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Mulheres pelo Ambiente: "Soluções simples" ajudaram a ‘iluminar’ África

As histórias que via na televisão ou através da internet tornaram-se mais reais quando Inês Rodrigues deu aulas a jovens dos PALOP. Nas aldeias desses alunos, particularmente na Guiné, não havia luz, uma ‘regalia’ que encontraram por cá. Era preciso agir, mas como? Com “soluções simples” e “acessíveis” a todos. E há melhor local para começar do que na escola? Assim surgiu a Tabanca Solar e, este ano, a professora de inglês ‘aterrou’ em Moçambique com uma nova missão: o plástico.

Notícias ao Minuto

09:00 - 22/11/18 por Ana Lemos

País Projeto

Hoje viajamos até ao continente africano para conhecer os projetos de mais uma mulher portuguesa. Esta semana conversámos com a professora Inês Rodrigues, a grande vencedora do prémio ‘Terre de Femmes’ em 2016, um reconhecimento da Fundação Yves Rocher, que todos os anos distingue mulheres com projetos de cariz ecológico e sustentável.

Tudo começou com os relatos dos seus alunos provenientes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), nomeadamente da Guiné (um dos dez país menos desenvolvidos do mundo) que, nas suas aldeias, tinham de levar cadeiras para a escola para terem onde se sentar e que um só caderno, quando havia, servia para tudo. Mas o que impressionou mais esta professora de inglês foi a falta de um bem essencial: luz.

Mas para agir e dar resposta a essas dificuldades era preciso “encontrar soluções simples”, recorrendo a “materiais que pudessem ser encontrados facilmente”. A intenção não era “levar nada” de Portugal para a Guiné, mas arranjar meios para que essas soluções fossem “replicáveis” e a “baixo custo”. Assim nasceu o projeto Tabanca Solar, que traduzindo do crioulo para português significa “aldeia solar”.

O primeiro passo foi, por isso, dado pensando precisamente na “luz solar”, que abunda por terras africanas. Guiada pela sua “curiosidade” e auxiliada por colegas de diversas áreas (matemática, físico-química, etc.) e pelo interesse dos alunos - que crescia com a aplicabilidade prática das experiências - chegaram ao “forno solar”, que não serve só para a confeção de refeições, mas também para a “esterilização de material hospitalar”. Desta conquista, partiram para uma outra: painéis fotovoltaicos para “a iluminação de pequenas unidades de saúde materno-infantis”. A preocupação eram os partos noturnos que “muitas vezes” acabavam com a morte dos bebés.

Daí chegaram depressa a mais duas soluções: a lâmpada (que dispensa eletricidade) e o desidratador (para conservar alimentos) solares. Os alunos da professora Inês desenvolviam manuais explicativos, com todos os passos a dar para chegar a cada uma das “quatro soluções” e nas idas ao terreno era dada formação a professores e locais que, depois, se tornavam “veículos de informação” dessas soluções para as populações.

Pelo caminho, já o Tabanca Solar trabalhava “silenciosamente” em Portugal e na Guiné, Inês Rodrigues conquistou o prémio ‘Terre de Femmes’. O reconhecimento, a “visibilidade”, e a “credibilidade” que deu ao projeto, que já estava a ser feito há cerca de cinco anos, permitiu a esta professora ir mais além pelo ambiente. Chegaram contactos de todo o mundo, incluindo da China. Mas o foco estava em África. E Moçambique foi o destino que se seguiu, embora com uma missão diferente.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Inês Rodrigues conta como uma professora de inglês pode aprender “coisas diferentes”, transmiti-las aos alunos e hoje receber deles o feedback das soluções que juntos fizeram chegar à Guiné. Agora, como o projeto África 2Eco, que lançou em Maputo, o alvo é o plástico. Formar para tirá-lo das ruas e ajudar a transformá-lo, é a sua missão. E está a ser bem sucedida.

Como surge este projeto?

