Meteorologia

  • 25 ABRIL 2024
Tempo
19º
MIN 13º MÁX 19º

Violência doméstica precisa de sistema que "gere confiança" nas vítimas

O coordenador da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídios em Violência Doméstica defendeu que é preciso um sistema de proteção capaz de gerar confiança nas vítimas de violência doméstica, com intervenção imediata e recolha de toda a prova disponível.

Violência doméstica precisa de sistema que "gere confiança" nas vítimas
Notícias ao Minuto

13:00 - 01/02/21 por Lusa

País Violência doméstica

Na opinião do procurador jubilado Rui do Carmo, o sistema de prevenção e combate aos crimes de violência doméstica e de proteção das vítimas ainda apresenta deficiências, apontando que o mais recente relatório elaborado pela Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídios em Violência Doméstica (EARHVD) é disso demonstrativo e que embora os factos em análise tenham três anos, "não é possível dizer que, entretanto, as coisas mudaram radicalmente".

Para o coordenador desta equipa, em funcionamento há quatro anos, falta um sistema capaz de gerar confiança nas vítimas, de modo a que procurem apoio precocemente, e falta que a intervenção seja imediata e não aconteça apenas ao fim de muitos anos de violência doméstica e "de uma situação que se tornou, entretanto, insuportável".

Rui do Carmo admite que para existir essa confiança das vítimas no sistema, tem de haver confiança nos resultados e isso passa por "melhorar a capacidade de intervenção", logo a partir do momento em que há uma denúncia de um facto que possa constituir um crime de violência doméstica.

"Tem de haver a capacidade de intervenção imediata, quer no sentido de proteção da vítima e de contenção do agressor, quer no sentido de recolha de toda a prova disponível que permita que não aconteça o que acontece hoje, em que 75% dos inquéritos são arquivados por falta de prova e em que cerca de metade dos que vão para a fase de julgamento acabam em absolvição", defendeu.

Salientou que se a recolha de prova, no âmbito de uma intervenção criminal, continuar assente no relato da vítima e no que a vítima vai fazer com o que lhe aconteceu, "os números continuarão a ser estes".

"A vítima tem uma natural ambiguidade relativamente à colaboração no processo, tem uma natural fragilidade em encarar todas as morosidades do processo e toda a conflituosidade que o início do processo gera, é natural que isso aconteça", explicou.

Defendeu, por isso, que quando há uma denúncia por violência doméstica é preciso "atuar imediatamente no sentido de obter outros meios de prova", algo que já está definido no manual de atuação funcional, publicado no ano passado e que define "toda a intervenção que deve ser feita nos primeiros três dias após a denúncia", não só relativamente à proteção da vítima, evitando o agravamento da sua situação e que o agressor prossiga com a violência, mas também em relação à recolha e preservação da prova.

"Quer a prova dos elementos e vestígios encontrados, retirada das armas que o agressor possa ter com ele, análise e documentação de todas as lesões que a vítima possa ter, a identificação de pessoas próximas que possam ter conhecimento daquela conflitualidade, naqueles dias ou no passado, e que nos permitam fazer a história daquele conflito e retirar elementos que conjugados com aqueles que na altura são recolhidos possam elucidar o que se terá passado", defendeu Rui do Carmo.

O coordenador da EARHVD explicou que todos estes meios de prova "têm de ser obtidos imediatamente porque muito disto, se não se obtém imediatamente, perde-se definitivamente".

"E ficamos com a sempre falível, e naturalmente falível, declaração da vítima e é meio caminho andado para o processo não ter êxito e cada vez que um processo destes não tem êxito é um pulso de ânimo no agressor", alertou.

No entanto, Rui do Carmo assume-se contra um possível agravamento das penas previstas para este tipo de crime, defendendo antes que o sistema judiciário seja capaz de aplicar as penas que existem atualmente.

"Não vale a pena estarmos a fazer grandes ameaças se depois se descobrir que afinal a capacidade de as tornar efetivas não é tão significativa quanto deveria ser", justificou.

Defendeu que a preocupação tem de estar na capacidade em aplicar o quadro de punição existente, desde logo diminuindo "significativamente as taxas de não esclarecimento dos inquéritos", mas também verificando se a taxa de absolvição resulta ou não da dificuldade de levar a julgamento a prova necessária.

Além desta preocupação, salientou que é preciso também garantir que a pena aplicada à pessoa condenada "é uma pena que tem efetivamente efeitos de prevenção", não só para dissuadir outras pessoas de praticarem o mesmo crime, mas também para a reintegração do agressor.

Disse não se sensibilizar muito que haja muitas penas de prisão efetivas ou suspensas, defendendo que o que tem de ser critério é que, quando haja uma pena de prisão suspensa de execução, haja efetivamente um programa de intervenção junto do agressor "que não seja apenas o passar do tempo da suspensão da execução da pena de prisão".

"É importante que as obrigações que são impostas a quem é aplicada uma pena de prisão suspensa da sua execução, no âmbito deste crime, sejam efetivamente capazes de modificar o comportamento e que sejam obrigações efetivas, isto é que é importante", defendeu.

Acrescentou, por outro lado, que é preciso capacidade para aplicar os programas para agressores de forma significativa.

"Se não modificarmos isto, de que vale a pena dizer que quem pratica um crime de violência doméstica tem 30 anos de prisão ou 50 anos? Tudo são palavras ocas que não modificam rigorosamente nada", rematou.

Recomendados para si

;
Campo obrigatório