Moradores da Quinta da Lage resistem à erradicação e pedem requalificação
Amparados em laços sociais e familiares, construídos durante mais de seis décadas em comunidade, os moradores da Quinta da Lage, um bairro de autoconstrução, erguido às portas de Lisboa, no concelho da Amadora, resistem hoje à demolição das casas.
© Global Imagens
País Amadora
"O que a Câmara está a fazer hoje em dia é quase que expulsar-nos da Quinta da Lage", afirmou à Lusa o presidente da associação de moradores deste bairro, Edvaldo Lima, indicando que existem "cerca de 400 famílias" a viver nesta comunidade, em condições diversas, incluindo com carências habitacionais.
Centenas de pequenas moradias, uma igreja e dezenas de estabelecimentos, como cafés, um minimercado e uma oficina - é este o retrato genérico do bairro da Quinta da Lage, onde há um certo ambiente de aldeia.
Num plano de pormenor, surgem as queixas dos moradores em relação à falta de investimento da Câmara da Amadora, com críticas ao entulho da demolição de casas desocupadas, à recolha do lixo e à conservação das estradas. Contudo, a autarquia defende a erradicação do bairro.
"Já que a Câmara nos quer pôr de aqui para fora [...], que desse uma casa em condições e que não desse rendas exorbitantes às pessoas e que pusesse em bairros dignos. Dizem que o nosso bairro não é digno, mas aqui a gente já nos conhecemos todos", declarou Mariana do Vale, que vive na Quinta da Lage há mais de meio século, com o marido, Adriano do Vale.
Quando chegou ao bairro - ainda não existia o município da Amadora, pelo que o território pertencia ao concelho de Oeiras -, o casal foi viver para uma casa com estrutura de madeira, sem água, luz e esgotos. A situação foi posteriormente ultrapassada, com a participação de todos os moradores na construção de melhores condições habitacionais.
Sobre a erradicação do bairro, Adriano do Vale considerou que "a situação é embaraçosa", já que a indemnização proposta pela Câmara da Amadora, cerca de 30 mil euros, não cobre o valor da casa e do minimercado que o casal tem no rés-do-chão da moradia.
"Não é agora ao fim de 60 anos que vêm correr com a gente, então para isso não deixavam o bairro chegar onde chegou", contestou Adriano do Vale, reconhecendo a ocupação de um terreno privado, sem licenciamento para construir.
O casal foi abrangido pelo Programa Especial de Realojamento (PER), de 1993, mas o realojamento nunca se concretizou.
"Quando eu vim para aqui já diziam que isto ia abaixo. Até hoje...", referiu António José, que mora no bairro há 60 anos.
Manifestando-se contra a proposta de realojamento, em que a autarquia lhe oferece uma indemnização de 39 mil euros, o morador explicou que, se for para uma casa arrendada, ao fim de dois anos, fica sem dinheiro para pagar a renda. Na Quinta da Lage, diz, há uma verdadeira relação de vizinhança.
"Vou dar um passeio, se às vezes tenho azar de cair, tenho logo pessoas que me ajudam a levantar", disse António José.
Natural de Mirandela, no distrito de Bragança, Jubelina dos Anjos, de 91 anos, recorda que quando veio morar para o bairro pagou 300 escudos pela casa.
"Tudo quanto se ganhou empregou-se aqui na casa. Trabalhei muito e lá fizemos aqui a casinha a tijolo, porque isto estava tudo podre, a cair em cima da gente", confidenciou Jubelina, recusando o realojamento.
Vindos de Vila Verde, em Braga, e com mais de 50 anos de casados vividos na Quinta da Lage, Evaristo Gonçalves e Emília Gonçalves construíram casa num terreno em que pagavam renda, mas a informação da Câmara da Amadora é de que a habitação vai ser demolida em 2021.
"Não me podem pôr de aqui para fora de qualquer maneira [...]. Pertencemos ao bairro, moramos há tanto ano, moramos aqui num cantinho tão bom. Sempre pertencemos aqui ao bairro e havemos de continuar. Temos tudo aqui", reforçou o casal, mantendo viva a esperança de que a autarquia recue relativamente à erradicação do bairro.
Para o presidente da Associação de Moradores da Quinta da Laje (AMQL), Edvaldo Lima, se não há nenhum projeto previsto para a Quinta da Lage, os moradores deviam ser "o primeiro projeto, o projeto prioritário para a Câmara, até porque o lema da Câmara são as pessoas", opondo-se a "interesses imobiliários".
"Em pleno século XXI, a Câmara Municipal da Amadora não pode aceitar e perpetuar a precariedade habitacional existente neste bairro", informou a autarquia, em resposta escrita à Lusa, assegurando o empenho em "proporcionar condições de habitabilidade condignas" para os moradores da Quinta da Lage.
Segundo a vice-presidente da AMQL, Andreia Cardoso, a autarquia já começou, desde dezembro, a enviar cartas sobre o realojamento, mas "as pessoas não têm um interesse em abandonar as casas de uma vida inteira".
"Por parte da Câmara, não temos tido abertura para tentar uma outra solução, senão a destruição do bairro", adiantou a representante dos moradores, defendendo a requalificação do bairro ou a construção de um novo que garanta um realojamento coletivo, para que se mantenha unida a comunidade.
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