O projeto tabanca Solar surgiu já há cerca de sete anos, quando trabalhava no CICCOPN (Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte), e onde tinha alunos oriundos dos PALOP que [frequentavam] o ensino secundário. Esses alunos é que me foram relatando algumas dificuldades, no fundo as experiências de vida deles, jovens de 16 e 18 anos que, por exemplo, nunca tinham visto um autocarro como nós temos aqui [em Portugal] e que estranhavam até a forma como nós comíamos. Além disso relatavam-me como viviam nas suas aldeias, como era a escola, o facto de não terem sítio para se sentarem e terem de levar uma cadeira, o facto de só terem um caderno para tudo, dificuldades que nós aqui, em Portugal, obviamente que não sentimos. E outra das coisas que me relatavam era precisamente a falta de eletricidade porque já é conhecido que em África a eletricidade não abunda e nomeadamente na Guiné-Bissau, de onde alguns destes alunos eram oriundos. Retratavam-me uma realidade que nós conhecíamos de ver na internet ou na televisão, mas uma realidade que para mim se tornou mais profunda ao ouvir da boca deles. Daí decidi na altura, envolver algumas turmas num projeto em que pudéssemos encontrar soluções simples para alguns problemas que eles iam elencando. Foi assim que nasceu a associação e o projeto Tabanca Solar.

A partir daí qual foi a estratégia, o principal desafio?

Era também muito simples. Desafiávamos os alunos a pensar em soluções simples, com materiais que pudessem ser encontrados facilmente, porque não queríamos levar nada de cá. Estas soluções teriam de ser replicáveis, ou seja, de forma a que qualquer pessoa dando uma formação lá pudesse replicar pelo país e com um custo baixo. Então, os alunos, com a ajuda de professores de diversas áreas, desenvolveram quatro soluções utilizando a luz solar. Uma luz que a Guiné, país onde nasceu o projeto, tem em abundância – desde as 6h da manhã até às 21h - e bem mais intensa do que na Europa. [As duas primeiras soluções] foram o forno solar, para evitar que as crianças se queimassem devido aos fogos que as famílias usavam para cozinhar – e que atualmente não é apenas usado para a confeção de refeições, mas também para a esterilização de algum material hospitalar – e um painel fotovoltaico para a iluminação de pequenas unidades de saúde materno-infantis, onde a preocupação eram os partos noturnos porque sempre que havia uma dificuldade de noite, as pessoas não tinham qualquer luz para conseguir ver e acudir àquela emergência. E o que acontecia muitas vezes é que acabava por falecer o bebé. De modo que desenvolvemos também um sistema fotovoltaico simples, em que com uma ligação simples, podemos iluminar cinco centro materno-infantis, e também tem a possibilidade de ter uma luz autónoma (com um autonomia de cerca de dez horas) em que o médico pode deslocar-se a qualquer domicilio durante a noite e ver. Este foram os dois primeiros.

Os conceitos são simples, as soluções são simples e acessíveis a qualquer pessoa, mesmo àquelas que vivem na Guiné e não têm qualquer tipo de formaçãoComo é que uma professora de inglês pensa e arrisca lançar um projeto completamente diferente da sua área de formação?

Sou curiosa por natureza, acho aliás que todos devemos ser. Não sou especialista em nada, talvez seja apenas na minha área [de formação] porque tenho um percurso longo em termos universitários, mas sempre tive a curiosidade de saber como é que as coisas funcionam. E quando os alunos começaram a estudar esta questão solar, obviamente eu também me envolvi e tive de aprender porque gosto de aprender. [Além disso] queríamos fazer os projetos de uma forma tão simples que qualquer pessoa pudesse replicar. Por isso, também aprendi muito com os alunos à medida que eles iam estudando [essa matérias], e, claro, com o apoio do professor de matemática, de físico-química, que foram trabalhando todos os conceitos das aulas englobados neste projeto. O que para os alunos foi ainda mais profícuo porque acabaram por perceber a aplicabilidade de conceitos que muitas vezes só se dão na teoria. Mostrámos aos nossos alunos que eles podem aplicar estes conceitos na vida real. Daí uma professora de inglês conseguir perceber isto. Os conceitos são simples, as soluções são simples e acessíveis a qualquer pessoa, mesmo àquelas que vivem na Guiné e não têm qualquer tipo de formação.

No terreno, aquilo que fazemos é trabalhar com as escolas porque, principalmente nas aldeias, uma das pessoas mais respeitadas é o professor, e assim se torna [também] num veículo de informação

E porquê a Guiné-Bissau e não outro país dos PALOP?

No CICCOPN, tínhamos alunos da Guiné, de Cabo Verde, de Angola, mas a Guiné sempre foi aquele país onde os alunos descreviam maiores dificuldades e mais profundas. Depois comecei a pesquisar um bocadinho mais, e percebi que a nível mundial, de acordo com as Nações Unidas, é um dos dez país menos desenvolvidos do mundo e fala português. Daí a nossa primeira impressão foi Guiné. Além disso, percebemos que a ajuda não chega, devido à dificuldade de entrar no país e de desenvolver trabalho.

