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"Não somos um país racista. Somos um país com pessoas racistas"

Suzana Garcia, advogada e comentadora de casos judiciais no programa ‘Você na TV!’ da TVI, é a nossa entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto.

"Não somos um país racista. Somos um país com pessoas racistas"
Notícias ao Minuto

29/11/19 por Mariline Direito Rodrigues e Patrícia Martins Carvalho

País Suzana Garcia

Depois de na primeira parte da entrevistaSuzana Garcia ter relatado como é que seguiu a sua carreira na advocacia, num caminho determinado que se escreveu ainda na infância, e de abordar temas como a criminalidade juvenil e a violência doméstica, eis que agora a entrevistada fala de questões fraturantes da sociedade.

Sem preconceitos. É desta forma que partilha a sua opinião sobre casos tão polémicos como as acusações de violação contra Cristiano Ronaldo, discutindo igualmente os problemas do machismo e do racismo em Portugal. 

Na primeira parte desta entrevista disse que considerava que existia oportunismo no âmbito do feminismo. Porquê?

Se pensar numa Mary Wollstonecraft, uma das primeiras feministas, não se inclui nada dessa gentalha que por aí anda. São essas fulanas que destroem a verdadeira luta feminista, que apanham ideias genéricas e que as transmitem apenas e só porque querem obter rendimentos. Hoje em dia tem aqueles movimentos oportunistas como o #MeToo. Não posso, evidentemente, retificar o comportamento que sempre houve e que irá sempre haver, de pessoas execráveis que, aproveitando-se da sua posição de poder, constrangem mulheres para fazer aquilo que elas em circunstâncias normais não fariam.

Não contem comigo para filhas da mãe que nunca tiveram talento e que sempre quiseram subir na horizontalAgora, não contem comigo para filhas da mãe que nunca tiveram talento e que sempre quiseram 'subir na horizontal' e que, como não obtiveram o resultado desejável, decidiram retaliar contra aquela pessoa que lhes deu dois ou três filmes que não tiveram sucesso. Para se chegar a um determinado lugar tem de ser feito em igualdade de armas com os homens, cumprindo os mesmo direitos e os mesmos deveres. Foi possível em Israel com a Golda Meir, em Inglaterra com a Margaret Thatcher, ou no Paquistão com a Benazir Bhutto. 

Um caso muito polémico foi o do Ronaldo, nomeadamente, as acusações de violação por parte da norte-americana Kathryn Mayorga. Como é que viu o caso?

Assim que o tema surgiu no programa 'SOS 24', na TVI 24, posicionei-me ao lado do Cristiano RonaldoSei que o país inteiro tem uma paixão e uma admiração intensa pelo Cristiano Ronaldo, devo-lhe a ele enquanto portuguesa, mas não tenho essa paixão. Isto é importante para dizer que assim que o tema surgiu no programa 'SOS 24', na TVI 24, posicionei-me ao lado dele.

Já percebemos que houve uma cópula sexual e ele não o desmente. A questão é saber se foi consentida ou não. Imaginemos que a cópula não foi consentida, que foi esse o pressuposto de que eu parti, que ela até foi, 'coitadinha', forçada a manter uma cópula sexual com o Ronaldo. A seguir ela colocou um preço na cópula sexual...

Ela disse que foi forçada a assinar o acordo…

Ela estava coadjuvada por um advogado ou dois, assinou os papéis e recebeu o dinheiro. Foi pressionada? Pegava no dinheiro e voltava a transferir. Não negoceio a minha sexualidade, nem a minha honra. Portanto, se fui violada, não aceito nenhuma espécie de negociação possível. 

Estes anos todos depois, quando o dinheiro já se gastou, a senhora vem-se queixar que isto aconteceu e quer mais dinheiro?A senhora criou uma legítima expetativa no senhor que foi: 'eu recebo este dinheiro e calo-me'. Se me dissesse que dois, três dias depois daquilo ter acontecido, ela não conseguia dormir e explodia a polémica... eu estou cá para a defender. Estes anos todos depois, quando o dinheiro já se gastou, vem-se queixar que isto aconteceu e quer mais dinheiro?  

E o facto de ele ter dado o dinheiro?

Podemos ver isto de duas formas: como mulher não aceito um cêntimo daquele fulano, porque ao aceitar dinheiro estou a pôr um preço em mim mesma e já não se trata de um abuso sexual, mas sim de uma transação sexual. Como advogada diria aceita, porque vamos para tribunal e vais ser enxovalhada. 

Mas o mesmo para ele. O facto de ter assinado pode querer dizer: eu quero pagar porque fiz mal ou quero pagar porque não quero que o meu nome seja enlameado por um incidente destes. 

Disse uma vez no 'Você na TV' que representava prostitutas pro bono. Quer falar um pouco acerca disso?

As prostitutas são o único grupo de pessoas que represento pro bono. Os polícias eu represento pro bono só em questões profissionais.

Concorda com a legalização da prostituição?

