquicas, vamos querer fazer um novo estudo de participação jovem mas, sobretudo, vamos tentar perceber qual a renovação jovem que existe nas listas candidatas às autarquias e, na chegada, quantos é que são eleitos.

E comparando com as anteriores gerações? São mais interessados pela política do que os pais e avós? 

É uma relação diferente. Não vou dizer que é mais ou menos interessada porque não vivi outro tempo, mas é uma relação que me parece diferente. Especialmente pelo contexto e pelas circunstâncias. Os próprios partidos e as formas de fazer política continuam iguais, como há quarenta anos. Não tem havido essa renovação desejada, tal e qual como temos vindo a reclamar, que seria exigida e que, da nossa parte, veríamos com muito bons olhos. Mas os jovens têm uma participação diferente: têm-se juntado por causas – como o clima ou os direitos das minorias. Sempre que há uma situação que os jovens identificam como uma prioridade… eles estão lá e estão na linha da frente. Também existe política partidária ativa, mas em maior escala tem acontecido muito por aqui. 

Até porque também não há uma espécie de reconhecimento. O que vão sentindo é que, quando vão votar, o voto não traz impacto na vida deles, ou seja, não há uma mudança positiva considerável nas suas vidas que os motive, de certa forma, a ir à urna e a decidir. Isto porque, como estava a dizer, os protagonistas têm sido sempre os mesmos há vários anos a esta parte – temos deputados atualmente que estiveram na Assembleia Constituinte. Não havendo esta renovação, as pessoas acabam por perder o interesse, porque não dão oportunidade para as pessoas terem propriedade nas decisões. Não sentem que têm um contributo ativo a dar. Como não sentem o impacto da sua decisão… 'se não há um efeito concreto, para que lá vou?' E isto tem muito a ver com a forma como os decisores políticos têm encarado a sua forma de estar na política. A Democracia não se pode esgotar no dia das eleições. Temos de usar todos os meios para aproximar o decisor político da sociedade civil e, consequentemente, dos jovens. 

O Conselho Nacional da Juventude sente-se ouvido pelos decisores políticos? 

Ouvido sim. Temos diálogo permanente com os grupos parlamentares, com o Governo, e, ao longo dos últimos anos temos feito várias coisas em conjunto.

Ouvido sim. Mas verte em algo concreto? 

Vai vertendo. Não tanto como o que gostaríamos, mas vai vertendo. Senão também significaria que não andamos aqui a fazer nada e que não tínhamos essa relevância política.

São esses políticos que têm negligenciado o futuro e as preocupações dos jovens? 

Sim, sim. São eles que têm o poder na mão. 

Então, por um lado, o Conselho Nacional da Juventude é ouvido e tem essa via aberta, essa influência, mas, por outro lado, debate com quem adia os sonhos dos jovens. Como é essa relação?

Todos os dias, no nosso diálogo com o poder político, evidenciamos precisamente isso. Obviamente que isto é um caminho que se vai percorrendo. O que nós gostaríamos é que, de facto, esta agenda para a natalidade que produzimos – e reunimo-nos com todos os ministérios, todos os grupos parlamentares, todos os partidos – estivesse completamente implementada. Seria ótimo e significaria que, da nossa perspetiva, que as novas gerações teriam um futuro sustentável assegurado. Mas temos de perceber que é preciso dinheiro para fazer a implementação deste tipo de políticas, é preciso reconhecer quais prioridades nas opções que estão em cima da mesa e o decisor político, em si, tem, grão a grão, caminhando no sentido de dar prioridade às nossas reivindicações. Mas, muitas vezes, o que vemos é que acaba por ser de forma avulsa. Depois não se encaixa numa estratégia de desenvolvimento como um todo. Todos os dias evidenciamos isso a ministros, secretários de Estado, Governo, partidos... toda a gente. E eles, de certa forma, vão fazendo o seu caminho. Não tão rápido como gostaríamos, mas vão fazendo. Estaria a ser muito injusto se dissesse que não. 

Os jovens casais têm de ter as melhores condições possíveis para conseguirem constituir família e não estar, como tem acontecido, consecutivamente a adiar os seus sonhos e projetos de vida

Em março, foram recebidos pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Que temas lhe levaram? 

Foram dois temas em específico: a agenda para a natalidade e a preocupação com a capacitação das novas gerações em termos de ajuda na execução dos seus mandatos, mais concretamente até no tecido associativo. Foi esse o propósito da nossa reunião e também ter, junto do Presidente da República, uma espécie de magistratura de influência. 

Portugal é um país envelhecido e cada vez os casais optam por ter filhos mais tarde – e menos filhos. O que seria necessário alterar para inverter esta tendência atual? 

Seria, primeiro, garantir mais e melhor emprego, mais e melhores oportunidades de emprego para as pessoas conseguirem ter rendimento suficiente para lhes permitir pagar as suas contas e optarem por essa via de ter filhos, de criarem a sua família. Ter também uma habitação a valores mais acessíveis – vemos preços de casas hoje em dia extraordinariamente altos especialmente nas zonas do litoral. Houve um êxodo rural nos últimos anos e Portugal vive um problema demográfico. 