Quando aterraram, pela primeira vez na Guiné, como foi montada a estrutura no terreno?

Começámos por desenvolver cá todo o projeto, sabíamos então que tínhamos que levar as quatro soluções energéticas que, entretanto, já tínhamos concretizado: o forno solar; o fotovoltaico; a lâmpada solar; e o desidratador solar. Os alunos cá desenvolveram manuais de como fazer cada uma destas soluções, e depois quando fomos (e vamos) para o terreno, aquilo que fazemos é trabalhar com as escolas porque, principalmente nas aldeias, uma das pessoas mais respeitadas é o professor, e assim se torna num veículo de informação. Sempre que é organizada uma formação, pelos nossos parceiros locais com os professores das aldeias, damos-lhe formação e depois vamos às aldeias para mostrar como fazer e como implementar. Ou seja, não é apenas mostrar, fazemos mesmo lá, para eles verem a aplicabilidade, o uso, as dificuldades e pedem até para irmos melhorando os procedimentos cada vez que lá vamos.

Fomos contactados por pessoas de todo o mundo. Todos quiseram saber como se fazia algo de forma tão fácil

Foi difícil pôr em prática o projeto?

Inicialmente nem sequer embaixada instituída havia na Guiné. Foram os alunos que nos deram alguns contactos de pessoas e de algumas associações locais, que eles entendiam como credíveis. Assim fomos estabelecendo parceiras informais e assim chegámos a primeira vez à Guiné. [Curiosamente] aterrámos de noite e o que vimos logo foi um país às escuras. A única coisa que tinha luz era o aeroporto. Ou seja, já por aí foi impressionante. Mas foi muito graças aos parceiros locais que de facto conseguimos desenvolver trabalho no terreno. Mas não atuámos na capital, quisemos ir para aldeias onde de facto há necessidade e a ajuda não chega.

Quando ganha o prémio ‘Terre de Femmes’, em 2016, em que ponto estava o Tabanca Solar e que impacto e importância teve?

Teve um impacto enorme em duas vertentes. Primeiro tivemos um donativo financeiro que foi o motor para o projeto seguinte. [Permitiu] a conclusão da implementação do primeiro do desidratador solar, e fazer alguns testes para a questão dos resíduos e do projeto de plástico, ou seja, conseguiu financiar-nos – porque o projeto do plástico é bem mais caro, porque implica máquinas – mas podemos fazer um estudo relativamente a como podíamos reduzir esta pegada, estes resíduos que lançamos ao mar e para o chão. Também teve outro efeito. Até ao prémio, em 2016, nós já funcionávamos há cerca de cinco anos, mas silenciosamente. Já tínhamos ido a África, já estávamos implementados, e aquilo que o prémio veio trazer foi visibilidade e, de alguma forma, também alguma credibilidade ao trabalho que fazíamos. E depois da [conquista], fomos contactados por pessoas de todo o mundo, e fizémos até um workshop online para a China sobre como construir lâmpadas solares. Todos quiseram saber como se fazia algo de forma tão fácil. No caso da China, foi muito interessante porque foi uma escola internacional que nos contactou e tinham alunos no Sudão do Sul que queriam implementar a lâmpada nos campos de refugiados, mas não sabiam como. Nós acabámos por montar uma espécie de workshop online, onde estivemos durante horas a trabalhar com eles – nós muito de manhã e eles muito à noite por causa da diferença horária – mas tivemos do outro lado do mundo, na China, alunos a construir gotas de luz, lâmpadas solares, ao mesmo tempo que nós cá em Portugal. Foi de facto uma experiência fantástica.

O África 2Eco nasce também de uma solução simples, Com recurso a máquinas que se fazem em qualquer garagem e que transfocmam plástico em objetos úteisAí é que se dá a aposta em Moçambique e no projeto do plástico de que fala?

