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"É vergonhoso pedir às pessoas que arrisquem a vida por três euros"

Poucos dias depois de fazerem greve, os inspetores da Polícia Judiciária ameaçam com nova paralisação. O presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC) da Polícia Judiciária é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto e explica quais são as reivindicações do setor.

"É vergonhoso pedir às pessoas que arrisquem a vida por três euros"
Notícias ao Minuto

09:00 - 15/02/19 por Patrícia Martins Carvalho

País Ricardo Valadas

Os funcionários da Investigação Criminal da Polícia Judiciária estiveram em greve entre os dias 4 e 12 de fevereiro. O balanço, do ponto de vista das reivindicações aceites, não é propriamente positivo, pois até ao momento não houve qualquer novidade por parte do Governo.

E é por isso que Ricardo Valadas denuncia ao Notícias ao Minuto aquilo que considera ser um condicionamento – ainda que de forma indireta – ao combate à corrupção. E a culpa, garante o presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, é do Executivo que, em quatro anos de legislatura não contratou “um único inspetor”.

Ora, sem inspetores não é possível fazer investigações que permitam recuperar os milhões que são “delapidados dos cofres do Estado” e quem acaba por ser prejudicado são os portugueses, pois o Estado não tem dinheiro para investir na educação, na saúde, na segurança e na justiça.

O que reivindicaram os inspetores da Polícia Judiciária com esta greve?

Reivindicámos uma revisão do estatuto das carreiras e da lei orgânica da PJ que são diplomas que têm cerca de 20 anos e que não estão adaptados às novas realidades da investigação criminal. Reivindicámos também a devolução de quantias que estão em dívida desde 2010 por um erro dos serviços e não esquecemos a crónica falta de recursos humanos e materiais e a ausência total de investimento no combate à corrupção.

Finda a greve e apresentadas todas as reivindicações já obtiveram alguma resposta por parte do Governo?

Não. Aquilo que temos é o que já tínhamos antes da greve, isto é, a informação que a ministra da Justiça nos transmitiu de que havia um projeto sobre a lei orgânica que está agora nas mãos da Direção Nacional. Sobre os recursos humanos também já nos tinha sido dito que seria aberto um curso este ano, mas até agora nada. Já quanto aos escalões e aos valores em dívida continua a não haver nenhuma resolução por parte do Ministério das Finanças.

As Finanças estão a ser o entrave?

O que nós sabemos é que a ministra da Justiça tem sido totalmente solidária com as nossas reivindicações e que não podemos permitir que o ministro das Finanças esteja pura e simplesmente focado numa política economicista e desvalorize por completo o investimento na PJ e nos recursos humanos.

Não é possível combater fenómenos como a cibercriminalidade, o terrorismo e a corrupção com um diploma com 20 anosEm que se deveria concretizar a revisão dos estatutos da PJ?

Naquilo que é a conceção da carreira de investigação criminal, naquilo que concerne às competências das pessoas e naquilo que são os instrumentos que as pessoas necessitam para trabalhar. Não é possível combater fenómenos como a cibercriminalidade, o terrorismo e a corrupção com um diploma com 20 anos. Todos estes fenómenos criminais evoluíram e a legislação tem de se adaptar porque nós sentimos graves constrangimentos ao nível legislativo no sentido de exercer melhor o nosso trabalho.

Que tipo de constrangimentos?

A título de exemplo: o terrorismo que hoje se investiga não é o mesmo que se investigava há 20 anos. Hoje em dia é diferente a forma como os terroristas se organizam e comunicam. No entanto, a lei da criminalidade informática é de 2009.

Esta falta de atualização legislativa coloca em causa o combate à corrupção?

Obviamente que sim. E isto é algo que tem sido denunciado por inúmeras personalidades da sociedade portuguesa. Aliás, basta ver as aberturas dos últimos anos judiciais: a prioridade reiteradamente anunciada pelo primeiro-ministro é o combate à corrupção. Mas a questão é que não podemos vir advogar o combate à corrupção de forma diária e depois manter uma instituição destas com as pessoas desmotivadas e desmoralizadas.