E aproveitando esta oportunidade que o 5G pode trazer, nós conseguiríamos primeiro fixar jovens noutro tipo de regiões e poderem trabalhar à distância. Havendo infraestruturas capazes de dar uma resposta e de dar acesso a Internet e conectividade permite criar condições para uma família se fixar no interior do país. Tem custos de vida mais baixos, mas tem também de ter bons meios de transporte, acesso a cuidados de saúde, tudo o que é essencial à vida das pessoas e que as levou, em certa medida, a esvaziar o território mais interior. A procurar as melhores condições de vida. O que o país tem de fazer é criar essas condições em todo o lado. Os jovens casais têm de ter as melhores condições possíveis para conseguirem constituir família e não estar, como tem acontecido, consecutivamente a adiar os seus sonhos e projetos de vida. 

Não há uma aspiração, ou duas ou três ou quatro. Diria que há um milhão e 600 mil aspirações, porque cada um dos jovens tem a sua

Não são apoios, abonos… 

São, são, claro que são. Tudo isto de que falo tem ser concretizado. Seja com um abono de família – os atuais muitas vezes nem para as fraldas dão –, com programas ativos de criação de emprego e com a contratação jovem. É preciso o Estado dar a mão a estas pessoas e ajudá-las a dar o passo seguinte nas suas vidas. Para, depois, na sua vida ativa, darem o retorno desse investimento. Falta maior parque habitacional público a preço acessível… faltam estas medidas de apoio à criação do próprio emprego. 

Quais as principais aspirações que os jovens veem atualmente estarem a ser postas em causa? E qual é o papel do Conselho Nacional da Juventude para desbloquear essas dificuldades? 

Não há uma aspiração, ou duas ou três ou quatro. Diria que há um milhão e 600 mil aspirações, porque cada um dos jovens tem a sua. O Conselho Nacional da Juventude é uma plataforma muito representativa, tem quase 36 anos, tem lei própria e inclui desde organizações de escuteiros, a juventudes partidárias, federações de estudantes, associações juvenis, o que dá uma enorme diversidade à plataforma em si. E representa grande parte dessas aspirações. Certamente que não representará todas porque será complicado. O que digo é que não há uma juventude. No limite, há um milhão e 600 mil juventudes. 

A maioria das aspirações é ter as condições para realizar os projetos de vida. Se o projeto de vida de um jovem é ser artista e produzir música ou criar obras de arte ou criar a sua empresa, o seu negócio e ter filhos… isso são as principais questões que vão sendo postas em causa e adiadas ao longo dos últimos anos. Cada um tem as suas, há muita diversidade e é impossível, de facto, conseguirmos identificar cada uma delas, mas há aquelas que são genéricas e generalistas como o ter a sua casa, constituir a sua família e concretizar o seu projeto de vida seja ele criar o próprio emprego, ou ser artista, ou ser o melhor jogador de futebol do mundo, o melhor tenista do mundo… E a par disso, tem de ter a sua vida pessoal e a sua qualidade de vida. Isso significa ter tempo para si, para os seus, para trabalhar, e para aproveitar o tempo de juventude, o que hoje em dia não tem acontecido com o desemprego ou o emprego precário. Os jovens hoje têm de ser multifacetados para ter - aqueles que conseguem - o rendimento necessário e, em vez de trabalharem sete ou oito horas por dia, têm de trabalhar doze ou catorze. Não para concretizar o projeto de vida, mas para pagar contas. Esses jovens não vivem. Na nossa opinião sobrevivem. Vivem para trabalhar e não trabalham para viver. Esta inversão de paradigma tem de acontecer. 

Os jovens podem contar com um Conselho Nacional da Juventude muito ativo na defesa dos seus interesses, servindo de voz para o que são as suas aspirações. Os nossos problemas são precisamente os problemas dos jovens e temos o direito e o dever de dar uma resposta e um sinal claro às novas gerações de que estamos cá para fazer o caminho lado a lado na defesa do seu supremo interesse. 

Há muitos jovens em manifestações e chamadas de atenção para temas como o ambiente ou a cultura. Como é que estes podem ser fundamentais nestas questões por vezes com menos 'palco'?

Esses temas têm 'palco'. Não têm, talvez, é tanto 'palco' na agenda política, porque a Democracia tem os seus defeitos. Nunca vivi noutro regime, mas todos os outros que conheço não são melhores que este. Gosto particularmente de viver em Democracia, é assim que devemos estar organizados. Contudo, eu penso que falta muito à Democracia ter a capacidade de reagir, de dar respostas mais céleres às pessoas. Porque isso faz depois com que haja também um descrédito nos decisores políticos. 

Os jovens têm estado nessas linhas da frente dessas manifestações e dessas chamadas de atenção muitas vezes de uma forma não organizada. Mas falta muito o reconhecimento na agenda política e a resposta política a estas questões. Por isso é que acabam por se sentir muito insatisfeitos: mobilizam-se, participam, mas depois não vêm um resultado prático. O discurso não bate com a ação e é isso que tem de acontecer. Tem de haver uma maior concretização do discurso político.  

Para terminar. Que conselhos daria aos jovens portugueses? 

Não quero entrar aqui num modo paternalista... Mas acho que é nunca desistir de lutar e, sobretudo, nunca desistir de sonhar. Com trabalho, com dedicação, com muito esforço, as coisas conseguem-se. Somos prova viva de que quando queremos que alguma coisa aconteça, quando queremos alguma coisa, vamos conseguir. Nunca ficará do nosso lado a responsabilidade de não termos conseguido porque não fizemos o nosso trabalho. O conselho é que as pessoas se esforcem e empenhem e que nunca desistam de lutar pelos seus sonhos. Há sempre mais para se fazer.

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