Em 2016, quando estávamos na Guiné, decidimos ver para onde ia o lixo e o que faziam com ele, porque não havia recolha de resíduos. E assim visitámos a primeira lixeira em África, na Guiné, e ficámos impressionados com aquilo que vimos. Vimos uma extensão enorme de lixo, queimado a céu aberto, com campos agrícolas a toda a volta, e obviamente com solos contaminados, água contaminada. Decidimos então dar um passo e começar por aquilo que podíamos alterar, sem muitos custos. O plástico era para nós algo mais simples a que podíamos dar solução e através da sensibilização mostra que o resíduo é algo com valor, que podemos através dos resíduos produzidos nestes países dar valor e subsistência às comunidades. Foi a partir daí que começámos novamente a pesquisar soluções – práticas e pequenas – que pudessem ajudar comunidades. Daí nasceu o África 2Eco que é o projeto de plástico que com o recurso a algumas máquinas, que se fazem em qualquer garagem, podemos transformar plástico em objetos úteis. Foi o que fizémos em Moçambique. Isto é um movimento que existe a nível mundial, não fomos nós que fizemos as máquinas, nós fomos som adaptando aquilo que já existia às necessidades locais e às condições dos países. As máquinas que ‘levámos’ uma tritura o plástico, outra é uma máquina de injeção que trabalha com moldes pequenos – podemos produzir azulejos, piões, bases para copos, peças lego – outra é de extrozão, podemos por exemplo fazer cabos, ou barras para produzir mesas, e a outra é uma máquina de compressão, para fazer objetos mais achatados, como tabuleiros. Ou seja cada máquina tem a sua função e podem ser produzidas em qualquer lado. Tanto assim é que a equipa que deixámos em Moçambique, este ano, já está neste momento, ela própria, a construir novas máquinas para expandir o projeto lá.

Essa equipa é composta por quem? Antigos alunos?

Quando fomos, fizemos uma parceria com o município de Maputo, que ficou interessado na questão dos resíduos. Demos formação a pessoas do município e a associações locais, mostrámos como é que as máquinas funcionam, como se pode fazer manutenção, reparação, levámos moldes – e continuamos a enviar. Por exemplo, depois de virmos para Portugal disseram-nos que os restaurantes estavam interessados em produzir bases para copos, então cá fizemos bases para copos e enviámos. E, neste momento, são essas pessoas que estão a trabalhar com as máquinas, nas instalações do município. Elas fizeram, aliás, um painel de azulejos numa avenida em Maputo, o primeiro painel de azulejos reciclado, de plástico, em todo o continente africano, que existe neste momento para sensibilizar a população para a recolha do plástico e para a entrega do plástico nas instalações do município para que ele possa ser reciclado e transformado. Falamos de 2.600 azulejos, muito plástico. Estão ali cerca de 130 mil tampas de água, quase duas mil garrafas de água de 1,5L, esferovite de embalagens de take-way e cerca de 400 sacos de plástico, que deixou de estar nas ruas ou no mar.

Esta partida para Moçambique é ainda em 2016 ou mais tarde?

Não, foi este ano. Estivemos a preparar todo o projeto. E, uma vez que é um projeto bem mais dispendioso [do que o Tabanca Solar na Guiné], tivemos que arranjar novamente financiamento para ele, e a UNICER ajudou-nos nisso e concedeu-nos um financiamento para iniciarmos o projeto. E foi em 2018 que conseguimos ir lá pela primeira vez. O projeto já tem seis meses e as máquinas continuam a funcionar todos os dias. Neste momento, por exemplo, já estamos a produzir lá cerca de 30 bases para copos por hora. O que é muito, muito bom.

Consegue perceber se da parte das pessoas houve uma boa adesão?

Diariamente, as pessoas vão entregar resíduos plásticos, nós já nem procuramos plástico lá. As pessoas entregam ao município. Estamos a falar de crianças de escola que levam garrafas e tampas da rua que apanham, como estamos a falar de adultos que apanham em grandes quantidades e levam lá.

Estamos agora a tentar encontrar condições financeiras para fazer um roadshow pelas escolas em Portugal, para que os alunos possam recolher o plástico, transformá-lo e ver que a reciclagem vale a penaQual é agora o próximo passo?

Estamos agora a trabalhar na expansão do projeto do plástico para São Tomé e Príncipe, em parceria com outra organização, em principio será implementado em fevereiro ou março do próximo ano, estamos só a acordar datas com os parceiros locais. Estamos também a tentar expandi-lo para a Guiné-Bissau. Simultaneamente, há um desafio que estou a sentir agora nas escolas. Os alunos em Portugal querem ver, querem ver transformar, querem fazer, querem ver todo o processo. Por isso, estamos agora a tentar encontrar condições financeiras para ter máquinas também em Portugal e fazer um roadshow pelas escolas cá, para que os alunos possam recolher o plástico, transformá-lo e ver que a reciclagem vale a pena.  Esta é, aliás, a minha filosofia de vida, temos de trabalhar com escolas. Começar por sensibilizar os mais novos para estas questões, porque são eles que dentro de 20/30 anos vão governar o mundo. E se tivermos governantes conscientes e que tomem boas decisões temos tudo. A Educação é de facto o que faz mover hoje e vai fazer amanhã.

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