Os dois recursos, relativos à decisão do Tribunal Judicial da Comarca do Porto de 04 de janeiro, deram, em meados de fevereiro, entrada no processo que a Lusa hoje consultou e que foi iniciado em 2017 pela autarquia, depois de um técnico municipal descobrir que parte do terreno estava registado em nome da câmara desde 1950.
Em ambos os documentos, de advogados distintos, tanto a Selminho como o casal que registou o terreno por usucapião sustentam ser "verdadeira", e sem qualquer "vício", a escritura de compra e venda do imóvel, defendendo que a empresa seja reconhecida como sua proprietária.
"Encontram-se verificados todos os requisitos de que depende a usucapião do terreno de que a Selminho se arroga proprietária", sustentam os advogados da imobiliária, no "recurso de apelação" para o Tribunal da Relação, a que a Lusa teve acesso.
O Tribunal Judicial da Comarca do Porto julgou a 04 de fevereiro "nula" a escritura de venda de 2.260 metros quadrados na Arrábida por um casal à Selminho, ordenando o "cancelamento" da sua inscrição na Conservatória do Registo Predial.
Na sentença, o juiz deu provimento ao pedido da autarquia quanto à declaração da nulidade da escritura relativa a 1.661 metros quadrados e ao reconhecimento de que é municipal esta parcela registada em 2001 por usucapião (direito à propriedade pelo uso) pelo casal.
Para a Selminho, "o tribunal deveria ter considerado" que a empresa, "durante mais de 16 anos, organizou a sua atividade empresarial, fez planos, mandou fazer estudos e projetos de construção, sondou o mercado, negociou e despendeu tempo e dinheiro por força do comportamento do município".
"Em todas as interações mantidas", a autarquia "nunca questionou a qualidade da Selminho como dona do terreno", acrescenta.
A imobiliária assegura que, desde a data da compra, em julho de 2001, "executou e promoveu um conjunto de atos relacionados com o imóvel, atuando como seu dono".
"Realizou estudos com vista à análise da viabilidade construtiva dos terrenos, recorreu aos serviços municipais" para obtenção de "um Pedido de Informação Prévia (PIP) de setembro de 2001 [...] trocou correspondência e realizou reuniões com diversos departamentos e reuniões" da câmara, descreve.
De acordo com a empresa, "o tribunal deveria ter considerado provado, pelo menos, que a Selminho sempre atuou convicta de que o terreno pertencia" ao casal, "não tendo suspeitado ou sido alertada para alguma irregularidade que pudesse colocar em causa a validade do negócio".
A Selminho observa que "inexiste qualquer vício na escritura de justificação notarial", em que o casal registou os terrenos por usucapião num cartório de Montalegre tal como diz não existir "qualquer vício" na "aquisição da propriedade", pelo que a sua transmissão é "igualmente válida".
Para o advogado do casal, dos "factos provados resulta uma decisão e aplicação de direito diferente da sentença", que "conduz à improcedência total da ação", pelo que deve "ser revogada e substituída por outra".
Segundo o causídico, deve ser reconhecida "a propriedade" da Selminho "sobre o imóvel" e que "em seu nome se encontra registada na Conservatória do Registo Predial".
Na sentença de janeiro, o juiz considerava que nem o casal adquiriu o terreno por usucapião, nem a Selminho pode invocar aquela figura jurídica, por ainda não ter passado o prazo para a autarquia reivindicar o imóvel.
"A posse da Selminho teve início em janeiro de 2004, pelo que o prazo de usucapião só se completaria no mês de julho de 2026", observou o juiz.
No âmbito do Plano Diretor Municipal (PDM) em vigor desde 2006, a propriedade foi classificada como sendo não edificável, levando a imobiliária a avançar para tribunal contra a câmara, por se ver assim impedida de ali construir.