Meteorologia

  • 26 ABRIL 2024
Tempo
13º
MIN 12º MÁX 17º

Ruído de obras na quarentena? Polícia de 'mãos atadas' perante queixas

Obrigadas a permanecer em confinamento, várias famílias têm apresentado às forças de segurança queixas relativas ao ruído da construção civil que continua a laborar durante o Estado de Emergência. Em causa está, como explicou o advogado Manuel Andrade Neves ao Notícias ao Minuto, uma colisão de direitos.

Ruído de obras na quarentena? Polícia de 'mãos atadas' perante queixas
Notícias ao Minuto

08:30 - 23/04/20 por Filipa Matias Pereira

País Covid-19

O Estado de Emergência que foi decretado em Portugal, motivado pela pandemia de Covid-19, impôs à sociedade o dever de confinamento. Mas há atividades que, pese embora não prestem serviços de primeira necessidade, continuam a laborar, como é o caso da construção civil. Se por um lado as famílias se queixam do ruído, por outro existe um direito à atividade económica e as forças de segurança estão de 'mãos atadas' pela legislação. 

Desde que o país entrou em Estado de Emergência, no dia 19 de março, ficar em casa é a palavra de ordem para controlar a propagação do SARS-CoV-2. As escolas encerraram as atividades letivas presenciais e as empresas ajustaram o 'modus operandi'. As famílias viram-se, então, obrigadas a adaptar-se a uma nova realidade. E agora imaginemos este cenário: de um lado, crianças assistem às aulas à distância e os pais estão em teletrabalho. Do outro lado da parede, decorrem trabalhos de construção civil, com todo o ruído que lhe está associado.

Confirmou o Comando Metropolitano de Lisboa ao Notícias ao Minuto que, desde que as famílias estão obrigadas ao confinamento, tem "recebido algumas reclamações relativas a situações de ruído". No entanto, a força de segurança não consegue quantificá-las, "em virtude de não estarem abrangidas pelas restrições do Estado de Emergência". Sabe ainda o Notícias ao Minuto que a Polícia Municipal de Lisboa tem igualmente recebido reclamações de ruído relativo à atividade da construção civil, pese embora não tenha rececionado resposta formal até à data da publicação deste artigo.

Mas certo é que as forças de segurança nada podem fazer em relação a estas reclamações, já que a lei do ruído apenas o proíbe entre as 20h e as 8h dos dias úteis e aos sábados, domingos e feriados. Nos restantes dias e horários, as obras de construção civil atuam dentro da legalidade.

Ter-se-á o Estado esquecido de acautelar o bem-estar das famílias ao permitir que a construção civil continuasse a laborar numa altura em que prevalece o dever de confinamento? Para responder a esta questão, o Notícias ao Minuto falou com Manuel Andrade Neves, sócio da Abreu Advogados e com uma vasta experiência em Direito do Ambiente.

"Há uma vida antes de Covid, durante Covid e pós-Covid"

Esta situação atípica não foi prevista pelo legislador e, como constata o advogado, "não está suficientemente regulada nas nossas leis que digam respeito ao ruído", isto porque, "como se costuma dizer, há uma vida antes de Covid, durante Covid e pós-Covid".

Esta é uma "situação inusitada que não esperávamos viver" e que "veio aplicar normas que nunca esperámos vir a aplicar". Contextualizou Manuel Andrade Neves que "a legislação do ruído prevê que atividades que causam sons e ruídos acima de determinados patamares sejam proibidas ou fortemente condicionadas" se realizadas "perto de zonas sensíveis, habitações, hospitais, escolas", entre outros. Estes são os cenários "regulados pela lei", sendo que é deixada aos "municípios uma grande margem para a elaboração de planos para reduzir o ruído", de acordo com os quais as atividades podem ou não ser licenciadas.

O Governo, apesar de algumas críticas, tem mantido as atividades de construção. E não creio que vá decretar a sua suspensão porque tem de haver uma réstia de economia a funcionar

O legislador previu ainda que "as pessoas têm direito ao descanso e ao repouso depois de um dia de trabalho" e, entre as 20h e 8h do dia seguinte, "atividades que são fortemente condicionadas ou não podem laborar, tais como a construção civil". Mas este é um enquadramento que "está preparado para uma vivência em sociedade pré Covid".

Esta legislação tem, contudo, "mecanismos para ser adaptada", sendo que as autarquias podem "adotar certos despachos ou determinações para impor alterações" durante o Estado de Emergência. Pode acontecer até que o Governo "venha a incluir estas matérias e possa haver uma legislação especial" num futuro decreto do Estado de Emergência, mas o advogado tem dúvidas que isso aconteça.

O Estado de Emergência, justificou, "foi adotado com uma finalidade um pouco diferente daquela que levou ao seu decretamento noutros países. O princípio subjacente era que a economia continuasse a funcionar", nomeadamente que "certas atividades não parassem devido à pandemia de Covid-19", tais como as das redes de supermercados e de transportes públicos.

O Governo, "apesar de algumas críticas, tem mantido as atividades de construção. E não creio que vá decretar a sua suspensão porque tem de haver uma réstia de economia a funcionar. Para além disso, que se conheça, não tem havido focos de infeção nesse setor de atividade".

Trata-se de uma colisão entre o direito à saúde, à qualidade de vida e ao repouso e ao direito à iniciativa privada e económica

A colisão de direitos

Com a manutenção das atividades de construção civil durante este cenário de pandemia, Manuel Andrade Neves lembra que estamos perante uma colisão de direitos.

Há um "instituto no Código Civil que é muito usado e que diz respeito à proteção da qualidade de vida das pessoas: os direitos de personalidade". Ora, a lei prevê que "as pessoas têm direito ao descanso, ao repouso, à saúde e pode acontecer que uma atividade, mesmo que esteja licenciada e que esteja de acordo com a lei especial do ruído, esteja a ser prejudicial ao descanso e à saúde de determinada família".

Este cenário conduz "a um conflito de direitos e que é regulado pelo Código Civil". Trata-se de "uma colisão entre o direito à saúde, à qualidade de vida e ao repouso e ao direito à iniciativa privada e económica".

Nestes casos, "o que diz a jurisprudência é que normalmente os outros direitos cedem perante os direitos de personalidade. Agora, questão curiosa, hoje em dia, é o facto de estarmos perante dois direitos similares, o direito de quem está em teletrabalho e o direito de quem está na obra. Como se resolve isto? A lei não é clara, diz que tem de se conciliar as situações na medida do necessário. Tem de se chegar a uma solução de consenso, não tem de ceder um em benefício do outro".

O Notícias ao Minuto contactou o Ministério do Ambiente a este respeito e aguarda esclarecimentos. 

Recomendados para si

;
Campo obrigatório