Os inspetores estão desmotivados porquê?

Porque investem uma vida inteira na causa pública, arriscam a vida e têm salários miseráveis para aquilo que são as suas competências.

É vergonhoso que o Estado peça aos inspetores para se levantem da cama para arriscar a vida por três euros à horaQual é o salário médio de um inspetor da Polícia Judiciária?

O salário ronda os 1.100, 1.200 euros. Estas são pessoas que têm processos de corrupção de milhões nas mãos. É assim que se quer combater a corrupção em Portugal? Já para não falar que não há atualização de escalões há dez anos.

E o valor dos suplementos?

O único suplemento que existe na PJ é o de risco e, em média, ronda 20% do vencimento, o que é uma vergonha. É vergonhoso que o Estado peça aos inspetores para se levantem da cama para arriscar a vida por três euros à hora.

Quanto é que o Orçamento do Estado reserva para a PJ?

O Orçamento total da Polícia Judiciária são 115 milhões de euros. Mas em 2017 o que foi executado não chegou à casa dos milhões. E agora digo-lhe que, nesse mesmo ano, uma única brigada de três inspetores, numa única operação, fez uma apreensão de 130 milhões de euros. Mais. No ano passado, só uma unidade do gabinete de recuperação de ativos recuperou cerca de 280 milhões de euros. Só num ano. Só uma unidade. Agora imagine o que seria em termos de recuperação de ativos para o Estado se todas as unidades estivessem com as equipas completas e a trabalhar com os meios necessários.

Nós e os outros funcionários públicos temos salários miseráveis porque houve pessoas que andaram a delapidar os cofres do EstadoEsta ausência de investimento no combate à corrupção afeta a imagem de Portugal no estrangeiro?

Claro que sim. Todos os índices internacionais têm demonstrado que existe uma necessidade de investir no combate à corrupção. Sabe porquê?

Porquê?

Porque, nos últimos 30 anos, a corrupção tem sido a principal causa de todo o desequilíbrio social – seja na saúde, educação, justiça ou segurança. Nós e os outros funcionários públicos temos salários miseráveis porque houve pessoas que andaram a delapidar os cofres do Estado. Não é só a economia que é responsável pela crise, estas pessoas também são.

Em que estado está a frota automóvel e todo o equipamento com que os inspetores têm de trabalhar diariamente?

Para ter uma ideia, a frota automóvel está tão envelhecida que muitos dos carros não reúnem as mínimas condições de segurança para que possamos fazer o nosso trabalho. E todo o tipo de equipamento, seja coletes à prova de bala ou até armamento, está num nível deficitário.

Os inspetores correm risco de vida por causa destas deficiências?

Obviamente que correm risco de vida. E também é preciso dizer que faltam recursos humanos – num quadro de 2.500 pessoas, temos neste momento 1.100 inspetores.

Quantos inspetores era necessário que entrassem para os quadros?

Precisávamos de, no mínimo, 320 novos inspetores nos próximos três anos.

Há quatro anos, olhando para o futuro, previu que a Polícia Judiciária estivesse a trabalhar nestes termos?

Depois de ver o programa político do Governo e face àquilo que foi sucessivamente anunciado pelo primeiro-ministro, não me passava pela cabeça que hoje, quatro anos passados, ainda não tivéssemos os estatutos aprovados, não tivesse sido aberto nenhum concurso para entrada na PJ e não tivesse havido investimento nenhum na frota automóvel e no parque informático.

Investigação criminal não é condenar as pessoas. Investigar é perceber se existe ou não crime, perceber quem são aos seus atores e reunir provas Os inspetores sentem-se enganados?

