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Na luta de Maria contra a humidade nem todos os santos ajudam

Nos poucos e húmidos metros da casa de Maria Nascimento, 66 anos, cabem apertadas as recordações de duas décadas em Portugal, vigiadas por uma Nossa Senhora de Fátima que acompanha a são-tomense na vida difícil que leva no Bairro da Jamaica.

Na luta de Maria contra a humidade nem todos os santos ajudam
Notícias ao Minuto

14:21 - 18/01/20 por Lusa

País Bairro da Jamaica

A sexagenária sobe com dificuldade o quinto andar do prédio eternamente por acabar na Rua 25 de Abril de Chicharros, conhecido por Bairro da Jamaica, distrito de Setúbal, onde há um ano se registaram confrontos entre moradores e a polícia que as redes sociais pulverizaram e se estenderam a outras zonas da Grande Lisboa.

A luta de Maria Nascimento é contra a humidade que lhe cobre as paredes de preto e se entranha nos pulmões, levando-a com regularidade ao hospital com dificuldades respiratórias.

Tal como 243 famílias, das quais 62 já foram realojadas, a família desta são-tomense mudou-se para esta casa na esperança de receber uma nova.

No final das escadas de cimento, ladeadas por placas de madeira pregadas de improviso, uma porta abre-se para um espaço que divide com outro vizinho e onde trabalha uma máquina de lavar roupa. Ao lado, com um pano africano a fazer de porta, uma casa de banho de reduzidas dimensões acolhe uma sanita, um lavatório e um polibã, em cima do qual um guarda-chuva aberto impede que a água do banho seja a que escorre das paredes, por onde a humidade corre sem obstáculos.

Uma outra porta dá para a casa de Maria: duas assoalhadas mínimas repletas de pertences espalhados por estantes e uma cama que divide com a irmã mais velha.

Neste espaço minúsculo viu os filhos crescer, os quais entretanto "já foram à sua vida". E é com um esforço cada vez maior, que aumentou com o passar dos anos, que tenta vencer a humidade com a ajuda de tinta azul, perdendo sempre a batalha.

Junto à cama, uma mesa de cabeceira coberta por um 'naperon' de renda assemelha-se a um altar com as figuras em quem Maria do Nascimento deposita a esperança de dias melhores: Nossa Senhora de Fátima, Sagrado Coração de Jesus, João Paulo II, entre outros.

Invadidas pelo preto da humidade, as paredes do quarto seguram com dificuldade dois quadros de anjos, enquanto uma cómoda acomoda pertences e trabalhos infantis onde a palavra "parabéns" é a mais colorida da habitação.

Para Maria do Nascimento, se antes da demolição de um dos prédios do bairro a vida nas casas era difícil, agora está muito pior, pois o imóvel deixou de herança um lençol de água permanente onde os mosquitos se reproduzem e com eles os ratos e as baratas.

"Foi tirado o prédio, mas ficou a lama. Aguardamos pelo dia em que nos tirem daqui", disse à Lusa com os olhos postos nas manchas pretas da humidade que a obrigam a andar de impermeável dentro de casa.

Maria do Nascimento diz que ficará muito contente no dia em que receber uma casa nova, com condições como as que não tem atualmente, mas acredita que ficará com saudades do bairro.

"A gente volta. Quem saiu volta para ver o Jamaica, os amigos", afirmou, numa referência às famílias que já foram realojadas e que voltam sempre que podem para conviver com os amigos que ali deixaram.

Talvez por isso não goste de ouvir falar mal do bairro nem dos que lá vivem, nomeadamente após os confrontos entre moradores e agentes policiais no dia 20 de janeiro de 2019, que resultou na acusação pelo Ministério Público de um agente da PSP e uma família (mãe e três filhos).

"Nós que vivemos aqui temos um perfil, mas quem nos vê de fora às vezes fica com má impressão de nós", afirmou.

Apesar de reconhecer o peso de pertencer a um bairro com má fama, Maria do Nascimento não esconde o sítio onde vive: "Que remédio tenho eu do que dizer que vivo dentro da Jamaica".

E sobre o futuro, diz que pode bem passar por regressar a São Tomé, onde vai sempre que pode.

Até lá, Maria sobe e desce as escadas frias e sem luz que a levam de e para casa. Faz parte do grupo de moradores a receber as próximas casas novas. Vai ficar "contente", mas vai voltar para matar saudades.

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