Tribunal anulou escritura de venda de 2.260 metros quadrados da Arrábida
O tribunal julgou "nula" a escritura de venda de 2.260 metros quadrados na Arrábida por um casal à Selminho, imobiliária do presidente da Câmara do Porto, e ordenou o "cancelamento da inscrição" da propriedade na Conservatória do Registo Predial.
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País Selminho
Na sentença de hoje do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, a que a Lusa teve acesso, o juiz Paulo Ramos de Faria ordena "a inutilização da ficha" da Conservatória do Registo Predial do Porto "respeitante à descrição de um terreno situado na calçada da Arrábida com a área total de 2.260 metros quadrados".
Para o juiz - que deu razão à reivindicação da autarquia, considerando serem municipais 1.661 dos 2.260 metros quadrados comprados pela Selminho -, tanto Maria Irene Ferreira e João Batista Ferreira como a Selminho, que comprou o terreno ao casal, "não adquiriram a propriedade, no todo ou em parte" do terreno na escarpa da Arrábida, "com a área total de 2.260 metros quadrados".
"Julga-se nula a venda formalizada por escritura pública outorgada em 03 de julho de 2001 [...], por Maria Irene Ferreira e João Batista Ferreira, como vendedores, e por Selminho, como compradora, respeitante a um terreno descrito como prédio urbano na Conservatória [...] na ficha 576", escreve o juiz.
A sentença refere ainda que nem o casal adquiriu o terreno por usucapião, nem a Selminho pode invocar aquela figura jurídica relativa ao direito à propriedade pelo uso, por ainda não ter passado o prazo para a autarquia reivindicar o imóvel.
"Resultou provado que os primeiros réus [o casal] nada adquiriram por usucapião e que, no essencial, os factos objeto da escritura de justificação não correspondem à verdade", observa o juiz.
O magistrado recusa a hipótese, avançada pela defesa da imobiliária nas alegações finais, de prescrição do prazo para a Câmara reivindicar o terreno de 1.661 metros quadrados, registado como municipal desde a década de 1950, conforme concluiu um técnico da autarquia em 2017.
"Embora se deva concluir que a ré Selminho possuiu o terreno, também se deve afirmar que não o fez durante o tempo necessário para o adquirir por usucapião", defende Paulo Ramos de Faria.
Para o juiz, a posse da imobiliária "é titulada e de boa-fé, mas não se pode ter o título por registado", pois "o prazo de usucapião é de 15 anos acrescidos de metade".
"A posse da Selminho teve início em janeiro de 2004, pelo que o prazo de usucapião só se completaria no mês de julho de 2026", observa.
Mesmo considerando que a posse da empresa começou em 2001, "o prazo de usucapião só terminaria em janeiro de 2024".
"Em suma, a Selminho não adquiriu o terreno em discussão por usucapião", acrescenta.
Quanto ao casal, o juiz considera como "factos provados" que "não construíram a sua habitação no terreno" e que em cerca de 1.500 metros quadrados do terreno registado por usucapião existia, por volta de 1990, "um pequeno depósito de sucata".
O magistrado observa que Maria Irene e João Ferreira "nunca requereram a ligação da casa à rede pública de água" e, até fevereiro de 199, "nunca invocaram perante entidades públicas a qualidade de proprietários da casa e do terreno".
"Maria Irene e João Ferreira assim atuaram à vista de quem passava na calçada da Arrábida ou via panorâmica Edgar Cardoso, sem que a sua atuação fosse contestada. Atuaram do modo descrito desde a data do seu casamento sem usar como seus a casa e o terreno", acrescenta.
Além disso, "antes de 2000, nunca pagaram qualquer imposto, taxa ou outro tributo público inerente ao prédio que registaram em seu nome".
Na sentença, o magistrado deu provimento ao pedido da autarquia quanto à declaração da nulidade da escritura que, em 2001, transferiu por usucapião 1.661 metros quadrados registados como municipais para a posse de um casal que o registou por usucapião.
A autarquia pedia ainda a nulidade das "transmissões subsequentes", ou seja, o contrato de compra e venda entre o casal e a Selminho.
No âmbito do Plano Diretor Municipal (PDM) em vigor desde 2006, a propriedade foi classificada como sendo não edificável, levando a imobiliária a avançar para tribunal contra a Câmara, por se ver assim impedida de ali construir.
Em 2014, no primeiro mandato de Rui Moreira como presidente da autarquia, a Câmara fez um acordo com a Selminho, assumindo o compromisso de devolver a capacidade construtiva ao terreno no âmbito da atual revisão do PDM ou recorrer a um tribunal arbitral para definir uma eventual indemnização à imobiliária.
O acordo tem vindo a ser sucessivamente adiado devido ao prolongamento dos prazos de revisão do PDM.
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