Não, porque temos consciência das dificuldades que o país atravessa. Mas sentimo-nos defraudados e frustrados, até porque não podemos andar constantemente a ser utilizados pelos diversos partidos políticos, no sentido de anunciarem sucessivamente um investimento no combate à corrupção que nunca se concretiza.

Como se sente um inspetor quando meses de investigação e de noites sem dormir culminam em arquivamentos ou em absolvições, pese embora as provas apresentadas?

Eu percebo a pergunta que está a fazer, mas é preciso que se perceba que a investigação criminal não é condenar as pessoas. Investigar é perceber se existe ou não crime, perceber quem são aos seus atores e reunir provas para serem avaliadas pela magistratura judicia.

Temos de desmistificar o que é passado para o cidadão pelas séries de televisão e até por alguns comentadores que só contribuem para que se faça dois julgamentos: o da investigação criminal e o da opinião pública. Há dois crimes que colam à vida das pessoas como tatuagens: os de natureza sexual contra mulheres e crianças e os de corrupção. O que defendemos é que a investigação criminal é uma ciência que tem de ser feita no recato e na proteção das vítimas e também dos suspeitos.

Considera que chega demasiada informação à comunicação social?

Eu considero que há informação que não deveria sequer chegar e que essas fontes de rutura do segredo de justiça terão de ser investigadas e condenadas.

Nós não temos medo, nem receio, mas a verdade é que há muitas formas de pressionar o trabalho da PJ Um inspetor sente-se pressionado de alguma forma quando investiga personalidades públicas de relevo?

Era hipócrita estar a dizer que não, mas trata-se de uma pressão saudável. Nós não temos medo, nem receio, mas a verdade é que há muitas formas de pressionar o trabalho da PJ.

Que formas são essas?

Dizer a uma brigada que investiga crimes de corrupção que não terá reforço nenhum de pessoas e deixar que essa brigada de 10 pessoas passe a ser composta por apenas três.

Está a dizer que o Governo condiciona a investigação à corrupção?

De forma direta não, mas de forma indireta sim. Podem vir com desculpas e dizer que não estão a condicionar, mas uma coisa é certa: não houve a contratação de um único homem para a PJ neste mandato, nem houve as alterações legislativas necessárias. Nada.

A criação de gabinetes de apoio às vítimas de violência doméstica nos DIAP é apenas um fait divers para iludir as pessoasQuando apresentou o pré-aviso de greve disse que existem “pequenos decretos que criam poderes altamente dependentes do Governo”. A que se refere?

Ao cargo de Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna que foi um modelo criado pelo governo de José Sócrates - o tal super polícia – e que cada vez tem mais poderes ao nível do controlo de informação criminal.

Isso é mau?

Obviamente que sim.

Porquê?

Porque a Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna depende diretamente do primeiro-ministro. Onde é que está a separação dos poderes? Mas até dou outro exemplo: a criação de gabinetes de apoio às vítimas de violência doméstica nos DIAP. Isto é apenas um fait divers para iludir as pessoas, porque o modelo que temos funciona.

Se funciona como é que só até fevereiro já morreram nove mulheres e uma criança vítimas de violência doméstica?

Por uma simples razão: não se investe na segurança; não se contrata agentes da PSP, nem militares da GNR que são quem trabalha na prevenção. É preciso repetir isto em loop para que a sociedade portuguesa perceba: se não se investe no combate à corrupção continuará a haver pessoas a delapidar os cofres do Estado e, assim, não haverá dinheiro para a saúde, educação, segurança, etc.

Tendo em conta que não obtiveram qualquer resposta do Governo às vossas reivindicações, estão a preparar nova greve?

Vamos avançar para a segunda fase. Na próxima semana vão ser decretadas novas assembleias regionais e, se não houver resposta do Governo em tempo útil (até dia 5 de março), iremos avançar com novos pré-avisos de greve.

Já se reuniu com o Presidente da República?

Não. Já pedimos três reuniões, mas a resposta que obtivemos foi a que seríamos recebidos na Casa Civil… não é isso que pretendemos.

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