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"O que vi no Amadora-Sintra foi um desprezo generalizado pelos doentes"

Paulo Horta Silva é psicólogo e psicoterapeuta e a história que nos conta hoje não é a de um profissional de saúde, mas sim a sua própria experiência enquanto paciente do Hospital Amadora-Sintra. Paulo Horta Silva fala em "agressividade" e "falta de formação pessoal" por parte dos profissionais que ali trabalham e garante que se estão descontentes - não lhes retirando a razão para estarem - não podem "descarregar a raiva" nas pessoas que estão doentes e precisam de ajuda.

"O que vi no Amadora-Sintra foi um desprezo generalizado pelos doentes"
Notícias ao Minuto

12:40 - 08/02/19 por Patrícia Martins Carvalho

País Psicologia

Não são escassos os testemunhos de quem se dirige às urgências de um hospital público e vivencia más experiências. Porém, são poucos os testemunhos de pessoas que, também elas, trabalham no setor da Saúde.

É o caso de Paulo Horta Silva, um psicólogo e psicoterapeuta que foi atendido no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, vulgo Hospital Amadora-Sintra.

Tudo aconteceu na noite de 26 para 27 de janeiro. Paulo já tinha ido ao Hospital Santa Maria, em Lisboa, unidade à qual, garante, nada tem a apontar. Por ser asmático e apresentar sintomas de gripe severos – falta de ar, febre muito alta – Paulo não esteve “nem uma hora à espera”.

Os médicos suspeitaram que poderia ser gripe A, mas as análises afastaram essa hipótese. Paulo foi medicado e enviado para casa.

Porém, no dia seguinte, o psicoterapeuta começou a sentir os efeitos secundários da medicação que lhe havia sido prescrita – perda de equilíbrio, desorientação espacial e até sintomas de paranoia. Por se encontrar a trabalhar no concelho de Sintra, Paulo foi levado pelos bombeiros para o Hospital Amadora-Sintra. Foi então que começou o seu “inferno”.

“Naquele hospital é tudo ao molho e fé em Deus”, diz Paulo ao Notícias ao Minuto, recordando aquela que foi a sua “pior” experiência hospitalar na ótica de utente.

Por ter sido transportado por bombeiros, Paulo foi logo atendido na triagem. Depois colocaram-lhe uma máscara e disseram-lhe que aguardasse. “Estava preparado para passar lá a noite”, disse.

Até aqui tudo normal, o hospital estava cheio, mas tendo em conta a época gripal, Paulo não se surpreendeu. O pior veio depois.

O psicoterapeuta conta que foi colocado numa maca com uma folha aos seus pés onde estava escrito ‘gripe A’. “Fizeram isto sem sequer falarem comigo”, refere, lembrando que ao seu lado estavam duas pessoas a quem tinha sido colocado o mesmo “rótulo”.

Assim se passaram cinco horas. Como nenhum médico foi falar consigo, Paulo abordou uma enfermeira, mas a resposta que obteve não foi a que esperava. “’Não sei e não é comigo. Tem de esperar’, disse-me ela”, recorda, acrescentando que a mesma profissional lhe disse para falar com um médico.

Ao dirigir-se ao médico, Paulo percebeu que a conversa não ia ser tarefa fácil. “Fui recebido com gritos, com um esbracejar de braços, com uma agressividade verbal e, sem nunca ter tido um contacto visual da sua parte, disse-me que não tinha tempo para falar comigo, que não queria e não ia falar. Pedi-lhe a identificação que ele recusou dar”, conta este profissional de saúde para quem o excesso de trabalho não justifica tudo.

Sim, existe excesso trabalho. Sim, os salários não são aquilo que gostariam, mas isto são problemas que não dizem respeito ao utente. Ao transporem isto para os doentes é como se estivessem a descarregar a raiva que sentem da entidade patronal ou daquilo que os regula para os pacientes

"O que vi naquele hospital foi um desprezo generalizado por todos o doentes que ali estavam", acusa.

Na ótica de Paulo, o que falta àqueles profissionais, naquele hospital, é “formação” e não técnica, mas sim pessoal. “Quem trabalha nesta área tem de se relacionar com os pacientes, tem de ter outra sensibilidade”, atira, explicando que “tem de haver uma aproximação às pessoas que estão doentes porque, por vezes, basta uma palavra amiga” para que se sintam melhores.

Não pode haver esta agressividade, esta arrogância, este desprezo. O que eu vivi e assisti no Hospital Amadora-Sintra foi uma violência

Regressando aos detalhes do que aconteceu na madrugada de 27 de janeiro, Paulo diz que o médico que recusou identificar-se não lhe é desconhecido: conhece-o do setor privado onde o “comportamento é bem diferente quando comparado com aquele cenário de ‘guerra’”.

Paulo decidiu então sair do gabinete do médico e abordou uma enfermeira na esperança que esta lhe dissesse se já podia ir embora ou se tinha de ali continuar: “Tem de esperar pela sua vez. Se quiser ir embora pode ir e procurar outro hospital”. Foi a resposta que obteve, garante.

Face ao exposto, Paulo decidiu ir embora. Mas antes pediu o livro de reclamações e expôs todo o episódio do qual tinha sido a personagem principal.

Antes de entrar num táxi e dirigir-se a uma unidade hospitalar privada - “e quem não tiver essa possibilidade?”, questiona – Paulo ainda viu uma senhora pedir ajuda a uma “auxiliar” porque estava com “dificuldades em respirar”. Mas o que aconteceu chocou-o (ainda mais): “A senhora foi humilhada. ‘Se não tem a mangueira de oxigénio ligada é porque está a respirar bem’, respondeu-lhe a auxiliar. Eu não aguentei, tive de intervir e fui presenteado com falta de educação e agressividade por parte da auxiliar”.

Como se tal não bastasse, Paulo ainda se deparou com uma cena que o deixou incrédulo: um grupo de “10 a 15 médicos e enfermeiros estavam cá fora a beber café, a conversar animadamente e a fumar um cigarro” - lá dentro, recorda, estava o “caos” instalado.

É óbvio que eles têm o direito e precisam das pausas, mas não é assim que se fazem as coisas

Face ao exposto, o Notícias ao Minuto tentou entrar em contacto com o gabinete de comunicação do Hospital Amadora-Sintra. Porém, das três vezes que o fez não obteve sucesso.

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