A prostituição é dos maiores flagelos a que se pode submeter um ser humano. Quando estamos a cobrar uma verba pelo sexo não é só o sexo que está ali envolvido, é também a dignidade. A prostituição é uma 'coisificação' do ser humano. O melhor exemplo que temos para isso é pensarmos se gostaríamos que o nosso filho ou a nossa filha fossem prostitutos. 

A legalização da prostituição faz com que o Estado passe a ser o maior chulo da prostitutaA legalização da prostituição faz com que o Estado passe a ser o maior chulo da prostituta. Se eu permitir que este venha a ganhar dinheiro com uma atividade imoral destas, não há diferença nenhuma entre o Estado, o chulo e o cliente. É tudo sujo. Não posso legalizar um contra-valor e a prostituição é um.

Mas legalizando não seria uma forma de evitar o tráfico humano, por exemplo?

Não e vou já dar-lhe um exemplo. Sabe qual é o país da União Europeia com maior taxa de tráfico de pessoas? A Holanda. E qual é o país da União Europeia que tem a legalização da prostituição? A Holanda. Sabe qual é o país que também tem a legalização da prostituição e que é classificado como o 'maior bordel da União Europeia'? A Alemanha. Os Estados ganham imenso dinheiro.

Como acha que deveria ser encarada a prostituição em Portugal?

A prostituição é uma hipocrisia em Portugal. Nós deveríamos ter um regime jurídico semelhante aquele que acontece na Suécia. É claro que se for perguntar aos homens que recorrem à prostituição eles vão dizer que concordam com a legalização, porque querem tratar as mulheres como gado, querem submetê-las a 'checagens' de três em três meses a ver se está tudo bem, o que esses querem sei eu. 

Na Suécia o que se fez há mais de 10 anos é criminalizar o cliente e não a prostituta. Assim que nós vemos um homem a aproximar-se de uma mulher e a tentar pedir sexo em troca de dinheiro é preso. Deixa de haver prostituição? Não, mas reduz-se brutalmente. Se estou a atacar a procura, a oferta tem que se adaptar a outra coisa qualquer. 

Eu vi aqueles pulhas a dizerem 'ah, essa senhora, ela é prostituta, paguei 10 euros por um serviço que até nem foi bem feito'Em processos-crime em que defendi prostitutas tive de ver sentadas no banco dos arguidos as minhas clientes, enquanto o Ministério Público as acusava de lenocínio e usava como testemunhas de acusação os clientes. Vi aqueles pulhas a dizerem 'ah, essa senhora, ela é prostituta, paguei 10 euros por um serviço que até nem foi bem feito'. Acha que isto é moralizante? E ninguém fala disso? Porquê? Porque são prostitutas, mulheres consideradas de segunda ou terceira categoria. Das duas uma: ou criminalizamos os dois ou não criminalizamos nenhum. 

Porque é que defende prostitutas pro bono?

A versão oficial é que é uma forma de posicionamento perante o tema. Já a minha motivação na alma é: estas mulheres acham mesmo que tudo tem um preço. A minha esperança é que elas entendam que são merecedoras de alguém que lhes faça alguma coisa sem querer nada em troca. Elas merecem isso. Que de alguma forma estes gestos façam com que ganhem um amor próprio para deixar a atividade.

Acho que a sociedade não está preparada para alguém que dá nomes aos bois, seja homem ou mulherQuantas das suas clientes já deixaram a prostituição?

De cinco, duas delas voltaram a trabalhar, mas se tivesse sido só uma a deixar a prostituição já teria valido a pena.

Suzana tem uma personalidade muito vincada. Sente que é criticada por isso?

Acho que a sociedade não está preparada para alguém que dá nomes aos bois, seja homem ou mulher. Quando essa pessoa é mulher toma proporções ainda mais catastróficas. Quando se faz isso com uma postura muito emotiva, como a minha, existe logo uma tendência muito grande para haver uma clivagem nas pessoas: entre as que se identificam com aquilo que estou a dizer e que percebem a sinceridade e aquelas que pensam 'esta gaja é uma histérica'. 

Há-de reparar que nunca ninguém fala de nenhum comentador ou jornalista pela forma como ele está vestido. Quando é uma mulher é se o sapato condiz com a roupa, se ela está com mais bochechas, se tem mamas ou não tem. Isto ainda por cima feito por mulheres, o que demonstra o nível de sexismo e misoginia da sociedade em que estamos a viver, porque a mulher perceciona a outra como uma inimiga.

Neste âmbito, essa é uma mudança que tem de começar nas escolas?

Claro e nas próprias famílias. Vejo comentários de muitas mães em relação às filhas que não fazem em relação aos filhos. As meninas não se comportam assim. O que é isso? As pessoas é que não se comportam assim. Se houver um comportamento que é permissivo a um dos géneros tem de o ser para os dois. 

Isso está enraizado e não é por maldade. Lembro-me de que quando era miúda descia as escadas pelo corrimão. A minha mãe quando me meteu num colégio interno de freiras da África do Sul disse: 'por favor, corrijam-na porque ela é uma autêntica selvagem'. Então tive de andar dias e dias com duas bíblias na cabeça a descer as escadarias e a subir para fazer como as meninas deviam fazer. Não vi ninguém a ter essa preocupação em relação ao meu irmão. 

Nós não somos um país racista. Nós somos um país com pessoas racistas, que são conceitos diferentes Acha que a sociedade está presa ao politicamente correto?

Acho que sempre esteve presa a convenções comportamentais e ganhou muito quando aconteceu a Revolução do 25 de Abril e vieram para cá as pessoas que estavam a viver nas Áfricas. E digo Áfricas, porque cada um dos nossos PALOP é uma África, eu nasci lá, sei do que estou a falar. Essas pessoas vieram com um registo diferente e uma das vantagens que tinham eram ser uma lufada de ar fresco.

Quanto à sociedade querer olhar para mim usando adjetivos como desagradável é algo que me deixa confortável. Para ser honesta, só digo aquilo que penso e o que sinto. Se gostam ou não é absolutamente indiferente. Estou perfeitamente segura da minha aparência, das minhas habilitações neurológicas e tenho um juízo crítico muito grande. Se exijo dos outros tenho de exigir de mim muito mais. 

Sentiu o peso do politicamente correto no debate que fez acerca do racismo relativamente a um caso da Cova da Moura?

Esse debate teve uma grande repercussão positiva...

Houve muitas pessoas que se identificaram com a sua posição...

É a posição correta, porque não estou a fazer favores nenhuns a ninguém. Nós não somos um país racista. Nós somos um país com pessoas racistas, que são conceitos diferentes. Meteram-me à minha frente uma pessoa que pensou que fosse encontrar uma loura tontinha e que não fez o TPC e eu fiz o meu TPC e sou loura, mas não tontinha. Nós não somos um país racista, ponto. 

Ao contrário do que já foi dito… 

Essas pessoas são ignorantes, desonestas intelectualmente. Estou num país em que o primeiro-ministro não é branco, temos uma ministra da Justiça que é preta, secretários de Estado que são ciganos, uma deputada que é preta e vêm-me dizer que somos um país racista?

O último relatório que foi apresentado (em 2015) diz que somos o segundo país da Europa com o melhor ranking na não discriminação racial e na atribuição de cidadania. Qual dos países dos PALOP tem lá deputados brancos sentados na Assembleia da República? Na Guiné tem algum deputado branco sentado na Assembleia da República? São racistas os guineenses? Eu não faço essa afirmação. Olhe, eu tenho aqui uma deputada guineense, paga pelo erário público nacional que tem a desfaçatez de dizer que o meu país é racista. 

Sabe quanto tempo é preciso em Portugal para conceder a cidadania a um cidadão? Cinco anos. Acha que isso é uma coisa decente? O que é que tem de mais valioso uma pátria? A sua nação. A sua nacionalidade. Entregamos uma nacionalidade assim ao desbarato? 

Dizer que não há racismo em Portugal é falso. Há racismo em todo o mundo. [Mas] Eu sou a prova existencial em como Portugal não é racista. O meu pai branquíssimo de olhos verdes casou-se com a minha mãe que era mulata e à volta vêem-se imensos casais de miscigenação genética. 

Esta questão do racismo parece também estar muito ligada a problemas relacionados com a polícia, por exemplo, nos casos como a Cova da Moura e mais recentemente com o Bairro da Jamaica.

Temos aí uns movimentos políticos de extrema direita, sem nenhuma relevância existencial. Quando eu digo partidos de extrema direita não é o Chega. Estamos a falar de coisas sérias. Esses 'partidozinhos' não são estúpidos e infiltram alguns elementos nas forças e serviços de segurança como elementos desestabilizadores e aglutinadores. Aglutinadores para conseguirem arranjar o máximo possível de pessoas para a causa e desestabilizadores porque de facto se alguma dessas pessoas tiver um comportamento errado mancha a reputação da farda de todos os outros. 

Agora, há é grupinhos oportunistas que querem justificar a sua existência como essa associação SOS Racismo, que não tem utilidade nenhuma, a não ser criar antagonismo na sociedade portuguesa. Quando eu falo de orgulho nacional as pessoas pensam que isto é nacionalismo, se quiserem interpretar dessa forma interpretem, mas eu tenho mesmo muito orgulho em ser portuguesa. 

Porque é que tem a pulseira do Movimento 0? 

Tenho esta pulseira porque quero com isto fazer uma declaração mesmo quando não estou a falar. Que é: estou do lado certo. E o lado certo é do lado daqueles que me protegem e que mantêm a ordem e a paz pública. E fazem-no sem terem o mínimo de reconhecimento por parte da sociedade que protegem. Há esquadras que não têm carros, deslocam-se nas suas próprias viaturas e fazem intervenções sem usarem coletes. Não têm algemas, não têm bastões, seria muito imbecil da minha parte não estar do lado de quem está do meu lado. 

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